ALÉM DE MARÇO | Conheça Turmalina MC, de Campina Grande pro mundo

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Luísa Nunes Mendonça de Lima conhecida como Turmalina MC, é uma jovem paraibana da cidade de Campina Grande. Ela é poetisa, rapper, compositora, artivista e historiadora formada pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Sua trajetória no Rap começa em 2016 e já no ano seguinte lançou suas primeiras faixas com produção de DJ Joh, um dos pioneiros no Rap produzido em Campina Grande.

Com uma trajetória que tem menos de 10 anos ela já conseguiu emplacar participações internacionais e é uma das representantes brasileiras do projeto Barras Maning Arretadas, que promove um intercâmbio musical entre diversos países africanos e latino americanos.

A Paraíba é o berço de artistas grandiosos e geniais como Jackson do Pandeiro, Cassiano e Marinês, a lista é extensa e tem nomes para todas as letras do nosso alfabeto. Com tantos talentos nascidos por lá, a música e a cultura está entre as mais ricas do país e inclusive foi em Campina Grande que aconteceu o 1º Festival de Nacional de Rappers e Repentistas, isso em novembro de 2007. A Equipe do Bocada Forte acompanha há muito tempo a cena paraibana, desde os tempos das trocas de cartas e fanzines com Cassiano Pedra, passando pelo especial com o Projeto Binário no Programa Batida Inversa feito por Totoin, as AfroNordestinas, DJ Guirraiz e até a distribuição da Revista Elementos em Campina Grande por George Marcel/Frequência Zero.

Abaixo você confere a entrevista com essa jovem mulher, consciente da sua força e da responsabilidade da sua música. Em uma cena com tantos artistas fúteis que parecem não ter nenhuma noção da sua responsabilidade, enxergamos na juventude de Turmalina a esperança e a continuidade do Rap que salva e muda vidas coletivamente.

Bocada  Forte: Em qual momento da sua vida você decidiu ser MC?

Turmalina MC: Sempre gostei muito de ouvir Rap, foi algo que esteve presente desde a minha infância, também sempre gostei de escrever texto, poesia, música, sempre me dediquei a isso. Durante o meu curso de graduação em história, pude conhecer o movimento Hip Hop da minha cidade, que até então era desconhecido pra mim.

Foi então que, durante os protestos e manifestações de 2016,  pude ter coragem para recitar o que eu escrevia. A coragem me acompanha até hoje, e foi naquele momento que senti que queria e devia fazer aquilo, o que vai muito além de ouvir. Foi onde eu percebi que eu podia transmitir para as pessoas o que estava acontecendo, então abracei a minha causa, a causa do feminismo negro principalmente, causas antirracistas, antifascistas e democráticas, para além de outros temas. Quando comecei a escrever Rap, em 2016, tinha 20 anos, hoje tenho 25 e continuo nessa batalha, graças a Deus.

http://rapliferadio.com/

Bocada Forte: O aprendizado no curso de história influenciou seu Rap?

Turmalina MC:
O aprendizado no curso de história foi essencial para que eu pudesse ter certeza das minhas causas e como defendê-las. A Cultura Hip Hop tem uma relação gigantesca com a formação da população negra nas Américas. Poder compreender a história do Brasil e da Paraíba a partir da vertente histórica me possibilita colocar na letra de Rap a história como ela aconteceu, de acordo com vestígios, provas, referências. Através do curso, pude ter uma base de conhecimento sólida. Através da música, tenho como passar o conhecimento adquirido adiante.

Bocada Forte: No passado, em seu Rap, o grupo Costa a Costa afirmou que o Nordeste é o gueto do gueto. Houve algum avanço nessa questão? Há valorização dos artistas do seu estado?

Turmalina MC: Acredito que houve sim. Houve  avanço em relação à valorização do Rap nordestino em âmbito nacional, apesar de eu ainda querer ver mais mulheres nordestinas ocupando mais ainda esse lugar. Com relação ao estado da Paraíba, uma artista que tem se destacado nos últimos anos é Bixarte, isso me dá um orgulho imenso. Outras mulheres paraibanas, a exemplo de MC Hirlla (João Pessoa), Lay Luz MC (Campina Grande) , Raah MC (Campina Grande) Pivetinha (Campina Grande ), Ju Terto (João Pessoa), dentre tantas outras irmãs de cena incríveis que continuam atuando na comunidade Hip Hop da Paraíba buscando um destaque. O Rap paraibano tem muito a oferecer, o movimento acontece todos os dias. A própria sobrevivência dos artistas através do Hip Hop é parte da consequência dessa escolha.

Bocada Forte: Fale um pouco sobre seus trabalhos lançados e o doc que fez.

Turmalina MC: Minhas primeiras músicas (“Nós por nós”, “Nervos de Aço”, “Sorriso Monalisa”, “País Tropikaos” e “Defeito colateral”) foram lançadas pela 189 Records, estúdio dirigido por DJ Jóh, vulgo do artista Thiago Alcântara. Lá foi onde dei meus primeiros passos como artista. Posteriormente, em 2020 gravei outros sons em outras gravadoras de forma remota, já no momento da pandemia de covid-19. Foi então que conheci Carlos Mossoró e César Hostil que me apresentaram o projeto Barras Maning Arretadas, o qual faço parte até hoje.

