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O que ouvimos em 2025: ‘Bloco na Rua’, Dário Inerente fala sobre seu primeiro álbum

O que ouvimos em 2025: ‘Bloco na Rua’, Dário Inerente fala sobre seu primeiro álbum

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Fotos: Augusto Santos @methdo_av (Divulgação)

Direto de Itabuna, na Bahia, o rapper, beatmaker, produtor e MC Dário Inerente lança seu primeiro álbum de estúdio, Bloco na Rua. Com produção majoritariamente própria, o disco chega após três anos de desenvolvimento e reúne referências que vão do rap alternativo ao jazz e à música brasileira.

Em entrevista concedida ao Bocada Forte, Dário fala sobre o processo de criação do álbum, suas parcerias com Barba Negra e Davi Nadier, entre outros, os desafios da cena independente na Bahia, e o significado do nome “Inerente” em sua trajetória artística. Ele também comenta os próximos passos do projeto, como videoclipes, shows e um possível documentário.

“Bloco na Rua é Sérgio Sampaio mesmo, não tem pra onde correr, né? rs. Mas quando fiz a faixa Bloco na Rua no ano de 2022, eu nem pensava muito nisso. Só vivia dizendo pros amigos: “Mano, preciso pôr meu bloco na rua, botar minhas coisas na pista.” Virou meio que uma frase nossa mesmo. Um domínio popular.

“Daí fiz a faixa com esse refrão e esse nome. Foi a primeira faixa do disco. E, tempos depois, ouvindo, eu gostei tanto que senti que esse era o nome pra obra. O resto das músicas foi girando tudo ao redor dessa textura sonora e lírica. Naturalmente mesmo, foi fluindo. Não acho que o som necessariamente tem a ver com a obra do Sérgio Sampaio”, afirma o MC.

BlocoNaRua-55 O que ouvimos em 2025: 'Bloco na Rua', Dário Inerente fala sobre seu primeiro álbum

Confira a entrevista completa:

 

BF: Seu novo álbum Bloco na Rua foi lançado oficialmente em 1º de agosto. Pode nos contar como foi o processo de escolha dessa data?

Dário Inerente: Bloco na Rua é o meu primeiro álbum de estúdio e a gente veio trabalhando nele por mais ou menos três anos. No fim de julho a gente já tava com a master na mão, daí conversando com meu amigo Júlio, do QG do Horizonte (que fez a produção executiva do projeto), ele propôs soltar no dia 1º de agosto. Não foi nada especial ou simbólico, não. Apenas tínhamos o disco na mão e uma ansiedade de pôr na rua, rs.

BF: A Todo Vapor é o primeiro single oficial do disco? Qual foi a inspiração para essa faixa e o que o significado do nome “Inerente” representa em sua identidade artística?

Dário Inerente: A gente lançou Abre Alas/O chão que me fez em fevereiro, um single duplo produzido por Barba Negra que serviu pra abrir caminhos e me preparar um pouco pra esse momento. Abre Alas inclusive é uma das faixas do álbum. E foi muito louco a forma como ela foi recebida. Fiz conexões com algumas pessoas com quem tenho falado agora, como o Mattenie e outros amigos do rap.

A Todo Vapor veio pra firmar isso, eu acho. Avisar que o álbum tava vindo e me apresentar um pouco mais pras pessoas. Algo totalmente intuitivo: batida e rima minhas, direção de vídeo minha (com a assistência do meu amigo Augusto Santos) e foi assim que a gente desenrolou. Fez um barulho legal aqui na cidade, alguns amigos do rap viram também… o DJ Marco compartilhou e a faixa chegou no Xis. Fiquei de cara. O Xis é um dos meus professores nessa cultura. Me senti muito feliz em conversar com ele e ele ter aprovado o trabalho. Não que a gente precise de aprovação. Mas é da hora ouvir dos nossos mais velhos que estamos no caminho certo.

