Acervo BF – Entrevista Frank Ejara | ‘Evoluir é preciso, mas manter a autenticidade é fundamental. Respeite os criadores!’

Publicado pela 1ª vez em 25.06.2004, última edição em 20.10.2020

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Envolvido há 20 anos com a Cultura Hip-Hop ele é um legítimo representante da dança de rua, seu nome Frank Ejara. Ele é integrante, fundador e responsável pelas coreografias da Cia Discípulos do Ritmo, que existe há 5 anos e já se apresentaram na Europa, Argentina e muitos lugares do Brasil.

Um verdadeiro dançarino de rua, que conhece a fundo a Cultura que faz parte, campeão do campeonato francês Le Battle e defensor dos nomes corretos para as variações da dança, que muitos costumam rotular todas como “break dance” – “Up Rock (Brooklin Rock), B.Boying ou B.Girling (Breaking), Locking, Popping e Boogalooing e eu não vejo dificuldade para as pessoas aceitarem esse fato”.

Mais uma vez afirmamos aqui o nosso compromisso com a Cultura de Rua. Todos os elementos merecem destaque e a dança foi parte importante do início de tudo, tanto aqui quanto em outros países. Portanto confira entrevista exclusiva com um dos melhores dançarinos do país, na verdade uma pequena aula sobre um dos elementos mais importantes da Cultura Hip-Hop, a Dança de Rua.

Bocada-Forte: Quando e como começou o seu envolvimento com a dança e com a Cultura Hip-Hop?
Frank Ejara:
 Eu comecei em 1984, acho que muitos se lembram daquele ano.
Todos absorveram a cultura através da mídia, que bombardeou o mundo inteiro através das rádios, cinema, tv e revistas com a febre chamada “Break Dance”.

Frank no B.boy Summit 2004

B.F: Você acha que o B.boy ou B.girl precisa apenas se preocupar em dançar ou também tem que conhecer a história da Cultura Hip-Hop e da dança de rua?
Frank:
 Se for B.Boy mesmo, conhece sobre a cultura Hip-Hop, caso contrário é apenas um dançarino que usa o estilo B.Boying para se expressar. Mas isso não faz dele um B.Boy.

B.F: Quais as suas preferências musicais, para dançar e para ouvir em casa?
Frank:
 Eu escuto muito Hip-Hop alternativo, ou seja aquilo que está longe das rádios. Agora pra dançar, é claro que escuto o bom e velho Funk dos anos 70 e 80. James Brown, B T Express, Parliament, Zapp, War, Isaac Hayes, Cameo e por ai vai.

B.F: Existe uma grande falta de sincronia e união entre os elementos do
Hip-Hop, na sua opinião a que se deve isso?
Frank:
Bem, quando eu comecei não queria só dançar, eu comecei a rimar também, me interessava por Grafitti, pela arte do DJ, pois sei mixar e até fazer uns scratchs. Essa é a diferença, naquela época todos faziam tudo, é claro que você sempre se destacava em uma arte (elemento).

Se você era do Hip-Hop conhecia sobre as outras artes. Hoje em dia está cada um na sua, acho isso até profissional, mas acaba afastando as pessoas e fazendo o Hip-Hop viver em subgrupos.

B.F: Fale sobre o comercial que você gravou para uma rádio da Bélgica.
Frank:
Eu fiz o teste aqui no Brasil mesmo, muitos dançarinos participaram. Eu fui escolhido e foi muito bom, pois a equipe de filmagem era muito profissional e sabia exatamente o que queria. As gravações foram aqui mesmo, no Carandiru. Eu fiz o papel de um presidiário que está fugindo com outros presos, mas na hora H (quando ia ser pego), ele finge que estava apenas fazendo um show para os parceiros no pátio. Ficou engraçado!

B.F: É verdade que em agosto você participará de um campeonato em Los Angeles? Qual?
Frank:
 Será o B.Boy Summit. Já fui convidado oficialmente e acredito que irei, mas ainda estou buscando apoio financeiro para isso acontecer.

B.F: Como está o nível da dança de rua (B.Boying, Popping e Locking) no Brasil e o que falta para crescer mais?
Frank:
 O nível do B.Boy está bom, mas o estilo da nova geração está um pouco perdido. Muitos não conhecem os fundamentos e acham que qualquer coisa que você faça é B.Boying. No Locking e no Popping os dançarinos precisam de um pouco de humildade, existem muitos tentado dançar, porém seus egos não deixam se informar e aprender com pessoas que sabem mais. Por isso praticam sozinhas, copiando passos e estilos de outros através da “maldita” internet. Existem algumas exceções, bem poucas! O que falta para todos é perceber que essas danças não tem nada de diferente do ballet, sapateado ou jazz, tem suas técnicas e você tem que aprender com alguém.

