O Livro
Para muitos o mundo está dividido entre àqueles que detém o poder e o povo oprimido. Para outros, entre a esquerda e a direita. Outros, ainda, crêem na divisão entre ricos e pobres, negros e brancos… “A vida é louca, mano”, diria Mano Brown. Márcio Vicente Góes, o Preto Ghóez, nascido em São Luís, no Maranhão, em 08 de outubro de 1971, impressiona pela visão de mundo que tinha, indo muito além das definições e “verdades” conhecidas. Uma leitura no livro ‘A Sociedade do Código de Barras – O Mundo dos Mesmos’ é como um vôo panorâmico sobre um mundo frio e calculista. Uma fotografia em preto e branco de uma realidade amarga de lutas, sejam elas íntimas – através da minuciosa descrição psicológica e histórica de seus personagens -, sejam por meio da batalha diária entre duas organizações: o grupo chamado Reviravolta e a mega e internacional Sociedade do Código de Barras.
Durante a leitura, ainda fica uma questão: você é um “Mesmo” – parte integrante da sociedade robô, que não questiona ou procura a verdade – ou um “Diferente” – verdadeiramente revolucionário, que luta pela liberdade do povo? O próprio Preto Ghóez explica melhor…
“(…) Os Mesmos nasciam, cresciam, se multiplicavam, envelheciam e morriam sem dar conta do mundo a sua volta, sem nada questionar, sem dar conta da conjuntura social em que viviam, eram pessoas ordeiras como um gado bovino, indivíduos ideais servindo ao propósito das grandes corporações, pois alguns deles, de tão Mesmos que eram, assumiam a conjuntura social como ordem estabelecida das coisas, situação imutável…
Os Diferentes, esses não se adequavam ao modo de vida da sociedade moderna, questionavam, perguntavam e queriam cada vez mais, muito mais respostas, às vezes agiam sozinhos escrevendo livros, pintando quadros, declamando poemas, fazendo teatro, cantando ou dançando, reunindo gente simples no campo e ocupando terras, colocando em xeque os Estados de seus países e se refugiando na floresta, lutando pela natureza ou contra o racismo, levantando a bandeira da paz e da diversidade, outras vezes eles simplesmente se juntavam e faziam isso tudo e mais uma infinidade de outras atividades ilícitas sob a ótica da moral e dos bons costumes, ou meramente contrárias aos interesses maiores da UNC-S…”
Pra quem nunca teve a oportunidade de trocar uma ideia firmeza com Ghóez, o livro soa como uma viagem ao centro de suas idéias e pensamentos. Impressiona a capacidade dele de prender-nos à leitura e, principalmente, sua habilidade com as palavras e ideais, que nos fazem questionar, a cada página virada, um pouco do nosso íntimo e do estilo de vida que levamos.
Muito além de um romance, uma verdadeira “Bíblia revolucionária”, recheada de conceitos e valores é o que ‘A Sociedade do Código de Barras – O Mundo dos Mesmos’ representa.
Após a leitura, ficam os desejos… Desejo de alguma mudança íntima e desejo de luta. Desejo de voltar no tempo, fazer diferente. Viver uma vida de verdades e, mais do que isso, encontrar o Preto Ghóez e ter a possibilidade de conhece-lo melhor, elaborando ideias e ajudando-o na construção de uma revolução pela verdade e igualdade.
Minhas impressões param por aqui. Mas ficam as palavras sábias do autor:
“(…) A primeira luta que você trava é a luta com o seu próprio eu, e dessa luta só uns poucos sobrevivem, e são esses poucos, que sobrevivem, que perseguirão o objetivo da vitória por toda a sua vida, os demais, já rendidos ao seu ego, permanecerão na escuridão de suas ignorâncias e vaidades, e esse fim atinge não só a pessoa humana comum, desprovida de maiores oportunidades e recursos de educação e cultura, pelo contrário tem atingido e muito pessoas que se julgam donas de suas verdades…
Eles não passam de marionetes dessas verdades absolutas e no fim, o fim de tudo se perdeu restando o ódio que alimentam na incapacidade de controlar o próximo, de manipular o próximo, de tomar em suas mãos as entranhas daqueles a quem um dia, inclusive, juraram amor eterno, tiveram a desfaçatez de banalizar a palavra irmão…
Essa intrincada e complexa equação é pouco compreendida ainda, querer sempre o que possui o próximo, sendo homem deseja a mulher, sendo mulher deseja o homem, sendo ambos desejam o carro e a casa e tudo mais que estiveram nas mãos do próximo…
Depois de toda a tempestade, a bonança tão comentada e difundida, foi bem mais torturante que os dias de loucura, pois a loucura clinicamente tratada ainda encontra saídas que possam levar alguém ao campo da sanidade. A bonança que veio devagar como o brilho de uma estrela que já não existe mais, de certa forma deixou exalar sabores mortais, e o veneno esteve em toda a língua, a partir de um conluio de sujeitos sujos e apequenados pelas próprias imundices…”
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Miriam Bezerra
Miriam Bezerra, viúva de Preto Ghóez, concedeu-nos breve entrevista, contando um pouco de sua visão sobre o trabalho de Ghóez. Afinal, muitos não tiveram a oportunidade de conhecer Preto Ghóez como desejariam. E, talvez, seu único “contato” com ele foram suas músicas e agora seu livro.
