SP 469 anos | Relembre clássicos do Rap que rimaram a realidade de SP nos séculos XX e XXI

Publicado pela 1ª vez em 25.01.2020 com o título - 'SP 466 anos | 5 clássicos do Rap que rimaram a realidade de São Paulo dos anos 80 aos 2000'. Última edição em 25.01.2023

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Quando a Cultura Hip Hop surgiu nas ruas do Bronx, o bairro nunca mais foi o mesmo. E assim foi em cada quebrada que o Hip Hop chegou com as suas quatro manifestações artísticas: o DJ, o Breaking, o MC e o Graffiti. Mudou o cenário, a dança, os narradores da história e a trilha sonora deu um novo sentido para vida dos excluídos e marginalizados. Talentos foram revelados, se apropriando e criando a partir do que já existia na música, na dança e nas artes plásticas. Superou todas as dificuldades, se sobressaiu e se tornou a única Cultura capaz de sobreviver e se adaptar a qualquer outra cultura, em qualquer lugar do mundo!

Em São Paulo, a maior cidade da América Latina – e uma das maiores do mundo -, não foi diferente. Aqui a Cultura Hip Hop encontrou terreno fértil, fincou raízes e mudou tudo, da periferia ao centro. Todos os elementos e as suas variações estão presentes nos quatro cantos da cidade, resistindo e se adaptando.

O Rap, que é a trilha sonora, não está presente nos extremos com a mesma força de outros tempos, mas ainda assim é a música que melhor canta e que cantou sobre a cidade. Não comemoro o aniversário de São Paulo, mas aproveito o momento para lembrar músicas, cada uma cantando sobre a realidade de uma região da cidade. As realidades são muito parecidas e as músicas são das décadas de 80, 90 e 2000. Claro que existem muitas outras e cada um pode escolher as suas preferidas. Mas as apresentadas aqui, sem sombra de dúvidas, foram marcantes.
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Zona LesteConsciência HumanaTá na Hora“: Um clássico eterno, faz parte do primeiro disco do grupo, ‘Enxergue os Seus Próprios Erros’ (1995). Eles são de São Mateus, extremo leste da cidade, fazem parte da Posse D.R.R (Defensores do Ritmo Rua). Como o próprio Consciência Humana já cantou em outro som, São Mateus é “pequeno, pobre, humilde, mais um bairro meu”. A música fala sobre a ação de justiceiros, conhecidos nos anos 80 e 90 como ‘pés de pato’, para situar os mais jovens seriam os milicianos, policiais fora de serviço ou ex-policiais – na música alguns nomes são citados. Os integrantes do grupo, amigos, fãs e toda banca da D.R.R sofreram represálias por um bom tempo, em consequência dessa e de outras denúncias e protestos em suas músicas feitos contra os “ratos cinzas”. A abertura da música é uma mensagem para os amigos e parentes que perderam seus entes queridos pela ação violenta da polícia ou de justiceiros. O sample usado na música é marcante, usaram a música “Na rua, na chuva, na fazenda” (Casinha De Sapê), do Hyldon e também colagem da próxima da lista.

Assista ao grupo apresentando a música na festa 100% Favela


Zona Sul | Racionais MCsPânico na Zona Sul: Outro clássico eterno, primeiro grande sucesso do Racionais. Primeiramente foi lançada na coletânea ‘Consciência Black Volume I’, em seguida saiu uma versão melhorada no álbum ‘Holocausto Urbano’, o primeiro do grupo. O tema da letra é também a violência policial, os justiceiros e pés de pato. Nos anos 90, mas principalmente nos anos 80, as ações desse “esquadrão”, que hoje chamamos de milícia, eram trágicas, fatais e comuns nos extremos da cidade. Hoje ainda é, e existe ainda dentro da própria polícia de São Paulo, um pelotão que dificilmente realiza prisões, mas naquele tempo não havia ferramentas para registrar essas ações, era a palavra deles contra a das famílias, muitos inocentes foram e continuam sendo mortos.

Ouça a primeira versão da música

No trecho – “então, quando o dia escurece / só quem é de lá sabe o que acontece / ao que me parece, prevalece a ignorância / e nós, estamos sós / ninguém quer ouvir a nossa voz” – e por toda a letra, eles narram exatamente o que acontecia nos bairros mais pobres. Eu era muleque, ficava na rua com os mais velhos, quando a barca cinza (Veraneio) se aproximava – a gente escutava o barulho de longe – ninguém ficava na rua e se ficasse, tinha que manter a cabeça baixa e não olhar no olho dos “demônios”. Ouço a música e lembro do primeiro enquadro, dado exatamente pelos homens da Veraneio cinza, com 11 ou 12 anos de idade, em 1988, na zona norte de SP. Hoje quando lembro, acho um absurdo policiais revistarem um garoto de 12 anos, mas naquela época, pelo menos nos extremos, era comum. Ouvir essa música é como ver um filme do passado, infelizmente a letra ainda faz todo sentido e poderia tranquilamente ter sido feita ontem. Os samples utilizados são todos de músicas do James Brown“The payback”, “Mind power” e “Funky drummer”.

