Opinião | Poze do Rodo: o racismo estrutural no Brasil, por Camilla Cidade
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A prisão do cantor Poze do Rodo, como espetáculo publico, escancara, mais uma vez, as entranhas do racismo estrutural que molda o sistema penal brasileiro. Não se trata apenas de um artista detido, trata-se de um corpo negro, periférico, que ascendeu sem pedir licença — e isso incomoda profundamente as estruturas de poder.
Poze foi acordado de surpresa, ao lado da esposa e da filha pequena, sem tempo sequer de vestir uma camisa ou calçar um chinelo. Mesmo calmo, sem oferecer qualquer resistência, foi algemado diante de sua família. Um ato que desrespeita a própria legislação brasileira, que prevê o uso de algemas apenas em caso de risco — o que claramente não existia.
Enquanto conduzido, um mar de repórteres já estava avisado e pronto para criar o circo midiático. O Estado quer passar uma mensagem, mas para a mensagem que chega é necessário movimento, pensamento e ação. E por isso escrevo este breve texto.

Na semana seguinte de vermos o tratamento VIP dado à influencer Barbie que lucra com a miséria alheia através do “jogo do tigrinho”, um exemplo de como a branquitude lucra com atividades ilícitas sem qualquer constrangimento. E o que dizer do cantor sertanejo que teve, recentemente, sua ligação com a máfia italiana comprovada? Nenhuma investigação aprofundada. Nenhuma operação cinematográfica. Nenhuma exposição midiática que o jogasse aos leões. E o ex-deputado que atirou contra o Congresso Nacional e foi conduzido à delegacia com toda a calma, sem algemas, sem humilhação pública?
A seletividade é explícita. Não é exagero, é padrão.
A criminalização da figura de Poze não é um caso isolado — é parte de um sistema que associa o sucesso preto ao crime, que não suporta ver o funk ocupar espaços de protagonismo, que ainda enxerga a favela como ameaça.
O que estamos vendo é o Estado transformando um artista em exemplo. Mas não de justiça, mas de controle, de intimidação, de punição simbólica para todo um coletivo. A detenção de Poze do Rodo é mais do que um ato jurídico: é um retrato da hipocrisia institucional, da seletividade penal e da persistente desumanização do povo preto e favelado. Mas também é um grito. E que ele ecoe alto o suficiente para que o Brasil, finalmente, ouça o que há séculos se repete:
Funk é arte. Funk é manifestação da realidade periférica. Não é sobre Poze do Rodo — é sobre a normalização que querem dar ao evidente racismo estrutural que foi cometido e exposto.
Estamos de olho, e esse artigo de opinião é só uma gota em um Oceano. Nem toda mídia calará. Obrigada, Bocada Forte, pela liberdade de expressão.
Camilla Cidade
29/05/2025
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