Memória BF | Opinião – ‘Mano Brown, a pedra e a roda viva’

Publicado originalmente em 16 de novembro de 2010. Última edição em 22 de abril de 2020.

0
540
Mano Brown durante o Roda Viva

Por DJ Cortecertu

“É a verdade mais pura, postura definitiva. A juventude negra agora tem voz ativa…”

“A gente quer ter voz ativa. No nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá…”

Não tenho boas lembranças da primeira vez que Mano Brown me falou: “É a hora! Tenho coisas pra falar. Querem me ouvir, vou falar”. Isso aconteceu semanas antes de sua participação no Roda Viva (2007), famoso programa de entrevistas da TV Cultura. Eu tinha ligado para o Brown para confirmar a informação e tranquilizar o Zé Maria, responsável pelo setor de pesquisa da emissora. Zé era a ponte entre o rapper e a direção do Roda Viva, os funcionários da TV queriam saber se o Brown iria mesmo ou se ele mudaria de ideia por algum motivo. Todos temiam a sua postura radical.

No dia 26 de setembro daquele ano, eu estava infiltrado no prédio desde às 19 horas. A expectativa era grande, pude presenciar algumas conversas, os jornalistas temiam até a saída repentina do rapper no meio do programa. Ninguém parecia disposto a colocá-lo contra parede. Prova disso foi a decisão de não mencionar os acontecimentos da Virada Cultural, na Praça da Sé, onde jovens entraram em confronto com a PM durante o show dos Racionais MCs, em Maio de 2007. Um cinegrafista veio me perguntar se o Brown ficaria nervoso se ele registrasse os bastidores do coquetel que antecederia o Roda Viva. Eu disse pro cara ficar sossegado e fazer o trampo dele na boa. O que muitos não sabiam: Mano Brown estava muito diferente.

Assista a entrevista no Roda Viva

Antes de revelar porque não tenho boas lembranças das frases que ele repetiu em  sua recente entrevista ao jornalista André Caramante, na Rolling Stone (dezembro/2009),  voltemos um pouco na linha do tempo.

O Ano é 2004, mês de agosto. Inicio meu trabalho de pesquisa para o primeiro DVD dos Racionais MCs. Aguardo Mano Brown no metrô Vila Madalena, juntos iremos ao centro de informações da TV Cultura, em algumas semanas conheceremos o Zé Maria.

Brown chega num Vectra verde (que só sei que é Vectra porque ele falou um dia), o som que saí dos falantes é disco music. “Eu curto a pegada desses sons, bem feitos, tem algo de magia nesse baixo que os caras tocam, é muito dançante. O Edi Rock não curte muito não.”

Figura nacionalmente conhecida, Mano Brown é parado por fãs na rua que dá acesso ao edifício da TV Cultura. O ritual é o mesmo, os manos, as minas, todos citam o bairro de origem, algo que parece legitimar a admiração pelos Racionais. “Ow Brown, sou da zona norte, mas nasci em Guaianazes, lá na leste”, afirma um. “Sou do Jardim Miriam, vocês já tocaram lá em 1993″, diz outra. Do local onde estacionou o carro até a portaria da emissora, um trajeto que duraria uns 2 minutos, leva quase vinte. Esse fato se repetiu durante o processo de pesquisa para o DVD.

Certa noite, quando voltávamos do trampo escutando Espaço Rap, Mano Brown desligou o rádio e colocou um CD no player. O motivo da mudança repentina: uma música dos Racionais rolava na 105 FM. Já tinha percebido antes, ele ficava meio sem jeito… No mesmo instante, o rapper começa a falar “Eu acho que só agora aprendi a fazer Rap e a entender o Rap, sempre falaram que eu era marrento. Eu abracei esse lado meu, mas anulei parte de mim. Por vaidade? Por  inexperiência? Não sei. Hoje sei utilizar melhor as palavras, as rimas. A palavra é como uma navalha. Os efeitos provocados por uma navalha podem ser bem diferentes. O que pode provocar uma navalha no chão, na horizontal, deitada? Levante essa navalha, faça com que ela fique na vertical. Imaginou o estrago? Precisamos saber utilizar o que temos.”

Em 26 de setembro, Mano Brown esperava ser impiedosamente atacado. Deu “um migué”, se fez de desinformado para os entrevistadores, foi provocador. Mas ninguém ali estava pronto para questionar o rapper  de forma contundente. O que vimos foi um Mano Brown tentando desconstruir o mito que o engessou durante anos, mas o tempo foi passando, o programa acabou e sua estratégia falhou. A repercussão não foi das melhores e isso me deixou desapontado. No final de 2009, a entrevista publicada na Rolling Stone mostrou o que Brown, sem sucesso, tentou fazer na TV Cultura. Com vinte anos de Rap, o MC linha de frente inicia outra missão. O Rap sempre falou em resgatar. Agora o canto falado precisa ser resgatado.  O preço é alto. Brown fez mais um dos seus movimentos. Outras surpresas virão? O rapper será mais compreendido do que atacado? Respondo com a filosofia de terreiro – Tempo disse. Tempo dirá.

https://www.bocadaforte.com.br/wp-content/uploads/2020/03/RevistaBocadaForte_02.pdf
Leia e faça o download da edição 2 da Revista Bocada Forte

Os comentários abaixo também fazem parte do Acervo BF e não sofreram nenhuma edição.