Ouça a versão que saiu no álbum


Zona Oeste | RZOPirituba“: Antes de falar sobre esse som, é preciso explicar que a região de Pirituba é envolta em uma pequena discussão sobre ser zona oeste ou zona norte. A cidade de SP passou por uma reclassificação e de acordo com a Prefeitura da cidade Pirituba é considerada zona norte, vamos colocar uma lupa no mapa e colocar aqui como zona noroeste. Quando o RZO fez a música a discussão já existia, mas independente dessa polêmica, vou levar em conta o ZO dos autores da música. Nenhum outro grupo cantou tão bem a realidade de SP à partir da zona oeste como o RZO.
Claro que a região tem muitos outros grupos, mas a Rapaziada Zona Oeste conseguiu se firmar como o grupo mais representativo de Pirituba e região. Essa música também relata a violência, uma prova do quanto os alvos da polícia sempre foram os mesmos. A mira sempre esteve principalmente nos extremos da cidade, os canos das armas sempre estiveram apontados para pretos e pobres, moradores ou não de bairros periféricos. Essa música não tem apenas uma versão, tem a primeira lançada que ficou conhecida como “versão charme”, a versão “Pirituba” (Parte I), que saiu no álbum ‘Todos São Manos’, e ainda “Pirituba Parte II” que saiu no álbum ‘Evolução é Uma Coisa’. Todas as letras, refrões e instrumentais das versões são diferentes, mas o assunto é basicamente o mesmo. Foram usados diversos samples, José Roberto, Barry White, Twinz, Racionais e Originais do Samba.

Ouça a versão que saiu no álbum ‘Todos São Manos’


Zona Norte | Relatos da Invasão “Jaçanã picadilha”: Essa já é de outra geração, não é tão nova, mas já faz parte da realidade dos anos 2000. Ela está no disco ‘É o Gigante’ (2007), é um clássico regional, aquela música que pode ser tocada em qualquer festa de Rap por aqui. Serve para mostrar o quanto a realidade dos extremos não mudou tanto. Existem muitos outros grupos na ZN de SP, mas escolhi essa por fazer parte de uma outra geração, que foi totalmente influenciada pela anterior. O conteúdo da letra fala da realidade triste e violenta, inclusive a praticada pelos “homens de uniforme da blazer”, mas de uma forma descontraída.
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Ao mesmo tempo também falam das festas, os rolês, os grupos de Rap, o samba, a realidade das beiradas da cidade – “em meio as goma humilde / os tiozinho trabalhador e os malucão do apetite”. A produção é do DJ Marco e o disco foi lançado pelo selo Equilíbrio do DJ KL Jay. Ela faz parte das poucas dos últimos 15 anos que primeiro fizeram sucesso nas pistas, pra depois sair em um álbum. Lembro do DJ King tocar essa música em todos os seus sets e em algumas festas ele até levava os meninos do grupo para fazer a música ao vivo. DJ Marco foi profundo e fez um corte preciso na escolha do sample de “Love’s lines, angles and rhymes” do The 5th Dimension.

Assista ao vídeo


Centro | Região Abissal – “Sistemão”: A música fala de uma realidade que há muito tempo vemos no centro da cidade de São Paulo, pessoas em situação de rua. Refletindo a realidade da época, o personagem da letra é um menor de idade, hoje temos famílias inteiras nas ruas, abandonadas, sem nenhuma assistência. A música é dos anos 80, faz parte do disco ‘Hip Rap Hop’ (saiba mais sobre o disco). Região Abissal foi um grupo à frente do seu tempo, a performance ao vivo mostra o quanto isso é verdade. Eles fazem parte de um seleto grupo de artistas da sua geração que não precisaram de uma coletânea para chegar ao lançamento de álbum cheio.

Confira a performance ao vivo da música


Devasto SBR & Delinquente – Essa eu coloquei na lista em 2023, nos 469 anos de SP, saiu no álbum ‘Arquitetos Terroristas’ (2016) e tem a participação de boa parte da banca Sujeira Brasileira (clique e confira o Especial SBR). Participam Henriq SB, Real Brigas, Ameno, Rodone Dimbas e Fukadélico. É a visão sobre São Paulo nas rimas de artistas periféricos, cada um abordando os mais diversos aspectos. Se você gosta de Rap e não conhece o selo/crew/gravadora Sujeira Brasileira, tá vacilando, vale a pena pesquisar sobre. O Devasto inclusive acabou de lançar mais um trabalho solo, ouça aqui ‘Acidente de Percurso’.


Centro | MC Jack Centro da Cidade: Eu poderia ter começado esse post com a ordem cronológica das músicas e assim essa estaria entre as primeiras. Mas como a considero a mais importante, preferi fechar com ela. Todos os outros Raps listados aqui, direta ou indiretamente, tiveram alguma influência do MC Jack, seja na forma de descrever uma realidade, na levada, no estilo de cantar ou rimar. Essa música está entre as mais importantes da história do Rap no Brasil, além de ser uma das faixas da coletânea ‘Hip Hop Cultura de Rua’, ela foi feita por um MC que também é DJ e B.boy. Não posso falar por outras cidades, mas para quem foi office boy em São Paulo nos 80 e 90, essa música é como um hino. Essa faixa, até 2001, nunca tinha sido lançada em um álbum solo, até porque nem o próprio Jack tinha um álbum solo. Até que, entre setembro e outubro de 2001, ele lançou pela Trama seu primeiro disco solo, intitulado ‘Meu Lugar’. Nele Jack regravou a música, com outro instrumental e com a participação do rapper Xis, que tinha a intenção de regravar a faixa e acabou sendo convidado para gravar junto.

Assista MC Jack e DJ Ninja ao vivo

Ouça a versão com o Xis

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