Já o nome “Inerente” eu carrego faz alguns anos, acho que desde 2018. Não foi nada muito simbólico, não. Eu gostava de palavras desse tipo, com significados e tal… e precisava de um nome pras batalhas de rima que eu participava. Então foi assim que surgiu. Mas hoje vejo que “Inerente” pode ir além. Talvez seja a representação de mais de uma pessoa, igual Bloco na Rua. Já que, na verdade, eu nunca tô falando só por mim quando faço rap, né? Pelo menos penso assim. Mas também não gosto muito de ficar levando pra esse misticismo, não. Acho que é só uma palavra mesmo. Mas sou eu, saca? Não é como se fosse meu “eu artista”. Eu pessoa e eu artista é a mesma coisa.

BF: A música A Todo Vapor foi lançada há cerca de dois meses. Quais foram as reações que mais te surpreenderam dos ouvintes até agora?

Dário Inerente: Foi muito da hora esse trabalho porque chamou uma galera aqui da cidade pra prestar mais atenção no que a gente pode fazer. Uma rapa abraçou a ideia. Inclusive fiz uma apresentação no mesmo dia que saiu a faixa, e a galera já cantou o refrão.

Fiquei muito entusiasmado quando o DJ Marco compartilhou a faixa também, como eu disse. E daí a música chegou no Xis. Isso pra mim é uma coisa que vou lembrar sempre e ter esse orgulho.

BF: Você  trabalhou com artistas como Davi Nadier e Barba Negra neste álbum. Como foi a dinâmica artística com cada um deles?

Dário Inerente: Muito especial ter esses caras no meu disco. O Barba é um professor. A gente já conversa faz uns quatro anos, eu acho… Fizemos o single Lampião em 2022. Na mesma época, eu fiquei com o loop da faixa O chão que me fez, mas antes disso a gente já trocava algumas ideias pelo Facebook. Eu sempre mandava mensagem, rs. E ele sempre dava uma atenção. Até que se interessou pelo que eu tava mostrando pra ele também.

Então, como a gente já tinha um papo da hora, tudo fluiu de forma muito natural. Ele me deu possibilidade de vários loops e eu escolhi os que mais me agradavam. Sempre ouvindo os conselhos dele, as ideias, a orientação como MC e produtor. Assim fizemos as faixas dele no álbum. Acho que eu e o Barba temos uma conexão maneira. Penso que ele acha isso também.

Já o Davzera é algo mais recente. Sempre fui fã e acompanhei as obras dele. No ano passado começamos a conversar, ele tava fazendo o disco Profundhi e eu mandei umas batidas. Ele curtiu, ficou com uma base que fiz e daí acabei assinando a faixa MAPEOPLE. Desde então viramos amigos. Falei que tava fazendo um disco e apresentei a faixa pra ele. Já tinha gravado minha voz e tudo, perguntei o que ele achou e se não colaria nela. Ele curtiu e gravou depois de algumas semanas. Foi bem legal isso. O único feat do álbum ser de alguém da Bahia também, e principalmente de um artista que já admiro e acompanho faz muito tempo. Vira e mexe a gente se fala e temos interesse em fazer mais coisas juntos, talvez um EP.

BF: Como você percebe sua evolução musical e criativa em relação ao álbum anterior?

Dário Inerente: Bloco na Rua é meu primeiro disco oficial. Embora eu tenha trabalhos anteriores, né… alguns singles e a mixtape Eterna Odisseia, de 2020. Eu era bem novo, não tinha tanto cuidado, embora sempre quisesse fazer coisas grandes. Daí, nos últimos cinco anos, comecei a me organizar pra fazer o disco. Foi louco isso: começar a gravar pra valer, cuidar da parte de mix/master, uma coisa que a mixtape não tinha. As vozes eram todas cruas…

Sinto que amadureci muito e, com esse meu primeiro disco, eu agora me vejo como alguém que sabe trabalhar de forma mais séria, profissional, por assim dizer. Esse trabalho vem pra fincar isso, eu acho. Mas também, no fim das contas, eu só quero fazer arte, samplear, escrever o que penso. Depois é que penso em como “cuidar” ou lançar isso que fiz. Aprendi muito com o Barba, o Neto, meu amigo Augusto também, entre vários outros que me deram mais base nessa parada toda. Mas também fiz muita coisa seguindo a intuição e meu gosto pessoal. Pra mim, o que interessa é isso: fazer o que eu quero, ou o que meu coração diz pra fazer.

