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Abílio Ferreira: ‘A Casa de Fayola’ é meu texto de estreia como ficcionista

Abílio Ferreira: ‘A Casa de Fayola’ é meu texto de estreia como ficcionista

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RELATÒRIO 113.MP3 – RUA GENERAL JARDIM, 660, VILA BUARQUE
Fotos: Gil BF

Quinta-feira (26), auditório cheio para o lançamento do livro de Abílio Ferreira, “A Casa de Fayola” (Ciclo Contínuo Editorial). Elisângela Lima, doutoranda em sociologia pela Unicamp, é mediadora de uma conversa com o autor. 

Na Ação Educativa, a noite começou com uma trilha sonora em homenagem ao cantor, poeta e compositor Toninho Crespo, que faleceu nesta segunda (22), e seguiu com a intervenção teatral dos artistas do Impulso Coletivo. 

A PESQUISA E A FUTURA BIOGRAFIA

De acordo com Elisângela, Abílio Ferreira foi um de seus primeiros interlocutores na pesquisa sobre a memória negra na Liberdade, em São Paulo. O primeiro encontro deles, na igreja de São Gonçalo, a convenceu de que a história de Abílio precisava ser contada, pois ela leva a contar outras histórias, como as de Tebas, Chaguinhas e Luiz Gama, e a disputa por lugares de memória. Isso a levou a expandir sua pesquisa para incluir intelectuais negros, e desde então ela pesquisa a vida e obra de Abílio.

“Ali eu comecei a pensar que a minha pesquisa, ela poderia também se desdobrar para os intelectuais negros. E desde então, eu venho pesquisando a vida e a obra do Ábílio. Esse ano é um marco no sentido de efetivar um projeto de biografia”, disse.

A linha tecida, pela agora biógrafa, ligou a história de figuras importantes da memória negra ao trabalho de Abílio, reafirmando que seus contos abordam a cultura e o território preto, como a Vila Itororó, na região central da capital paulista.

A mediadora ressalta a importância de escritores negros, desde Henrique Dias, o primeiro negro letrado de que se tem notícia, até o lançamento do livro de Abílio, como aqueles que contam a história a partir das próprias mãos, valorizando a escrita como forma de expressão do povo negro, além da oralidade. Elisângela vê a obra de Abílio como um elo entre gerações, pois o que ele produziu nos anos 80 ainda é relevante hoje.

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Elisângela Lima e Abílio Ferreira.

CADERNOS NEGROS

No desenrolar da conversa, Abílio Ferreira disse que  a publicação de “Cadernos Negros” desempenhou um papel fundamental na carreira de escritores negros como Conceição Evaristo. A publicação serviu como uma plataforma crucial para a divulgação de seus trabalhos, especialmente no início de suas carreiras.

No caso de Conceição Evaristo, 11 dos 15 contos de seu livro “Olhos d’Água”, que lhe deu notoriedade, foram publicados ao longo de 20 anos nos “Cadernos Negros”, série organizada pelo grupo Quilombhoje. A publicação seguia um formato de alternância anual entre poemas e contos, o que proporcionava uma regularidade na produção e visibilidade para os escritores.

Abilio afirmou que, apesar de Conceição Evaristo já ter uma condição de escritora e uma carreira acadêmica, e provavelmente seria uma grande escritora mesmo sem os “Cadernos Negros”, a publicação de “Olhos d’Água” não pode ser desassociada de sua produção nos “Cadernos Negros”. 

Os “Cadernos Negros” foram essenciais para a produção e visibilidade de escritores negros, oferecendo um espaço para a publicação regular de seus trabalhos e contribuindo para a construção de suas carreiras literárias.

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Artistas do Impulso Coletivo durante o evento de lançamento do livro “A casa de Fayola”, de Abílio Ferreira.

