Opinião | A mídia alternativa é minha raiz

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Uma página do zine digitalizada, esse desenho é do Grafiteiro Tota

No dia 13 de maio de 2021 esse site que você está acessando e lendo esse texto, completou 22 anos de existência nesse mesmo endereço. Comecei a escrever aqui em 2000, antes fazia isso em fanzines, enviava por correio e era uma intensa troca de cartas com o Brasil inteiro. Até 2004 mantive essa troca de cartas, pois muitas pessoas que eu mantinha contato ainda não tinham acesso a internet, principalmente os irmãozinhos que estavam privados da liberdade.

Acompanhei o surgimento de todos os grandes veículos de comunicação especializados na Cultura Hip Hop, principalmente os alternativos. Antes da internet todos eram impressos, o primeiro deles foi a Revista Pode Crê!, referência máxima quando o assunto é a mídia do Hip Hop. A Pode Crê! foi o pontapé inicial da mídia alternativa especializada em Hip Hop e cultura preta em geral. Ela trazia entrevistas, lançamentos de discos, textos de opinião, história de personalidades pretas, abordava as religiões de matriz africana, falava de samba, moda, cuidados com a beleza de homens e mulheres pretas, saúde, festas, era completa.

O Bocada Forte é o único veículo de comunicação especializado na Cultura Hip Hop que se manteve ativo por 22 anos. Da minha parte atribuo essa resistência na inspiração que tenho em todos que vieram antes de nós e até alguns que surgiram juntos, não apenas a Pode Crê!, mas também todos que faziam fanzines, e as Revistas Agito Geral, Epidemia, Fiz Graffiti, SB, Posse, Arte nas Ruas, Hintervenção Urbana (com H mesmo, mídia alternativa ué), Jornal Estação Hip Hop, etc. Guardo com muito carinho todas essas publicações e também os fanzines, que são muitos, centenas.

Resolvi escrever sobre isso pra registrar algo que acredito que nunca escrevi. Entre todas essas referências e inspirações para seguir esse caminho, seguir na contra mão, tem uma que é muito importante, a Equipe de Imprensa Alternativa Oro Onijá. Formada por três mulheres, verdadeiras GUERREIRAS DA PALAVRA, em ordem alfabética: Alê, Mara e Val. Cada uma tinha o seu fanzine, o da Alê era o Questão de Consciência, o da Mara era o Hip Hop e Cidadania e o da Val era o Letras Periféricas. Depois delas começarem essa caminhada com os zines e espalharem conhecimento pra todo país, elas começaram a fazer Rap também. A Mara eu sei que fez parte de outros grupos, mas juntas elas formavam o Culturalmentes, até cantaram em um dos eventos do Bocada Forte lá no Jardim Monte Azul (zona sul de SP), o Hip Hop no Monte.

Talvez elas nem saibam disso, dessa importância, mas vou dar um jeito desse texto chegar pra elas, dá até pra mandar carta se o endereço ainda for o mesmo, pois tenho aqui os zines, as cartas, os envelopes e até selo pra carta social (hahahahahah). O trampo delas ainda repercute na minha caminhada alternativa, sem se importar com visualizações, curtidas e todos esses números ilusórios e doentios de redes comandadas por milionários e seus algoritmos.

Números esses que tem feito com que alguns sites e blogs utilizem o termo ‘alternativo’ sem serem alternativos e pior, com a intenção de serem iguais aos veículos de grandes corporações ou pelo menos parecer com eles e ainda reproduzirem as mesmas práticas. Não há mal nenhum em querer ser ou parecer, mas sim o uso do termo ‘alternativo’, que não condiz com o conteúdo e a abordagem. Talvez eles ‘estejam’ alternativos em alguns momentos, sendo assim, estar e parecer é bem diferente de ser.

Eu pretendo trazer pro Bocada mais informações sobre esses fanzines e todas essas mídias alternativas que me serviram de referência. Tem mais um trampo que preciso registrar, também de uma mulher, mas vai ficar pra um próximo texto. A propósito, é muito importante ressaltar a importância das mulheres na raiz da mídia especializada em Hip Hop, a Revista Pode Crê! foi produzida e gestada graças ao Geledés – Instituto da Mulher Negra, que também foi responsável pelo Projeto Rappers.

Capa de um dos zines, desenhos por Xandão Cruz

Há poucos dias, conversei com Bispo SB no Insta da Rádio Mixtura e descobri mais uma curiosidade envolvendo uma mulher na criação de outra mídia alternativa, a Revista SB. Bispo me contou que foi da B.Girl Any a ideia de criar a Revista, que antes foi Fanzine também.

Ser alternativo, entre outras coisas, é seguir na contramão, é ter cuidado para não dar legitimidade a falsos discursos, falsos representantes da Cultura Hip Hop. Artistas que se disfarçam de militantes e ativistas para ‘surfar na onda da moda’ em busca de números nas redes e plataformas.

Meus sinceros agradecimentos à todas as pessoas que faziam fanzines e que inspiraram a criação dos nossos próprios veículos de comunicação. Essa é a minha raiz, não sou jornalista, não tenho nenhuma formação acadêmica e graças a criação dos nossos próprios veículos me tornei um dos editores do Bocada Forte. Ninguém aqui me pediu currículo, diploma, tese, T.C.C, nem o tal do “curso superior”, prevaleceu a vivência e o conhecimento que a rua proporcionou. Vida longa ao Bocada Forte e à todas as mídias alternativas que optaram por esse caminho sem ter a intenção de se tornar mídia convencional e sequer parecer ou ser confundida com ela.

BF 22 anos, desde 1999 no mesmo endereço!

3 COMENTÁRIOS

  1. Olarrr !
    Passando pra agradecer as boas lembranças
    Tenho isso tomado por CARINHO 🍃

    Obs.: os desenhos das nossas capas foram feitas pelo Xandão sim, e o outro desenho pelo Tota grafiteiro. Esses caras ícones da Cultura Hip Hop

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