BF: O título Bloco na Rua sugere uma relação com Sérgio Sampaio e manifestações coletivas. Como essa ideia te inspira musicalmente?

Dário Inerente: Bloco na Rua é Sérgio Sampaio mesmo, não tem pra onde correr, né? rs. Mas quando fiz a faixa Bloco na Rua no ano de 2022, eu nem pensava muito nisso. Só vivia dizendo pros amigos: “Mano, preciso pôr meu bloco na rua, botar minhas coisas na pista.” Virou meio que uma frase nossa mesmo. Um domínio popular.

Daí fiz a faixa com esse refrão e esse nome. Foi a primeira faixa do disco. E, tempos depois, ouvindo, eu gostei tanto que senti que esse era o nome pra obra. Daí o resto das músicas foi girando tudo ao redor dessa textura sonora e lírica. Naturalmente mesmo, foi fluindo. Não acho que o som necessariamente tem a ver com a obra do Sérgio Sampaio.

 

Contra-Capa-_-Album-Bloco-na-Rua-_-FINAL-3.jpg O que ouvimos em 2025: 'Bloco na Rua', Dário Inerente fala sobre seu primeiro álbum

BF: Em suas redes sociais, você convida o público para a audição/apresentação do disco. Como foi o formato desse evento e o que esperava dos fãs nesse momento?

Dário Inerente: Nossa, mano… o pré-lançamento foi muito louco. Colou muita gente, até minha família tava: minha mãe, irmão, pá… e minha família da rua também. Todo mundo vibrando e entendendo a proposta do disco. Foi muito da hora. Nahraujo fez um set foda, tocou vários raps e depois eu apresentei o formato de show do disco. Acho que o Hip-Hop aconteceu nesse dia. A gente é meio carente desse tipo de festa/evento aqui. Então foi algo muito forte pra nós, emocionante mesmo.

Filmamos tudo, desde ensaios, apresentação, até outros momentos. Vamos ver o que fazer com esse material. Talvez um documentário, não sei. A gente tem a cobertura do show também, então vamos ver.

BF: Quais são os temas centrais que o álbum Bloco na Rua aborda e como eles se conectam ao seu cotidiano artístico?

Dário Inerente: Acho que tem a ver com nosso universo aqui, sabe? Sul da Bahia, terra do cacau, Itabuna, Ilhéus… esse corre de centro, rua, praia, skate. Foi nisso que me formei. Nossa cultura aqui é muito isso. Daí juntei essa coisa com minhas referências de jazz e música brasileira, e o álbum foi pegando essa textura.

Mas eu ouço muito rap também, principalmente alternativo, e o rap de NY. Daí eu queria umas batidas nessa pegada. Fui fazendo minhas bases e procurando gente que tinha a ver. Foi a maior onda. Foi difícil e recebi vários “nãos”, mas no final encontrei as pessoas certas.

Aqui no litoral sul da Bahia há uma negligência muito grande em relação à cena artística. Sei lá. Tem muita gente que finge não ver a gente. Tem muita gente que nem vê mesmo. Então o álbum tem essa narrativa de revolta também, de querer aparecer, não sei explicar ao certo. Eu vejo que a Bahia ainda é muito excluída do resto do Brasil quando se trata de rap. Mesmo a gente tendo MCs, produtores e DJs muito bons e até mesmo melhores que dos outros estados. Eu poderia falar disso durante muito tempo, mas também não sei se vale a pena.

De qualquer forma, acho que o álbum em si é uma grande arte da colagem. Vários níveis de sentimentos e narrativas. Um mosaico de tudo que aprendi por aí, nas batalhas de rima, no skate, estudando a cultura Hip-Hop… é uma mistura do que gosto com o que eu vejo. Das ruas com as praias, da noite com o dia. É o calor da Bahia e o frio de junho. Todas essas várias camadas do que eu vivo com o que sinto. Como diz o Parteum: “grandioso evento de pesquisa e individualidade”. Bloco na Rua pra mim é isso.

BF: Em termos de produção musical e parcerias de beat, quais foram os principais desafios e aprendizados no estúdio?