O AUTOR, OS BAILES E O DESPERTAR

Assim como o pioneiro Oswaldo de Camargo, Abílio Ferreira demonstrou a importância da coletividade construída nos bailes, no caso de Ferreira, os bailes blacks. Segundo o autor, as festas regadas ao som do funk e soul foram importantes para Abílio e seu grupo de amigos, pois os levaram a conhecer e se apropriar da cidade de São Paulo. Abílio frequentava bailes de soul que aconteciam em diversos lugares da cidade. Ele pegava ônibus de São Mateus, na zona leste de São Paulo, para ir à Barra Funda, Jabaquara, Vila Brasilândia e até mesmo ao Rio de Janeiro, para dançar no Ginásio do Madureira. Essa experiência de explorar a cidade através dos bailes despertou seu interesse pela cidade, pelas quebradas e pelos versos.

A CASA DE FAYOLA

No livro “A Casa de Fayola”, Ferreira diz que se apropriou da Vila Ipiranga e resolveu criar os personagens Alexandre e Fayola e todo o contexto da história publicada na oitava edição dos Cadernos Negros, no ano de 1985. Ele menciona que a obra expressa sua paixão pela pela memória e pelo patrimônio, mesmo que ele não tivesse percebido isso na época. Abílio sugere que a verdade contida no texto, que tinha a ver com o esquecimento de sua própria vida e a perda de vínculo com sua trajetória e o passado, pode ser o motivo pelo qual o conto, seu texto ficcional de estreia, repercutiu a ponto de estar vivo e sendo recriado ainda hoje. Ele enfatiza que a produção é “muito verdadeira, muito genuína”, e que a arte, quando criada com verdade, impacta a vida de alguém.

A obra reúne sete contos originalmente publicados nos volumes de prosa dos Cadernos Negros. Abilio fez parte do coletivo Quilombhoje entre 1984 e 1990, período em que publicou em pelo menos sete edições e participou de debates e encontros que marcaram a formação de uma geração de escritores negros.

“Casa de Fayola é meu texto de estreia como ficcionista”, relembrou o jornalista e escritor.

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O INSTITUTO TEBAS

Abílio contou que o Instituto Tebas de Educação e Cultura foi fundado por ele e outros ativistas para profissionalizar a luta pelo patrimônio e pela memória negra em São Paulo. A criação do instituto surgiu da necessidade de dar sustentação econômica e perenidade à luta pela memória negra, para além das pessoas que o dirigem atualmente.

A conexão do Instituto Tebas com a memória histórica e o patrimônio em São Paulo é profunda. Abílio conheceu o trabalho de Tebas, Joaquim Pinto de Oliveira (1721-1811) por causa de seu trabalho na assessoria de comunicação da subprefeitura de São Mateus em 2013. 

A batalha pela memória e pelo patrimônio, como a de Tebas, é descrita como uma “luta de cachorro grande”, que exige fôlego e especialização. O Instituto Tebas foi criado para que essa luta não seja feita apenas nas horas vagas, mas de forma profissional, permitindo que os envolvidos possam se remunerar por esse trabalho.

O instituto busca retomar a ideia de organizações como a Frente Negra Brasileira e os clubes sociais negros dos anos 30, que davam sustentação, inclusive econômica, à comunidade negra. A ideia é que o Instituto Tebas permaneça e sobreviva, sendo perene para além de seus fundadores e diretores, garantindo a sustentabilidade da luta pela memória negra ao longo do tempo.

O instituto também está envolvido em projetos como a criação do Museu dos Aflitos na Liberdade, e tem como objetivo a educação patrimonial. Para Abílio Ferreira, a fundação do instituto é vista como uma forma de quebrar o paradigma histórico e dar continuidade a um processo coletivo de construção da memória negra.

SERVIÇO

O livro “A casa de Fayola” pode ser adquirido no site da Ciclo Contínuo Editorial.

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Jair dos Santos (Cortecertu) passou a fazer parte da Equipe do Bocada Forte em 2001 como colaborador e rapidamente se tornou um dos editores e principal criador de conteúdo. É pesquisador, DJ, compositor, beatmaker e ex-instrutor da Associação Amigos da Molecada da Vila Santa Catarina (bairro da zona sul de São Paulo). Trabalhou na pesquisa de imagem e de texto no DVD "1000 trutas, 1000 tretas", do grupo Racionais MC. Foi colunista do jornal Brasil de Fato e pesquisador iconográfico para a revista Caros Amigos, no livro Hip Hop Brasil. Colaborador da Revista 451. Foi coordenador da digitalização do acervo do Banco de Dados da Folha de Paulo.