Inteligência artificial, rap e a perfeição imposta
ESPALHA --->
Sempre converso com meus manos do rap, do hip hop e do site Bocada Forte sobre tecnologia. No tempo da inteligência artificial fazendo rima, batida, clipe, roteiro e até voz, uma pergunta atravessa o bagulho: onde está o humano nessa parada toda?
Além de editar o BF, também sou beatmaker e sempre procuro fazer algo livre pra me sentir bem comigo mesmo, sem criar expectativas, mas colocando o que quero acima da estética imposta pelo hype e por toda essa discussão sobre IA. Não é romantismo, nem complexo de guardinha reacionário, afinal, não dito regra nenhuma.
Foi no Forbes Talks que a cantora britânica Natasha Bedingfield lançou uma ideia que vale mais do que qualquer algoritmo. Pra ela, a real é que a música feita por gente de carne, osso e sentimento vai ter que ser mais crua, mais falha e mais verdadeira. Porque se a IA já manda bem no pop redondinho, o trunfo de quem é de verdade é exatamente o que não cabe na perfeição da máquina: erro, timbre rachado, emoção fora do tom, o chiado, o arranhão que irrita, mas aquece a alma.
De acordo com a conversa, a arte humana precisa parar de tentar imitar a máquina e começar a ser o que a máquina nunca vai ser. Imperfeita, emocional, imprevisível. Num mundo onde a IA aprende e repete padrões com eficiência, a diferença real passa a ser aquilo que escapa do padrão. É aí que a arte pode sobreviver.
Frankenbytes
Natasha citou a artista Imogen Heap, que desde os anos 2000 vem levantando alertas sobre tecnologia e controle criativo. Ela denuncia o uso não autorizado de vozes humanas em músicas criadas por IA, os chamados “Frankenbytes”. São produções feitas com pedaços de vozes clonadas, editadas, transformadas em sons que soam humanos, mas não têm alma nem permissão.
Imogen defende que os artistas registrem suas vozes, controlem seus dados, conheçam os limites éticos do que criam. Mais do que reclamar da IA, ela aponta para a necessidade de organização, de autonomia técnica e política.
Rap
Esse discurso também exige autocrítica no hip hop. Porque boa parte da música feita hoje, incluindo o rap, já segue os comandos invisíveis da lógica algorítmica: a busca por visibilidade nos streamings, os beats formatados para playlists, as letras calculadas para viralizar em vídeo curto. Como discutimos em vários artigos aqui no BF (você é um ser abençoado se já leu algum), a imposição não é só estética, é econômica.
Se a IA já imita estilos com perfeição, o mercado ajuda nessa padronização. O rap, mesmo com toda sua história de invenção, também vem cedendo à lógica da fórmula mágica da “paz”.
É preciso reconhecer as contradições. Não dá pra romantizar o rap como se fosse uma arte pura, fora do mercado. Ele também é atravessado por interesses, pressões, métricas.
A gente sabe que, muitas vezes, o que chega no topo não é o mais criativo, é o mais adaptado ao que o algoritmo quer.



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