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#ParemDenosMatar: Guilherme Dias Santos Ferreira, jovem negro assassinado aos 26 anos

#ParemDenosMatar: Guilherme Dias Santos Ferreira, jovem negro assassinado aos 26 anos

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Guilherme Dias Santos Ferreira voltava para casa após mais um dia de trabalho. Jovem negro, 26 anos (mesma idade do Bocada Forte), alvejado pelas costas por um policial militar enquanto corria para pegar o ônibus, em Parelheiros, na zona sul de São Paulo. A versão oficial: teria sido confundido com um assaltante. A verdade: mais uma vida ceifada pelo Estado governado por Tarcisio de Freitas, num país que insiste em criminalizar nossa existência. O caso de Guilherme não é exceção, é a regra de um sistema que há décadas tenta silenciar a juventude preta com balas, fardas e o escudo da impunidade.  

“Me ver pobre, preso ou morto já é cultural” (Racionais)

Tudo aconteceu no dia 4 de julho. O fato virou notícia no dia 7.

Mas essa dor, que é coletiva e histórica, não começou com Guilherme e tampouco terminará nele, infelizmente. Na mesma data, o MNU celebrou 47 anos. Em 7 de julho de 1978, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, cerca de mil corpos negros ousaram existir em voz alta. Ali nasceu o Movimento Negro Unificado (MNU). Organizado por nomes como Hamilton Cardoso, Neusa Pereira e Milton Barbosa, o ato público desafiou a ditadura e o silêncio racial imposto há séculos. Com um megafone na mão, essa juventude preta pautou sua dor e seu amor aos nossos como resistência, algo que repetimos nos dias atuais.

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Essa teia entre o ontem e o hoje é construída pela mesma força que ergueu o MNU: a recusa em aceitar a desumanização como realidade e destino. O hip hop, nasceria no Brasil alguns anos depois, nos anos 1980 e, nesse percurso, foi trilha sonora e protagonista de todo esse corre. Nas letras do rap está a memória viva da trajetória negra e a continuidade da luta iniciada no Ato de Julho de 78. O beat da batalha antirracista fortalece em loop, com samples da nossa contemporaneidade.

No passado, em plena ditadura, o Estado vigiava e criminalizava qualquer reunião de jovens negros. Em 2024, a repressão muda a cor da farda, mas o alvo permanece o mesmo. Guilherme corria para não perder o ônibus, hoje não está entre nós. O policial, membro de uma instituição chefiada por outro Guilherme, o Derrite,  foi solto após pagar fiança. A  esposa da vítima agora carrega a dor provocada por um país que teima em negar humanidade aos seus, aos nossos. Quando ela diz que quer justiça, sua voz ecoa… é continuação daquele 7 de julho. 

Como diria Racionais: “Nossos motivos pra lutar ainda são os mesmos. O preconceito e o desprezo ainda são iguais. Nós somos negros também temos nossos ideiais. Racistas otários nos deixem em paz”.

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Essa luta, que atravessa gerações, é também uma disputa simbólica. É preciso reafirmar que a narrativa e a condução das lutas negras devem estar nas mãos de quem vive o racismo na pele, não de quem apenas o estuda ou o publica nas páginas dos jornais e grandes sites de notícias . Assim como o MNU, o  hip hop, mesmo enfrentando fortes interferências das big techs e da indústria da música, reafirma a centralidade da vivência preta nas batalhas por justiça. 

O rap e o hip hop não romantizam a dor. Tudo é  traduzido em discurso político, em arte rebelde, em denúncia cotidiana. Enquanto o Estado decide quem são os matáveis, o hip hop documenta. Enquanto a mídia, em muitos momentos,  silencia ou apenas mostra em primeira mão a versão oficial,  o rap narra o outro lado, a parte que paga com a vida.

É triste constatar que Guilherme é mais um nome nessa longa lista de assassinatos. Da mais conhecida resistência em Palmares, passando pelo MNU no Teatro Municipal, o hip hop segue como herdeiro preto e alerta a quebrada. Sabemos que a memória de Guilherme não será registrada em relatórios policiais. A  luta antirracista vai além do hip hop, mas tem em seus integrantes fortes aliados. Sua rememoração será rimada, grafitada e mixada entre os nossos.

O hip hop militante, hoje, segue tendo a mesma missão inspirada pelo MNU de 1978: não deixar que esqueçam. Não deixar que naturalizem pretos sendo assassinados. Não deixar que nos matem em silêncio, mesmo com todos os registros em vídeo que são espalhados nas mídias sociais, mas ignorados pelo poder público. Que a revolta por Guilherme, como a coragem do Ato de 7 Julho, nos convoque à ação. Não podemos ser apenas espectadores, precisamos ser parte deste levante ancestral. Tenho 54 anos, mais que o dobro da idade de Guilherme Dias Santos Ferreira, e ainda acredito no poder do hip hop. 

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Jair dos Santos (Cortecertu) passou a fazer parte da Equipe do Bocada Forte em 2001 como colaborador e rapidamente se tornou um dos editores e principal criador de conteúdo. É pesquisador, DJ, compositor, beatmaker e ex-instrutor da Associação Amigos da Molecada da Vila Santa Catarina (bairro da zona sul de São Paulo). Trabalhou na pesquisa de imagem e de texto no DVD "1000 trutas, 1000 tretas", do grupo Racionais MC. Foi colunista do jornal Brasil de Fato e pesquisador iconográfico para a revista Caros Amigos, no livro Hip Hop Brasil. Colaborador da Revista 451. Foi coordenador da digitalização do acervo do Banco de Dados da Folha de Paulo.