Dário Inerente: Foi meio difícil chegar no resultado que eu queria. Eu sou muito perfeccionista e tinha poucos recursos também, mas foi fluindo aos poucos. Muitas noites em claro, com certeza, mas ajudaram a desenvolver esse meu lado de produtor.

Produzi 8 de 13 faixas do meu disco. Tudo em casa mesmo, no FruityLoops (FL Studio). Um fone de ouvido, uma caixa de som (às vezes) e muita vontade de fazer. Acho que é o suficiente também. É meu método há alguns anos já e eu gosto de fazer assim. Mas futuramente penso em comprar alguma máquina pra produzir também. E ter mais equipamentos, talvez.

Já os amigos que somaram no disco, foi algo bem rápido até. Na hora que ouvi as batidas, já senti que era aquilo. Os caras são fodas, é muito da hora ter eles acreditando nesse disco junto comigo.

O Neto mesmo, a gente vinha se falando por alguns anos. Ele sempre deu atenção pra mim, via Instagram e WhatsApp. Eu já mandava coisas que eu fazia. Beats, guias… E em determinado momento ele já sabia do disco que eu tava fazendo, e eu já tinha perguntado se ele tinha algum beat pra jogo. Até que no ano passado, quando eu já tava gravando o álbum, ele me mandou umas 10 bases e perguntou: “ainda dá tempo?”, rs. Curti muito a que escolhi, meio suja, meio funk, sei lá. Escrevi no outro dia pela manhã. Ele falou que ficou de “coração partido” porque eu peguei o beat mais “estranho”. Mas nossa cara é essa aí. Ouvindo Madlib a vida inteira, não tinha como ser diferente, rs.

BF: Como você equilibra suas atividades como produtor de beats e MC no dia a dia criativo e profissional?

Dário Inerente: Não sei dizer ao certo. Às vezes passo um mês sem escrever e mais de uma semana sem fazer beat. Mas geralmente ouço música todo dia, já com a intenção de achar sample também. Às vezes produzo todo dia. É bem relativo, depende da fase que eu tô. Em geral, eu produzo mais do que escrevo. Mas sempre que paro pra escrever, faço muito rápido. Sinto que eu acumulo os assuntos do dia a dia e desabafo ali. Por isso é sempre tão certeiro quando paro pra escrever.

Às vezes as correrias não ajudam muito também, mas eu tô sempre tentando fazer alguma coisa: ouvir, assistir, conversar. Buscando inspiração mesmo. Mas é um processo natural. Não é necessariamente pensando em fazer música. É que eu geralmente sempre tô brisando nas coisas e sempre pesquisando ou tentando descobrir música nova.

BF: Após o lançamento, quais os planos para Bloco na Rua? Shows, videoclipe ou ações específicas ainda estão definidos?

Dário Inerente: Pra ser sincero, temos vários planos, mano. Algumas coisas já estão na bala pra serem feitas, tipo o clipe da faixa Atento e Forte. A gente aprovou num edital aqui da cidade, a Lei Paulo Gustavo. Então, em breve, vamos fazer e soltar o clipe dessa faixa. Inclusive, a contrapartida desse projeto foi a exibição/apresentação pública do disco, que fizemos no dia 26 de julho.

Fora isso, também pretendemos fazer camisetas do álbum, show de lançamento, documentário… A gente tem bastante material. Muito vídeo, muita foto. Mas o principal é isso aí: trabalhar bastante o álbum, fazer alguns clipes e talvez esse documentário. Vamos ver como as coisas vão correr.

OUÇA

Jair dos Santos (Cortecertu) passou a fazer parte da Equipe do Bocada Forte em 2001 como colaborador e rapidamente se tornou um dos editores e principal criador de conteúdo. É pesquisador, DJ, compositor, beatmaker e ex-instrutor da Associação Amigos da Molecada da Vila Santa Catarina (bairro da zona sul de São Paulo). Trabalhou na pesquisa de imagem e de texto no DVD "1000 trutas, 1000 tretas", do grupo Racionais MC. Foi colunista do jornal Brasil de Fato e pesquisador iconográfico para a revista Caros Amigos, no livro Hip Hop Brasil. Colaborador da Revista 451. Foi coordenador da digitalização do acervo do Banco de Dados da Folha de Paulo.