O que ouvimos em 2025: ‘Tertúlia’, Galf AC & DJ EB
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Entre o asfalto e ruas de terras das quebradas, onde os ventos da ancestralidade que não são invisíveis e movem grandes moinhos em núcleos culturais, Galf AC & DJ EB mandam suas ideias num disco raro. Tertúlia é colagem sonora, riscos e rimas que tentam escapar da mesmice, mesmo tratando de temas que sempre representam problemas para os nossos.
Lançado de forma independente, como 99% da cena alternativa, o álbum propõe uma travessia por camadas estéticas, sociais e espirituais, escapando dos clichês do rap mainstream e apostando numa poética que atravessa o cotidiano com o peso da história. Tarefa nada fácil, que causa estragos pelo caminho, com dúvidas, dívidas e muitas rimas que marcam o território de onde vem a criatividade da dupla.
“Minha cultura é protesto”, frase que corta e ecoa em um dos versos que sintetiza a postura do álbum: crítica ao sistema, afirmação identitária e lirismo do gueto atual. Não há novidade no que se é falado, Infelizmente, os temas abordados, como racismo, desigualdade, violência de Estado, ainda nos perturbam e nos matam. A cura proposta é também conhecida entre os grupos marginalizados neste país: espiritualidade, ancestralidade e autoconhecimento, peças e formas que se encadeiam na rotação e na intervenção física e mística dos toco-discos, numa manipulação sonora com falas dos que vieram antes e continuam conosco.
Em Tertúlia, DJ EB é o hip hop que muitos ignoram atualmente. Misturando boom bap, colagens abstratas e beats e samples fatiados em caminhos psicodélicos, ele constrói um universo sonoro cinematográfico. Como se tivesse sido gravado numa encruzilhada, as tracks do álbum são velas acesas que guiam, iluminam e dão certa proteção. Cada faixa evoca o espírito das rodas de freestyle e das cerimônias espirituais que moldam a alma de parte do povo preto brasileiro.
A lírica do MC (sim é preciso insistir no termo) carrega marcas da tradição oral, da crítica social e do delírio visionário. Versos como “Enquanto uns dormem, outros viram infinito” e “O preço para viver na City juntos” soam como revelações sussurradas por mestres da nossa cultura de rua. Tertúlia é arte que documenta essa existência. Indexa, cataloga e recupera informações que mantém o rap combatente vivo.
Tertúlia é construído na recusa a obedecer as fórmulas do mercado fonográfico. O que cominho que os artistas indicam na estrutura das faixas, nas rimas fora do compasso tradicional, nas sobreposições sonoras e nas pausas criam um ritmo próprio, sem flertar com os gêneros mais populares das pistas black. É como se o disco desafiasse o ouvinte, como se a agulha do toca-discos insistisse em recontar o que querem que fique esquecido.
O trampo conta com 11 faixas e, como “ser só não dá, é preciso de associar”, tem participações de Rodrigo Ogi, Ravi Lobo, Hiran, Caio Neri, Russo Passapusso, Killa Bi e Bianca Hoffmann.
Em tempos em que o rap vem sendo absorvido pelas lógicas do mercado, Tertúlia é insubmissão e encantamento contra a aceitação ao mercado e o encarceramento algorítmico. Em caso de dúvida, aperte o play.




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