#Editorial: O esvaziamento do debate abre espaço para o fascismo
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Existe uma crise de compreensão política que se espalha dentro do universo do Hip Hop. Muitas postagens e comentários nas mídias sociais questionam a associação entre rap e esquerda.Esse tipo de visão revela uma tendência crescente à despolitização, muitas vezes travestida de “crítica neutra”, aquela conversinha de “nem direita, nem esquerda”.
O tempo mostrou a construção do rap brasileiro como forma de resistência e denúncia das opressões estruturais impostas a populações negras e periféricas. Nada disso surgiu em um vácuo. Nossa cultura cresceu como resposta ao racismo, à violência policial, à exclusão econômica e à marginalização cultural, que sempre estiveram mais ligados às consequências das políticas de direita, neoliberais e autoritárias do que a qualquer prática progressista.
A associação entre rap e esquerda não é uma construção artificial. Ela reflete a vivência concreta de comunidades historicamente violentadas.
Quando alguém questiona “quem disse que o rap é de esquerda?”, muitas vezes está, conscientemente ou não, contribuindo para a ideia de que a neutralidade é uma posição segura e madura (“não vai pra grupo não irmão”). Na prática, essa pretensa neutralidade frequentemente abre espaço para discursos reacionários, interpretações religiosas e fundamentalistas que se aproveitam do cansaço político e da desilusão social para avançar com pautas racistas, autoritárias e até mesmo neofascistas.
A despolitização se transforma, nesse contexto, em porta de entrada para o retorno de ideias nazistas. Ao abandonar o compromisso com a crítica ao sistema e com o enfrentamento às injustiças, o campo cultural e artístico que é o hip hop abre espaço para discursos de ódio se infiltrarem sob o pretexto de liberdade de expressão ou “pluralidade de opinião”. Esse movimento é visível nas redes sociais e até em letras de artistas que reproduzem narrativas alinhadas com a extrema direita.
Hip Hop contra o fascismo
Apesar de suas enormes contradições, o Hip Hop, em sua essência, é antinazista. É antirracista. É anticapitalista. Desde suas origens, combateu o controle das elites sobre os corpos, as mentes e os territórios. Portanto, é papel da cultura Hip Hop reagir ativamente ao avanço de ideias autoritárias que se escondem sob o discurso da “desilusão com a política”.
Embora muitos reconheçam que a ideologia da esquerda é mais próxima das pautas sociais, esvaziam o debate ao tratar o engajamento político como um modismo. Isso desmobiliza e desconecta a juventude periférica de processos históricos que envolvem direitos conquistados com muita luta. A crítica não pode se reduzir à performance no estilo dos nossos mais famosos congressistas. É preciso entender que disputar ideologicamente o território da arte é urgente.
Futuro
A luta por moradia, contra o genocídio da juventude negra, pelo direito à cultura e pela dignidade é incompatível com as ideologias de direita, que sempre criminalizaram a pobreza e militarizaram as ações nas periferias.
Isso não significa defender partidos cegamente, nem idolatrar lideranças políticas. Significa reconhecer que, quando a arte se afasta da política, ela se torna vulnerável a retrocessos históricos. E o silêncio diante disso pode custar caro.
Comentários no estilo “nem direita, nem esquerda” não são simples opiniões divergentes. Eles expressam um esvaziamento político que precisa ser enfrentado com seriedade. O Hip Hop não é neutro. A neutralidade serve apenas aos opressores. Em batalhas, palestras, seminários, shows e eventos relacionados ao nosso movimento, sempre afirmamos: quando a cultura se omite, o autoritarismo ocupa o espaço. O bolsonarismo e as ideias golpistas não dão trégua.
Por isso, a gente sempre reafirma o compromisso do rap com a luta social, com a justiça, com a consciência crítica e com o combate ao avanço de ideias fascistas e nazistas que tentam se disfarçar de opinião. Muitos até repetem que o rap é compromisso, mas defendem a suposta neutralidade como arma de mudança social. Um grande erro.
2026 é ano de eleições, não podemos dar mais armas para quem historicamente nos prejudica.


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