Mano brow precisa pregar o evangelho através do rap, só assim terá valor sua missão na terra!
Por: Vitor Deslandes – Em: 10/04/2010 10:46:12


Mano Brown tem que fazer o que sabe e faz de melhor para seus fãs e público. E não ficar se metendo onde acha que pode se sair bem, ele foi no Roda Viva e falou merda, não respondeu com veemência as questões dos entrevistadores. Depois se mete da Rolling Stone, não sei pra que! E não venham me falar de progresso, de evolução, blá, blá, blá… Sabemos discernir muito bem as coisas.
Por: Johnny Bongos – Em: 24/03/2010 00:42:35


quando era menino pensava como menino, quando era jovem pensava como jovem agora que sou homem faço as coisas de homem… isso aí é a bíblia. É o que vejo com raconais, já era, aquilo é outra época. Ahhh os caras estão vendidos… hahahahaha… graças a Deus tem alguém querendo comprar os produtos do gueto, senão vamos morrer agonizados com o que produzimos. Crucificar Brown ou outro qualquer pq assumiu uma postura, deveríamos era elogiar pois os pretos q nunca tiveram espaço começaram a ocupá-lo. Primeiro foi o Bill, taxado de vendido, agora Brown, quem será o próximo? Ahhh o Brown tem patrocínio da nike… beleza então deixemos beckham, kaka, cristiano ronaldo… ganharem o dinheiro da nike e a gente aqui reclamando e dizendo que não temos oportunidade, sonhando em ter um nike tb, e muitos no gueto roubando para conseguir um all star. foda, nosso discurso diz uma coisa e agimos de outra forma… desculpem, apenas um sonho delirante de um preto que quer ser protagonista da própria história e que acha que se eu não ocupar os espaços, os boys continuarão por mais 50o anos… e nós só reclamando e falando mal dos “nossos” quem ocupa… tô parecendo capitalista demais, é apenas o mundo em que eu vivo e tudo que desejo gira em torno dele.
Por: Preto Dicko – Em: 03/03/2010 11:22:35


O Mano Brown é sem dúvida nehuma um dos maiores cronistas do canto falado em terras tupiniquins. Na minha modesta opinião o Mano Brown cansou de manter o estereótipo de “inimigo do mundo”, isso no meu modo de ver foi uma evolução. Como já disse anteriormente, não precisa perde a ideológia se tiver disposto a perde o radicalismo. E sobre a entrevista no programa RODA VIVA, ela serviu também pra derrubar aquela estética de “líder incondicional” (criada em parte pelos próprios fãs!). Afinal ele também é humano e está sugeito a cometer erros, e tem esse direito, assim como todos nós. Talvez esse instinto repulsivo em bater de frente com a grande mídia seja por não saber como lidar com ela. Sobre o palco é um grande orador, dando entrevista nem tanto … Porém essas conclusões (que são apenas minhas, quero deixar bem claro!), não diminui a minha admiração pelo rapper que contribuiu (e muito!!!) para o crescimento do Rap Nacional. Pazà todos!!!
Por: Paulo Brazil/STN-Amante do Vinil !!! – Em: 25/02/2010 12:19:41


Tá entendido então o porquê. O Brown é uma figura pública julgada não só por quem curte rap. Então a entrevista do Roda Viva e a matéria da Rolling Stone foram só maneiras de desvencilhar o rapper de sua postura marrenta, politizada e agressiva. Ele é um artista, ele quer fazer música e, se isso até agora soou agressivo e inovador pra todo, muito bem. Mas esse é o modo dele dizer que vai fazer sempre do jeito que quiser, gostem ou não. Esclarecedor o texto. Abraço, http://www.robazz.blogspot.com
Por: @bigblackbastard – Em: 24/02/2010 09:27:00


Cortecertu, na moral, brother, gostaria de saber o que você achou de fato da entrevista do Roda Viva? Sou fã do Racionais desde sempre… acho que o Mano Brown é um dos maiores poetas do Brasil… fiz alguns trampos com o KLJay e tal… Mas achei aquela entrevista não um passo a frente como você sugere, mas sim dois pra trás! Logicamente, não estou falando apenas de Arte! Nelson Maca – BA
Por: Neslson Maca – Em: 21/02/2010 05:13:28


venho aki sempre dar comentarios e opniões. são sei se vale muito mas queria dar mais uma opnião! se o site trabalha pelo rap brasileiro e tals,vcs deveriam dar mais oportunidades ao trampos independentes,ja andei pedindo uma ajudinha mas acho q vcs estão ocupados demais com quem ja tem a O CAMINHO TRILHADO!então,eu divulgo uma banda de minas gerais(UBERABA) chamada TRETAS A PARTE,se um dia vcs se interessarem pela banda e puder dar uma força ta ae o my space…obrigada a compreensão!MY SPACE: WWW.MYSPACE.COM/TRETASAPARTE BLOG PRA BAIXAREM O CD: WWW.TOTOIN.BLOGSPOT.COM OBRIGADA VLW!!!
Por: michelle santos – Em: 19/02/2010 21:12:54

Interaja conosco, deixe seu comentário, crítica ou opinião

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.