DJ QAP – Exemplo de luta, bom humor e amizade

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Luciano Sozza da Silva, o DJ QAP, faleceu ontem aos 46 anos. Ele vinha lutando contra o câncer há alguns anos e, infelizmente, nesse 24 de agosto foi descansar. O que fica são as lembranças de um dos seres humanos mais divertidos que conheci através do Hip Hop. Nas postagens dos amigos e de diversas outras personalidades da cultura, a sua alegria, senso de humor e as piadas são as lembranças mais marcantes, além, é claro, do seu companheirismo.

Não posso dizer que éramos amigos próximos, pois o que nos conectava era apenas a Cultura Hip Hop e o amor pela música Rap. Mesmo antes de o conhecer e trocar ideia, a minha visão sobre QAP era de um cara de vanguarda, aquele que estava sempre na frente. A primeira vez que o vi nos toca-discos foi no Hip Hop DJ, e já achava suas apresentações e rotinas diferenciadas, uma pena que em uma das edições, que eu até achava que ele ia ganhar, o DJ teve um problema técnico, tudo desandou e o DJ Cia foi campeão. Nos seus dois primeiros grupos de Rap ele entrou como substituto, no Vítima Fatal e no SP Funk.

Conheci o QAP no começo dos anos 2000. A gente se encontrava direto e conversava muito. Um dia, trocando ideia sobre o Vítima Fatal, ele me contou uma parada que me surpreendeu, o DJ QAP que está no álbum e também na capa da Revista Pode Crê! não é ele. Eu jurava que era ele, mas ele substituiu o verdadeiro DJ QAP e acabou tendo que herdar o apelido. E assim ficou. Há um tempo atrás, ele contou essa mesma história no Gringos Podcast. Já no SP Funk, ele entrou no lugar do DJ Negralha. Foi através do SP Funk que ele se tornou conhecido por uma outra geração do Rap. Indo alguns anos mais pra frente, junto com a Nathy MC e o Cris Konebo, QAP formou o Pulse 011 e alcançou outro público e mais uma outra geração. Ainda com o Pulse, ele se aproximou do pessoal do “pancadão”, produziu, tocou e, mais recentemente, se aproximou do trap também. Durante a pandemia fez algumas lives e estava se apresentando com o Thaíde, fazendo uma das coisas que ele faz de melhor, que é ser o Maestro para MCs.

Como eu disse antes, ele sempre esteve na frente, sempre querendo estar perto das novidades e dos mais jovens. O Vítima Fatal nos anos 90 era diferente, o SP Funk era diferente. O artista  também foi um dos DJs da Academia Brasileira de Rimas (ABR). Na época que todo mundo colocava o “underground” como se fosse um estilo de Rap, ele estava ali junto com o Ascendência Mista e a banca Rhima Rhara. Na quebrada dele, zona norte de SP, Casa Verde, ele tava ligado no S.T.A (Somos Todos Aliados), Variuz e Ca.Ge.Be. Bem antes do Pulse existir, em outra de nossas conversas, ele me falou sobre o Cris, Thig e uma rapaziada que ele já tava levando pro estúdio, o Operante. Estúdio esse que ele sempre convidava pra conhecer. Toda vez que a gente se trombava ele comentava sobre algum equipamento novo que ele tinha comprado.

Não sou produtor, mas gosto de músicas bem produzidas. Foi com QAP que aprendi a “avaliar” melhor as músicas na hora de escrever sobre elas. O DJ me falou da sua técnica pra avaliar as suas próprias produções e eu comecei a usar pro meu ramo, que na época era escrever sobre os discos de Rap. QAP me disse que gravava em CD os sons que ainda não tinha lançado e levava pra ouvir em outros estúdios ou até mesmo entregar para algum DJ tocar nas festas, ele queria ouvir a música antes em diversos ambientes, caixas e equipamentos diferentes. Claro que hoje, com tanta gente ouvindo músicas apenas em celulares, não seria necessário, mas naquela época parece que funcionava, é só ouvir algumas de suas produções que estão aqui entre o texto.

Essa também foi produzida por ele, se liga na recepção do público

Tem uma parada que nunca contei pra ele, porque foi justamente em uma época que passamos a nos encontrar com menos frequência. Em 2008, QAP conseguiu ter o seu Projeto ‘MPC Envenenada’ aprovado pelo Proac da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Naquele ano, eu era um dos “jurados” e debati muito com outras 4 pessoas para que o projeto fosse um dos aprovados. Eu achava a ideia muito diferente de tudo que acontecia naquele momento, já as outras pessoas achavam que por ser o projeto de alguém que já era um artista com um certo nome, talvez não precisasse desse incentivo.

Chegamos a um consenso e o projeto foi aprovado. Em 2022, quantos artistas dos mais variados estilos utilizam a MPC ou equipamento similar em apresentações ao vivo? Não que ele tenha sido o primeiro, mas da forma que ele se propôs a fazer era totalmente nova.

Pensei bastante antes de fazer o título desse texto. Vejo o QAP como exemplo sim e não é aquele papo de “agora que o cara não está mais aqui todo mundo valoriza”, aqui não! Faço pelo menos umas 4, 5 lives por semana na Twitch do BF . Em quase todas as transmissões rola alguma produção do QAP, bem como de outros grandes nomes que a maioria do Hip Hop e do rap não dá atenção. Precisamos valorizar cada vez mais as pessoas que realmente amam a Cultura que fazemos parte, muitas dessas pessoas fazem muito, entregam demais e recebem pouco, não só financeiramente. O Bocada Forte, você pode ter certeza, é dos poucos e talvez o único veículo verdadeiramente especializado que tem essa preocupação. Não fazemos da forma que gostaríamos, mas fazemos com sinceridade, da forma que podemos. Enquanto estivermos aqui, figuras como o QAP jamais serão esquecidas.

19.09.1975 a 24.08.2022

Meus sentimentos à toda família, aos amigos e aos fãs! Descansa meu mano e logo, logo, onde quer que você esteja, tenho certeza que vai estar apelidando o Enéas, DJ Primo, Sabotage, Dina Di, Banks, Tati, Natanael, Macari, Ghóez, Ugli, Mr. KoKada e tantos outros!

P.S.: Terminei esse texto com bastante sono às 02h30 de 25.08 e tenho que acordar às 05h30, qualquer erro por favor me corrijam.

Confira a entrevista no ‘Papo de Beatmaker’, com Blackalquimista

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