Imprensa Negra: Portal Bocada Forte é homenageado em evento sobre o legado de José Correia Leite
ESPALHA --->
Conheci a biografia de José Correia Leite, compilada por Luiz Silva (Cuti) a partir de entrevistas gravadas entre 1983 e 1984, na metade dos anos 2000. Eu trabalhava com Mano Brown na seleção de personalidades que seriam entrevistadas nos extras do DVD “1000 Trutas 1000 Tretas”, dos Racionais, quando ele citou um trecho do livro que relebrava uma crônica do escritor Bernard Shaw que elogiava a vestimenta de um negro no Cotton Club.
Como eu não conhecia nada sobre o jornalista, Brown me emprestou a obra “E disse o velho militante José Correia Leite”, que narra a trajetória de Leite desde sua infância marcada pela pobreza e abandono até sua atuação como um dos principais líderes do movimento negro no século XX.
Nascido em São Paulo em 1900, Correia Leite teve uma infância difícil, marcada pela pobreza e foi criado em meio à comunidade negra do Bixiga. Leite vivenciou a discriminação racial em diversas esferas da vida, desde a dificuldade de acesso à educação até a exclusão social em clubes e sociedades italianas. Apesar das adversidades, sua sede por conhecimento o levou a buscar educação em escolas alternativas e a aprender a ler e escrever de forma autodidata.
José Correia Leite faleceu em 1989, ano em que importantes discos de rap foram lançados. “Pergunte a Quem Conhece”, de Thaíde e DJ Hum, e a coletânea Consciência Black, marcaram minha formação sobre as questões raciais brasileiras. Dez anos depois, em 1999, o portal Bocada Forte foi criado.

HOMENAGEM
No dia 28 de agosto, durante o evento organizado pela Editora Ciclo Contínuo que celebrou os 125 anos do nascimento do velho militante, o BF foi homenageado pelo seu papel na comunicação do Hip Hop e sua contribuição no debate antirracista. Entre personalidades da pesquisa e militância negra, os veículos Jornal Empoderado e Ponte Jornalismo também receberam a honraria.
Correia Leite a imprensa negra e o Clarim d’Alvorada
Em 1924, José Correia Leite fundou, ao lado de Jayme de Aguiar, o jornal O Clarim, que logo se tornaria O Clarim d’Alvorada. Inicialmente voltado para literatura e notícias da comunidade, o periódico assumiu caráter militante, denunciando o racismo e acompanhando de perto as lutas da população negra. Era distribuído em bailes, encontros sociais e circulava como ferramenta de mobilização.
O Clarim d’Alvorada também se destacou por seu olhar internacional, divulgando o movimento panafricanista de Marcus Garvey e problematizando a visão da intelectualidade branca sobre a questão racial. Assim, firmava-se como órgão de luta e conscientização em uma época de exclusão social e política.
Correia Leite teve participação ativa na Frente Negra Brasileira, mas rompeu com a organização diante de divergências ideológicas, especialmente com Arlindo Veiga dos Santos, que defendia o patriotismo como eixo central. A saída resultou no jornal satírico A Chibata, que ironizava e criticava a direção da Frente.
Em seguida, buscou outros caminhos, como o Clube Negro de Cultura Social e, anos mais tarde, a Associação dos Negros Brasileiros e o jornal Alvorada, em 1945. Na década de 1950, ajudou a fundar a Associação Cultural do Negro, onde exerceu papel central na promoção de debates, eventos e publicações que valorizavam a cultura e enfrentavam o racismo.
As reflexões de Correia Leite foram atravessadas pelo contato com ideias do panafricanismo e da negritude. Essas influências ampliaram a dimensão da luta negra no Brasil, conectando-a a movimentos internacionais. Ao mesmo tempo, suas entrevistas revelam a complexidade de traduzir essas referências para o contexto brasileiro, onde a falácia da “democracia racial” servia como barreira simbólica contra a organização política dos negros.
Sua biografia lembra que o enfrentamento ao racismo é um processo contínuo e coletivo. Entre jornais, associações e movimentos, José Correia Leite mostrou a importância da organização e da memória na formação de novos militantes na luta antirracista. As dificuldades enfrentadas por Leite e seus contemporâneos servem de inspiração para toda a equipe do Bocada Forte.
LEIA TAMBÉM






Interaja conosco, deixe seu comentário, crítica ou opinião