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O que ouvimos em 2025: ‘Em Nome das Ruas’, Jamés Ventura

O que ouvimos em 2025: ‘Em Nome das Ruas’, Jamés Ventura

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Quando a maturidade bate e se intercala no compasso do rap, ela não pede licença, todo mundo faz aniversário, mas poucos na cena desenvolvem essa parada. Jamés Ventura chega no  bagulho com vivência, sujeira em samples perturbadores, lirismo de responsa e olhar crítico. Como ele mesmo diz: “Eu soube entrar e sair”.

O disco Em Nome das Ruas é rap feito por um homem preto, periférico e adulto, que conhece o peso das palavras e as contradições da caminhada. O álbum é como um filme que trata das tensões que rolam nas periferias, na busca pela paz de quem está livre e de quem está guardado pensando do dia da liberdade.

Jamés não está aqui para jogar conversa fora. Ele escreve com sangue, memória e intuição. Os sons são carregados de imagens reconhecidas pela quebrada: “o celular vai te matar”, “dinheiro no bolso incomoda”, “colecionando cicatrizes do tempo”.

Esses versos não soam como denúncia institucional ou rebeldia vazia, nem como  a ostentação reproduzida pela maioria dos rappers que se dizem originais.  Os conteúdos rimados por Ventura são reflexos de uma vida observada de dentro, com atenção e sem floreio. 

Em Nome das Ruas  não tem espaço para moralismo ou para o glamour do crime. Como os mestres da rima de rua e no limite do gangsta brasileiro, o que o álbum traz é o entendimento de que violência não é apenas material para punchlines, a parada tem custo emocional e social.

O disco é uma colagem que mistura boom bap, lo-fi, batidas quebradas, voz com efeito, inserts de áudios e colagens que lembram muito as mixtapes de sinistras do rap underground. É a face da rua, mas com um pé no experimentalismo.

Em Nome das Ruas  tem a sonoridade que não foge do padrão do que é produzido no underground, não é para as rádios e playlists de rap que pretende não ser rap , é para os fones de ouvido de pessoas com ouvidos atentos.

O Bocada Forte não é um veículo de bajulação a marcas, plataformas ou algoritmos. Soltamos o verbo mesmo. Essa postura faz com que fechem muitas portas para o site, mas nos conecta  com discos como o de Jamés Ventura, com o espírito do rap alternativo brasileiro maduro, aquele que não tem medo de envelhecer, de mudar, de ousar.  

Jair dos Santos (Cortecertu) passou a fazer parte da Equipe do Bocada Forte em 2001 como colaborador e rapidamente se tornou um dos editores e principal criador de conteúdo. É pesquisador, DJ, compositor, beatmaker e ex-instrutor da Associação Amigos da Molecada da Vila Santa Catarina (bairro da zona sul de São Paulo). Trabalhou na pesquisa de imagem e de texto no DVD "1000 trutas, 1000 tretas", do grupo Racionais MC. Foi colunista do jornal Brasil de Fato e pesquisador iconográfico para a revista Caros Amigos, no livro Hip Hop Brasil. Colaborador da Revista 451. Foi coordenador da digitalização do acervo do Banco de Dados da Folha de Paulo.