B.F: A Cia Discípulos do Ritmo tem alguns projetos, quais são, quantas pessoas fazem parte e quando surgiu?
Frank:
 No momento estamos com 3 peças montadas: o “Tá Limpo!” de coreografia do dançarino alemão Storm; o “Fresta”, que é minha coreografia com direção do Henrique Rodovalho do Grupo Quasar e “A Raiz e o Fruto”, que é coreografia, direção e concepção minha e ainda é inédita. Fizemos apenas um pequeno trecho dela no Teatro Alfa em um evento da Academia Estudio 3.

A Cia foi fundada em 99, hoje tem 13 integrantes oficiais: Eu, Andrezinho, EV, Soneca, , Morgana, Filipe, Jeff, Ramon, Mônika, Casper, Bidu e Celso. Com 5 anos de existência da Cia, penso que conquistamos muito e atingimos nosso objetivo que era levar a dança de rua original ao profissionalismo. Educamos o Brasil sobre o que, quando e como são os estilos Up Rocking, B.Boying, Locking, Popping e Boogalooing, desmistificando o erro chamado Break Dance.

Já fizemos 2 turnês pela Europa, dançamos na Argentina e por todo Brasil e é claro temos muito o que fazer. No momento estou montando uma nova peça chamada “Urbanóides”, que abrange apenas o universo do Robot, Popping e Boogalooing e será apresentada em agosto no teatro da Fiesp na Paulista, nesse mostra de dança também faremos o espetáculo “Tá Limpo!”.

B.F.: Quais as dificuldades de se manter uma Cia de Dança como a Discípulos do Ritmo?
Frank:
É claro que é pura e simplesmente financeira. Precisamos ter nossa sede oficial e os dançarinos precisam de um salário para trabalhar, pois só de cachê ainda não dá para manter a Companhia.

B.F.: Como foi a negociação com os franceses para sua participação no campeonato Le Battle na França?
Frank:
Eu mandei uma fita de vídeo comigo e o Jeff dançando, porque não ia dar para a gente chegar para as eliminatórias, pois nossa agenda de shows lá só começaria em maio (2003) e a eliminatória era em Abril. Eles aceitaram o tape e gostaram muito da nossa técnica e nos colocaram no evento.

B.F.: Você e o Jefinho ficaram em primeiro lugar nessa competição. Quem foram os jurados e qual foi a emoção de ser campeão, representando o Brasil?
Frank:
Foi incrível, eu só acreditei que aquilo estava acontecendo quando eu já estava competindo na final e o DJ tocou “Disconnection” do Isaac Hayes. Foi quando eu me liguei que poderíamos ganhar. Os jurados de Locking foram: Suga Pop dos Electric Boogaloos, Greg Campbellock Jr. dos Originais The Lockers e um dos fundadores do estilo e o Gemini, um grande locker francês.

B.F: Qual a estrutura ideal para uma Cia de Dança e o que as equipes precisam para se profissionalizar?
Frank:
Bem, antes de tudo material humano, grandes dançarinos com talento e disciplina. Um grande conhecimento, principalmente do coreógrafo sobre fundamentos e técnicas das danças, conhecimento musical e um espaço para ensaiar. Isso já é um grande começo. Para se profissionalizar, tem que trabalhar muito, pois tem toda uma parte burocrática, contratos, reuniões e é claro nunca se esqueça que nossa dança ainda tem uma grande rejeição por parte dos teatros, organizadores e curadores de dança.

Romper essa barreira não é fácil, às vezes eu acho que é impossível. Existem algumas Companhias ditas “Dança de Rua” no Brasil, que para facilitar esse processo maquiam a dança de rua original com dança contemporânea para serem aceitos em festivais e teatros pela classe média. É uma pena!

Acho que nossa dança não precisa se fundir com nenhuma outra para ser aceita. Nosso vocabulário de movimentos é infinito e só “analfabetos” de dança de rua precisam de outras fontes para montar seus trabalhos.

B.F.: Dentro do Hip-Hop existem várias formas de dança, quais são e qual a dificuldade de aceitação para o público em geral que está acostumado a falar e entender como “Breakdance”?
Frank
: Como eu disse antes: Up Rock (Brooklin Rock), B.Boying ou B.Girling (Breaking), Locking, Popping e Boogalooing e eu não vejo dificuldade para as pessoas aceitarem esse fato, pois eu danço há 20 anos e se eu pude aprender o correto e recomeçar tudo, todos podem. Basta deixar o orgulho de lado e essa história de que “Eu sou da velha e sei tudo”.

B.F: Espaço aberto para contatos, agradecimentos ou qualquer outra coisa que queira falar.
Frank:
 O contato comigo ou com a Cia é: frankejara@yahoo.com.br
A última coisa que tenho pra falar é: Evoluir é preciso, mas manter a autenticidade é fundamental. Respeite os criadores. Você só dança porque eles foram geniais.

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