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Claudio Silva: os bastidores da ouvidoria policial e o silêncio do Estado

Claudio Silva: os bastidores da ouvidoria policial e o silêncio do Estado

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Durante sua gestão como ouvidor das polícias do Estado de São Paulo, Claudio Silva (Claudinho) foi muito além das formalidades institucionais. Militante do movimento negro e defensor histórico dos direitos humanos, ele enfrentou diretamente o aparato de segurança pública, denunciou injustiças internas nas corporações e mostrou como o sistema penal trata de forma desigual os próprios agentes, a depender de sua posição hierárquica. Em entrevista no podcast Conexão Justiça, Claudinho revelou o cotidiano de pressão, tentativas de cooptação e isolamento institucional a que foi submetido por manter uma postura crítica e independente.

Seu relato desmonta a imagem de uma polícia coesa e unificada. Claudinho foi taxativo ao descrever a divisão interna das corporações: oficiais com privilégios e proteção, e praças tratados como descartáveis. Segundo ele, é no tratamento desigual dentro da própria polícia que se revela o abismo entre discurso e prática. Policiais que enfrentam assédio, adoecimento mental ou que denunciam abusos são muitas vezes silenciados ou demitidos, sem que o Estado lhes ofereça qualquer proteção ou amparo institucional.

Entre os casos que marcaram sua atuação está o assassinato do sargento Rulian, classificado por Claudinho como uma “execução sumária” que permanece impune. O caso simboliza o tratamento distinto dado a oficiais e praças: enquanto o sargento foi morto, o oficial acusado continua em liberdade e chegou a ser promovido. “Existe uma confraria de oficiais que se protege o tempo todo”, afirmou o ex-ouvidor. Sua fala desconstrói a retórica oficial de que a PM “corta na carne”, mostrando que a carne cortada é sempre a mais fraca, a da base da corporação.

Claudinho também criticou a ausência de diálogo com o governador e a cúpula da Secretaria de Segurança Pública. Durante toda sua gestão, jamais foi recebido para uma audiência com o chefe do Executivo estadual. Suas propostas para enfrentar o adoecimento mental e os suicídios entre policiais foram ignoradas. Ao sugerir a criação de um grupo interinstitucional para tratar da saúde mental dos agentes, foi ignorado. Quando a secretaria decidiu agir, criou iniciativas esvaziadas e sem resultados concretos.

A tentativa de institucionalizar uma ouvidoria paralela, nomeada diretamente pelo secretário de segurança pública, é vista por Claudinho como um mecanismo de controle, que esvazia o papel independente da ouvidoria existente há 30 anos. Segundo ele, essa duplicidade fragiliza ainda mais a possibilidade de fiscalização autônoma e transparente do sistema policial, além de gerar confusão sobre qual instância realmente representa a escuta da sociedade.

HIP HOP

O papel do hip hop aparece nesse debate como uma voz que historicamente denunciou a violência do Estado e a seletividade do sistema penal. Mas aqui, ganha outra dimensão: a cultura hip hop, com seu compromisso com a verdade, com a periferia e com os oprimidos, ajuda a sustentar figuras como Claudinho. É no hip hop que se forma uma consciência crítica da juventude negra, que se informa, se organiza e cobra respostas. O grito do microfone encontra eco na denúncia institucional, e a batida pesada das ruas reverbera as injustiças cometidas contra policiais pobres e periféricos, muitas vezes os mesmos que foram influenciados por essa cultura.

No programa, Claudinho também anunciou planos para lançar livros sobre sua experiência e para criar um instituto voltado ao estudo da violência e da segurança pública. Com isso, pretende continuar a luta por justiça e por políticas públicas que levem em conta a complexidade do tema, sem tabu e sem autoritarismo.

O legado de Claudinho Silva na ouvidoria não se limita ao cargo que ocupou. Sua atuação escancarou os mecanismos de invisibilização dentro das próprias corporações e colocou em debate o que significa, de fato, defender direitos humanos: estar ao lado da sociedade, sim, mas também ao lado de policiais vítimas da mesma estrutura excludente que atinge a população negra e periférica. É nesse cruzamento que o hip hop, os movimentos sociais e as trincheiras institucionais se encontram.