Lançamos uma Cypher, intitulada “Plano de Fuga”, com artistas de Moçambique, Angola e Brasil, sendo eu a única mulher presente, representando a Paraíba, o que foi uma honra. Em 2020, iniciei uma série de lives através da plataforma Instagram, tendo como intuito entrevistar artistas de Hip Hop da Paraíba.

Com o passar do tempo, as lives foram abrangendo outros artistas, e no ano de 2021, através desse projeto, pude entrevistar pioneiros do Rap brasileiro, a exemplo de Sharylaine, DJ Raffa Santoro e Marcello Gugu. Ainda em 2020, com o beatmaker Cesar Hostil, iniciei as gravações do meu primeiro EP: ‘O Grito’. Lançamos a música que dá o nome ao EP com participação da poetisa Jéssica Preta, o que foi uma grande satisfação. Esse EP irá ser lançado esse ano (2022) e conta com 5 músicas.

Em 2021, lancei minha mini biografia: “De repente, o RAP: uma mini biografia de MC Turmalina”, em parceria com o DJ Jóh. Esse projeto tinha como objetivo ser aprovado em um dos editais da lei Aldir Blanc Paraíba, onde pediam uma mini biografia com roteiro disponibilizado para concorrer a um prêmio. Infelizmente, não foi possível essa aprovação, mas decidimos publicar mesmo assim. Nesse vídeo, eu rimo sobre a minha história. Toda a parte do roteiro pedido pelo edital, decidi colocar em Rap, já que essa é minha arte. Assim, eu conto um pouco da minha vida, desde a infância até o encontro com o Rap, como me tornei artista, as dificuldades, os desafios, dentre outros temas. O vídeo está disponível no canal da 189 Records, no YouTube.

Bocada Forte: Você acha que as mulheres estão rompendo a barreira do preconceito e do machismo na cena Rap?

Turmalina MC: Sem dúvidas. As mulheres têm agarrado com unhas e dentes o direito de poder ocupar esses lugares. Eu, por exemplo, estou aqui hoje porque outras mulheres lutaram para que elas e eu pudéssemos estar no Hip Hop, na política, no direito, fortalecendo umas às outras, afinal, sempre foi e sempre vai ser nós por nós. Acredito que ainda não atingimos a igualdade, de fato, afinal, é toda uma sociedade machista a ser cada vez mais destruída e desconstruída, mas estamos no caminho.

Bocada Forte: Muitas rappers reclamam que são procuradas muitas vezes  para falar de questões sobre machismo e feminicídio e que sua arte é colocada em segundo plano. O que acha desse fato?

Turmalina MC: Concordo com essa questão. Assim como também, no dia da Consciência Negra, somos chamados para falar apenas sobre racismo, sobre a violência contra o negro, o que é algo imprescindível, mas não é só isso que temos a dizer. As MCs tem toda uma trajetória artística que vai além da violência que se sofre: é também sobre alegria, sobre afeto, sobre a forma de sobreviver, sobre toda uma luta que também deve ser enaltecida, principalmente em se falando do mês da mulher. É algo que as poetisas Lama e Bixarte colocam em pauta: com relação à sobrevivência trans, existem outras questões além da violência que devem ser debatidas, a arte é uma delas, uma das principais, inclusive.

Bocada Forte: Continuando no assunto, a rapper Jean grae também comentou sobre essa parada no passado:

“Nós não podemos discutir a arte real. Falar sobre habilidade técnica 99% da conversa e como é ser uma MC. Isso me deixa terrivelmente deprimida. Toda a sua vida como artista é ignorada. Não importa o quanto você trabalhe no seu ofício, você nunca poderá discutir isso. Não importa o quanto você force limites artísticos, não vale nada. Muito triste.”

Você concorda que com os homens isso não acontece?

Turmalina MC: Jean foi cirúrgica nessa fala. Eu gostaria muito de poder ter oportunidades de falar sobre mim como artista, mas geralmente isso fica para o final do debate, que quase sempre gera em torno do quão ruim é ser mulher. Coisas que a gente já sofre tanto por experienciar. As nossas dores, muitas vezes, são a principal e mais importante pauta, nossa arte, não.

Em meu ponto de vista, são as nossas dores que se transformam em arte. A arte transforma nossa dor, muitas vezes, e por isso, escrevemos, por isso, rimamos. Esse questionamento nos faz pensar no por que tantas mulheres desistem dessa profissão. A arte transforma nossa dor.* E vejo que isso acontece geralmente com mulheres, pessoas trans, homossexuais, mas com homens héteros, geralmente não, exceto quando é um homem negro, então a pauta passa a ser o racismo. Mas enfim, são pautas extremamente relevantes e a arte é o que as torna mais fortes (e o que nos torna fortes também).

Bocada Forte: Pra fechar. Acredita que a situação política do país pode mudar com as eleições deste ano?

Turmalina MC: Estou na expectativa de que sim. É claro que as mudanças feitas pelo atual presidente serão extremamente difíceis de reverter. Quem pegar a presidência terá um trabalho difícil e nós, como população, vamos sentir isso, mais do que já estamos sentindo. Mas qualquer expectativa de futuro que não seja essa que estamos vivendo no momento, é válida. Então, acredito que haja uma mudança, especialmente por parte da população que foi afetada.

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