Para que todos possam entender melhor esse grande personagem da cultura Hip-Hop brasileira, perguntamos a Miriam sobre como tudo começou e os ideais de Preto Ghóez.
“Bom, tudo começou, em São Luis, no Maranhão. Quando o Ghóez conheceu o movimento Hip-Hop, em 1993. Logo de cara ele se identificou com as idéias daqueles jovens que se encontravam na Praça Deodoro, uma das principais da cidade. Daí em diante ele não parou mais. Foi quando começou sua militância e algumas divergências também, com alguns militantes do movimento. Isso porque o Ghóez achava que era possível fazer contato com movimentos de outros estados, já que as ideias eram as mesmas e a luta também. Tanto que, por isso, quando ele veio para São paulo com o grupo Clãnordestino – que era mais uma forma de passar uma mensagem de luta contra o capitalismo – ele todos os integrantes foram convidados a sair do movimento, que na época se chamava Quilombo Urbano. Então ele e todo restante do grupo formou uma entidade chamada Favelafro, que existe até hoje. Só assim ele pôde militar da forma que acreditava ser mais justa e discutir todos os tipos de problemas, com todas as entidades, fossem elas filantrópicas ou governamentais. Seu maior sonho era viver numa sociedade mais igualitária”, conta Miriam.
A respeito do livro – ‘A Sociedade do Código de Barras – O Mundo dos Mesmos‘ -, e o processo de criação dele, Miriam revela: “O Ghóez sempre leu muito. Lia de tudo e não tinha preferências. Ele sempre dizia que tudo que se lê você ganha um conhecimento a mais na vida e um dos seus sonhos era escrever um livro. E quando ele entrou pro movimento Hip-Hop essa vontade só aumentou. Foi então que ele começou a fazer o esboço do livro, que é inspirado na sua própria militância”.
Apesar da breve passagem pelo mundão, Preto Ghóez nos deixou um legado forte. Prova disso é a primeira edição do Prêmio Cultura Hip-Hop, editado pelo governo federal, que homenageia o militante, escritor e MC.
“Eu fiquei muito feliz, porque pra mim é o reconhecimento por sua militância”, diz Miriam.
Quando perguntada sobre o que fica do trabalho de Ghóez, Miriam é direta:
“Eu acho que justamente aquilo que ele fez. Ele quebrou as barreiras do sistema. O maior exemplo disso é ouvir de algumas pessoas: ‘consegui ir em frente porque me inspirei no Ghóez!’“.
O Prêmio
O Ministério da Cultura, por meio das Secretarias da Identidade e da Diversidade Cultural (SID/MinC) e de Cidadania Cultural (SCC/MinC) já fez o lançamento do primeiro edital do Prêmio Cultura Hip-Hop. O anúncio ocorreu no Auditório Centro Universitário La Salle, em Canoas, no Rio Grande do Sul, como parte da programação do Fórum Social, 10 Anos.
A premiação inédita contará com recursos de R$ 1,7 milhão e contemplará iniciativas individuais e de grupos nas categorias Reconhecimento, Socioeducativa (Escola de Rua), Geração de Renda, Difusão/Conhecimento (5º Elemento) e Difusão – Menções Honrosas. Nesta primeira edição, a homenagem póstuma é para o MC e ativista Preto Ghóez, um verdadeiro líder do Movimento Hip-Hop Organizado do Brasil. Os critérios e procedimentos necessários para a participação já estão disponíveis para consulta nos websites Ministério da Cultura (MinC) e das instituições parceiras (ver links no final da matéria). As inscrições iniciam em 16 de abril e ficarão abertas por três meses. Interessados poderão encaminhar suas propostas via Internet ou pelos Correios.
Categorias
Reconhecimento: destinada a honrar personalidades ou coletivos importantes para o desenvolvimento da cultura Hip-Hop no país, ao longo do tempo – 10 prêmios, sendo dois para cada macrorregião do país.
Escola de Rua: voltada para iniciativas que, por meio dos elementos do Hip-Hop, desenvolvam ações sócio-educativas, seja a partir de pedagogias tradicionais ou inovadoras – 27 prêmios, um para cada Estado da Federação.
Correria: iniciativas que incidem sobre a geração de renda ou que criem oportunidades de trabalho para os envolvidos, tais como a criação de eventos e a confecção de produtos, dentre outras – 27 prêmios, um para cada Estado da Federação.
Conhecimento: iniciativas que fomentem a realização de encontros, seminários e debates, ou a produção de estratégias para a difusão do Hip-Hop – 35 prêmios, sete para cada macrorregião do país.
Conexões: iniciativas que promovam o intercâmbio com outras formas artísticas afins à cultura Hip Hop, em particular as expressões culturais afrodescendentes, criando novas associações, incorporações estéticas e políticas, para além dos quatro elementos consagrados (Dança de Rua, MC, DJ e Graffiti).
[…] para a Cultura Hip Hop, ele foi além dos palcos e como eu mesmo disse na conversa, me lembrou o Preto Ghóez (ClãNordestino), que antes de falecer trabalhava na construção de um Hip Hop mais organizado em […]
[…] fiz um texto enorme e para não me dar dor de cabeça resolvi guardar. Em 2003 eu conversei com Preto Ghóez, que naquele momento estava articulando a criação do MHHOB, sobre uma organização nacional de […]