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#Editorial: Análise política não é torcida

#Editorial: Análise política não é torcida

ESPALHA --->

No programa Domingo na Fórum, transmitido no dia 3 de agosto de 2025, a conversa entre Anderson Moraes (Jornal Empoderado), Clodoaldo Arruda rapper do grupo Resumo do Jazz e filósofo,  e o ativista Hector foi um retrato realista de um setor da militância que busca encontrar um caminho para reconstruir o campo popular, desgastado após anos de ofensiva bolsonarista e diante do novo cenário internacional com a volta de Donald Trump à presidência dos EUA.

A provocação que abriu o programa era simples: não estamos debatendo ideias ou projetos de país com a extrema direita, mas lutando para garantir o mínimo de sanidade democrática. Para Clodoaldo, é impossível falar em política com figuras como Carla Zambelli, Nikolas Ferreira ou Damares Alves, porque não se trata de atores com projetos, mas de comunicadores de pânico moral. O foco não está em legislar, mas em gerar barulho, distrações e fake news. Enquanto a extrema direita pauta o debate público com desinformação, a esquerda segue hesitante em comunicar suas bandeiras.

Hector, estudante de Direito da PUC-SP, militante da União Estadual dos Estudantes (UEE-SP) e da União da Juventude Socialista (UJS), trouxe o contraponto com otimismo fundamentado na organização de base. Ele destacou a mobilização estudantil como motor de transformação. Relembrou a campanha de alistamento eleitoral de 2022, que foi decisiva para a vitória de Lula, e projetou novas agendas: o Encontro Nacional de Jovens Comunicadores, promovido pelo Barão de Itararé (23 e 24 de agosto), e o Congresso da UEE-SP, que acontecerá na Unicamp. Para Hector, disputar as redes, os territórios e os afetos é essencial para a reconstrução democrática e popular. Mas para isso, é preciso ter o que dizer.

Essa última afirmação conecta-se diretamente ao núcleo mais sensível do debate. Clodoaldo foi enfático ao afirmar que a esquerda sofre não apenas de um problema de comunicação, mas de falta de conteúdo a ser comunicado. Ao abandonar bandeiras históricas como a redução da jornada de trabalho, a desmilitarização da polícia e a luta antirracista, muitos setores progressistas passaram a apostar no que chamou de “excesso de conciliação”. Anderson citou o exemplo da deputada Erika Hilton, que colocou a pauta do fim da escala 6×1 em circulação nacional mesmo sem o apoio declarado do governo federal. Segundo Clodoaldo, “a comunicação só funciona quando há algo concreto para comunicar”.

A fala gerou algumas reações nos comentários da live. Parte do público interpretou o tom crítico como “negativo demais”. Anderson respondeu lembrando que o próprio presidente Lula declarou que prefere quem o critica com honestidade do que quem apenas o aplaude por lealdade cega. 

UM OLHAR PARA 2026

No Bocada Forte, sabemos que análise política não é torcida. É compromisso com a transformação da realidade, não com o conforto emocional de bolhas ideológicas.

No cenário político brasileiro e internacional, a ascensão da extrema direita impõe desafios concretos aos setores progressistas. Diante desse quadro, é comum encontrar quem prefira vestir a análise com um verniz de otimismo, como se encarar a realidade de frente significasse “dar munição ao inimigo”. Mas confundir análise crítica com negativismo é, na prática, uma forma de blindar a esquerda de suas próprias falhas. O efeito disso é paralisante. Se toda crítica interna for vista como traição, resta apenas o autoengano.

Parte da militância passou a agir como torcida organizada, onde discordância é tratada como deslealdade. Essa lógica, alimentada pelas redes sociais e seus algoritmos, é veneno para a luta política real. A crítica de esquerda, radical, comprometida com a justiça social, com o feminismo, com a luta antirracista e com o enfrentamento ao neoliberalismo, precisa ser fortalecida, não abafada por slogans de otimismo compulsório. Não se trata de cair em estéticas do fracasso, mas de reconhecer falhas estratégicas, erros políticos e insuficiências organizativas como parte da construção.

A extrema direita insiste em dizer que o povo brasileiro aceita e apoia seus ideais. O hip hop combatente, anticapitalista e antirracista não pode ficar fora dessa luta contra essa rede políticos, religiosos, donos de grandes veículos de comunicação, plataformas e mídias sociais. É uma luta dura, mas nossa cultura de rua sempre desenvolveu formas de resistir, avançar e mostrar a realidade política para os mais pobres que, enganados pelos fascistas, continuam votando contra os interesses de seus iguais nas periferias. Mano Brown, entre outros artistas do rap, manifestou sua preocupação num passado recente.

Ao confundir análise com torcida, muitos acabam blindando alianças oportunistas, pactos que mantêm privilégios de classe e políticas públicas que perpetuam o racismo institucional. A luta contra o fascismo não será vencida com marketing político nem com palavras de ordem vazias. Ela exige estratégia de longo prazo, formação crítica e escuta ativa das  bases.

A juventude organizada, como exemplificam Hector e tantos outros, tem clareza sobre isso. A mobilização contra o tarifaço de Trump, o enfrentamento da agenda de partidos que seguem protegendo o bolsonarismo, a retomada do projeto de país centrado na soberania nacional e na vida digna são sinais de que há um caminho possível. Mas esse caminho exige que a esquerda pare de tratar a crítica interna como ameaça e comece a compreendê-la como parte fundamental de qualquer transformação séria.

A corrida eleitoral segue em meio ao cenário de farsas criadas por quem quer apenas o voto do povo pobre. 2026 está logo ali, valorizar quem olha a realidade de frente é o primeiro passo para a mudança.

 

1 comentário

comments user

Muito importante mais uma vez! Obrigada bocada,!!