A luta de classes e a disputa pela narrativa dentro da cultura hip hop
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O alvo é esse grupo que historicamente nos prejudica. Sim, a parada é nós contra eles
Não somos especialistas, então comecemos sampleando, cortando, riscando e simplificando a análise marxista da sociedade capitalista que revela a divisão estrutural entre burguesia e proletariado. A primeira detém os meios de produção, controla o Estado e impõe a exploração da força de trabalho da classe trabalhadora. Já o proletariado, para sobreviver, é obrigado a vender sua força de trabalho em condições desiguais (olha o lugar dos membros do BF aí, minha gente). Essa relação de exploração só pode ser superada pela luta de classes e pela transformação radical da sociedade. Muitos no rap sabem disso, outros rejeitam essas ideias e afirmam que o rap não pode ser doutrinado pela esquerda.
Conversinha que convence
Sabemos que a dominação não se dá apenas pelo controle econômico e político. A burguesia, ao mesmo tempo em que detém os meios de produção e influencia diretamente o Estado para garantir seus interesses, difunde a ideia de que o Estado está contra ela. Cria a narrativa de que os recursos públicos são desviados para “manter” quem vive de assistência social, como se os pobres fossem privilegiados. A grande massa pobre, perdida entre as dificuldades que criaram pra ela, repete esse argumento. Essa contradição faz parte do mecanismo ideológico que confunde e desmobiliza a classe trabalhadora, desviando o foco da verdadeira origem da exploração.
O rap, com suas tensões internas, reflete, combate, aceita e repete toda essa parada. Das suas origens até sua politização, o canto falado foi um veículo de denúncia contra a exploração, o racismo, a desigualdade e a violência do Estado. Porém, com o avanço do neoliberalismo e a captura cultural pelo mercado, novas formas de rap tomaram a cena, reforçando valores da burguesia como meritocracia, ostentação e a naturalização da exploração. Tudo defendido por seres de um ecossistema formado por marqueteiros, coachs e profetas com exemplos de superação. Ouvir FBC como vacina não é o bastante, mas ouve aí, já pode ser um começo.
A burguesia se mantém no poder controlando o discurso dominante e ao mesmo tempo se colocando como vítima, o artista do rap despolitizado contribui para isso quando ocupa espaço de destaque nas plataformas e na mídia, reproduzindo a lógica da mercadoria. Nesse cenário, a figura do MC deixa de representar parte da coletividade oprimida para se transformar em um empreendedor individual (numa coletividade de empreendedores), exaltando conquistas pessoais, consumo de luxo e a ideia de que “cada um vence por si”. Essa estética reforça a ideologia de que basta esforço individual para superar a desigualdade, ocultando os mecanismos estruturais que perpetuam a exploração.
Do outro lado, persiste o rap comprometido com a crítica social. A cena é a seguinte: quando o trabalhador reconhece sua condição de explorado e se organiza coletivamente, ele questiona e combate a narrativa dominante, resgata o sentido do hip hop enquanto movimento de resistência e propõe alternativas. Mas isso prejudica o lucro das plataformas e big techs. Então deixa, né? Não!
A disputa dentro do rap não é meramente estética e de opinião baseada em informações do Whatsapp. É uma construção profundamente política. O rap ostentação e neoliberal opera como instrumento ideológico que sequer arraha a exploração do homem pelo homem, ao passo que o rap crítico, anticapitalista e antirracista representa a voz que expõe as contradições do capital e tenta manter vivo o potencial transformador do hip hop.
Amém?
Esse papo de “vítima” propagado pela burguesia também encontra respaldo em setores religiosos, especialmente no neopentecostalismo. A teologia da prosperidade reforça a lógica de que o sucesso material é fruto exclusivo do esforço individual e da fé, negando as estruturas de exploração. Já a chamada teoria do domínio, difundida por segmentos neopentecostais, prega a necessidade de ocupar todos os espaços na política, mídia, economia e cultura, num projeto para garantir o poder de uma elite que se diz representante de Deus. Não podemos generalizar, mas será que artistas do rap cristão compactuam com isso?
Essa articulação entre burguesia, neopentecostais e extrema direita se consolida como um bloco ideológico que legitima a desigualdade, alimenta a criminalização da pobreza e impulsiona o ódio. A burguesia financia e se beneficia desse esquema, parte dos neopentecostais oferece a sustentação moral, divina e simbólica, enquanto a extrema direita opera como braço político que implementa medidas concretas de ataque aos direitos trabalhistas, sociais e culturais, num pacto de manutenção do poder que, ao mesmo tempo, reprime a organização popular e coopta a cultura, inclusive o rap.
A luta de classes se reflete por meio do hip hop nas mídias sociais, nos palcos e nas playlists criadas ou não por humanos. Seguimos ouvindo esse vinil: de um lado, o rap é apenas mais uma mercadoria do capitalismo, alinhado à lógica neoliberal que pode diluir conquistas dos trabalhadores e alimentar o discurso da extrema direita. Do outro, ainda segue como ferramenta de conscientização, luta e organização coletiva. Sabemos que tipo de artista está no lado A e é o queridinho da burguesia, mas ele não é nosso verdadeiro inimigo. O alvo é esse grupo burguês que historicamente nos prejudica. Sim, a parada é nós contra eles.


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