Yannick Hara canta entre o delírio e a mudança possível
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Fotos: Divulgação
Yannick Hara segue na batida anti-pop cortante do rap político. Já tem um tempo que o artista caminha nos becos da estética insurgente do Cinema Novo. O rap de Hara incomoda dentro e fora da cena, seja nos instrumentais ou no flow. É único.
“Acorde-me do Transe” de acordo com o mano, é a primeira ação da série Terra em Transe Vol. 2 – Politiki, obra que parte da inquietação coletiva para enfrentar a apatia. Arte que contesta as artes fofinhas e pretensiosas, mas também cobra atitude de quem apenas usa o termo atitude como mais um complemento para suas rimas.
Inspirado diretamente no clássico Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, o artista, que prefere se descrever como operário da arte anarquista, transforma a herança do cinema militante numa estética sonora e visual que questiona, provoca e denuncia.
“Por perceber que vivemos um transe coletivo em todas as áreas da sociedade e que ninguém está fora desse transe, eu inclusive. O delírio faz parte do transe e acordar desse transe é mais que necessário, é vital para primeiro se perceber e depois buscar uma mudança. Uma mudança hoje muito difícil e complexo e o que proponho na música é uma mudança de dentro pra fora, admitindo primeiro a natureza exata da sociedade.”
No clipe, tudo é literal. As imagens carregam a ironia e o delírio do momento atual, com referências diretas à cena entre os personagens Diaz e Júlio Fuentes, interpretados por Paulo Autran e Paulo Gracindo no filme de Glauber. A fala que ecoa ali, a do político de direita reconhecendo a luta de classes, reverbera nas discussões alienadas de quem procura o viés de confirmação que flerta com o fascismo. Sabemos que certos depoimentos e comentários na internet parecem delírios.

É esse o tom da faixa. O artista não se coloca acima do delírio, mas dentro dele. Se reconhece também afetado, contaminado. E é dessa posição que propõe um acordar que vem de dentro pra fora. “A mudança é difícil”, admite. Mas o rap, pelo menos parte dele, se levanta como possibilidade.
A construção da trilogia Terra em Transe é uma tentativa de repensar o Brasil e projetar o impossível. O artista não acredita em partidos que disputam poder em nome de alguém. Seu compromisso é outro. Está na autonomia, na igualdade, na liberdade. Plebiscito, para ele, é contínuo.
“O mais louco dessa cena é a fala de Diaz sobre a existência da luta de classes no Brasil, isso, a fala, nunca viria de um político de um partido de direita hoje. E isso é o Cinema Novo, a subversão em forma de crítica social e político. Glauber dizia que “sem a esquerda a direita não governa” e isso vemos isso no Brasil, junto dos partidos de centro que tendem a um lado quando a questão é o poder.”
A crítica à esquerda institucional- que virou refém de acordos e ficou na defensiva atualmente- tão presente na obra de Glauber, também ressurge aqui. Mas não como negação pura. O artista que sempre votou na esquerda agora afirma sua caminhada anarquista: “rejeito qualquer forma de hierarquia e dominação”. Entre versos e imagens, seu rap é fonte, espaço de denúncia e proposta. Para Hara, agora é política sem sigla, revolução sem patrão.
No próximo capítulo da série, o EP O Transe da Terra em Prosa, previsto pra outubro de 2025, o artista promete aprofundar ainda mais esse processo. E a trilogia será encerrada em 2026 com Terra em Transe Vol. 3 – La Transe, fechando o ciclo com olhar crítico e internacionalista.
Antes disso, no dia 28 de agosto, quinta-feira, às 21h, no Sesc Pompeia, mais um ato do Terra em Transe será apresentado no palco do Projeto Prata da Casa. A entrada é gratuita. A tomada de consciência nem tanto.




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