MC Anarandá estreia álbum que une ancestralidade, amor e luta
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Fotos: Ligia Zacharia e Eduardo Medeiros
O rap indígena se tornou uma das expressões mais contundentes dentro da cultura Hip-Hop, articulando denúncia, memória e identidade a partir das línguas nativas e das lutas territoriais. Em O Livro Vermelho do Hip-Hop – Remasterizado, o pesquisador e escritor Spensy Pimentel lembra que o rap indígena e quilombola representam um reencontro do movimento com suas raízes ancestrais, aproximando-o das batalhas históricas contra o colonialismo, a escravidão e o capitalismo.
Essa perspectiva ajuda a compreender a relevância do trabalho da cantora e compositora MC Anarandá, artista Guarani Kaiowá que acaba de lançar seu primeiro álbum autoral, “Pehendu Ore NÊ’Ê – Escuta nossas vozes”. Nascida na Aldeia Guapoy, em Amambai (MS), Anarandá une espiritualidade, língua guarani e rap para transformar dor em resistência, trazendo à tona temas como violência contra mulheres, devastação ambiental e afirmação cultural.
Ao lado de pioneiros como Brô MC’s e contemporâneos como Oz Guarani, Xondaro MCs, e Owerá, Anarandá faz sua estreia e marca um capítulo importante para o Hip-Hop brasileiro, conectando a ancestralidade Guarani Kaiowá à batida urbana num disco que traz denúncia, lutas e histórias de amor.
A data escolhida para o lançamento de “Pehendu Ore NÊ’Ê – Escuta nossas vozes” , 23 de setembro, marca a chegada da primavera, estação que a artista associa a renascimento, florescimento e esperança.
Nascida na Aldeia Guapoy, em Amambai, Mato Grosso do Sul, Anarandá traz no próprio nome o sentido de sua caminhada. Randá Kunã Poty rory Anarandá significa “mulher flor brilhante, carismática e comunicadora”. Ao acrescentar o “MC”, reafirma sua presença no hip hop sem deixar de lado a espiritualidade e os cantos tradicionais do seu povo.
“Descobri no rap uma ferramenta capaz de transformar minhas dores, e de muitas mulheres indígenas, em força”, afirma Anarandá. Autodidata, aprendeu português na adolescência, quando também passou a rimar em dois idiomas: português e guarani.
As letras do álbum abordam enfrentamento ao preconceito, defesa do território e combate à violência de gênero. Mas também revelam beleza, amor, espiritualidade e esperança. Ao todo, são oito faixas autorais: Mãe, Che Machu mandu’a kuemi – As lembranças da minha avó, Assédio, Te procuro, Escuta minha voz, A dor de um parto, Amazônia e Jasy Tata – A lua de fogo. Os videoclipes de Mãe e Che Machu mandu’a kuemi já estão disponíveis, e o de Jasy Tata deve sair em novembro.
A inspiração, conta a artista, vem de sua convivência com as mulheres de sua comunidade, especialmente a avó de 112 anos. “Ela é uma biblioteca viva para mim. Sempre me ensinou sobre a força e a fé que sustentam a nossa resistência. Minha música nasce dessa energia revolucionária”, diz.
As canções trazem denúncias fortes, como no caso de Feminicídio (lançada em 2024), em que o refrão ecoa: “Quando eu partir, não chore, não pense em trazer flores”. A música alerta jovens indígenas para relacionamentos abusivos e chama atenção para a falta de conhecimento sobre leis de proteção às mulheres dentro das aldeias
Outra faixa, Che Machu mandu’a kuemi, lembra das matas verdes que desapareceram e denuncia a devastação causada pelo agronegócio em Mato Grosso do Sul. A artista canta sobre rios contaminados e a ausência dos pássaros que marcaram a infância de sua avó
O álbum foi viabilizado pelo Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul e contou com direção artística de Vinil Moraes. Os beats são assinados por Wagner Bagão, e o projeto envolve ainda a Orquestra Indígena comandada por Eduardo Martinelli, a multi-instrumentista Kezia Miranda, o criador visual Pitter Marques e a cineasta Marineti Pinheiro.
Além da música, Anarandá é professora de língua guarani, escritora, atriz e criadora de conteúdo digital. A cantora enfatiza a importância de manter viva a língua guarani em suas músicas. “Quando um adolescente escuta minha rima em guarani, ele percebe a beleza do idioma. Isso fortalece nossa identidade e combate o racismo que tenta nos afastar de nossas raízes”.
A trajetória até o primeiro disco não foi simples. Como artista indígena, Anarandá encontrou apoio em editais como a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc, que possibilitaram a gravação e circulação de seu trabalho
Mesmo assim, ela destaca que shows e oportunidades ainda são raros para artistas indígenas.
Na entrevista à Carta Capital, afirmou que cada música nasce de experiências reais, individuais e coletivas. “Não são histórias inventadas. São vivências que se transformam em rap para que outras pessoas saibam que existimos e resistimos”.
O disco já está disponível nas principais plataformas digitais.






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