Elas No BF | Você sabia que a primeira pessoa do Hip Hop a participar de um ‘reality show’ foi uma mulher?

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Foto de Nair Benedicto, digitalizada do Acervo BF – Janaína e sua filha Lainey com 2 anos

Desde que me aproximei da Cultura Hip Hop, através do Rap, sempre me preocupei em conhecer a história de quem veio antes. Nos últimos anos, muito por conta das redes e plataformas bilionárias, inúmeras histórias são apagadas e/ou invisibilizadas, pois essas mesmas redes e plataformas não conhecem e não reconhecem a caminhada dos/das personagens dessas trajetórias. No início dos anos 2000, quando fui convidado a fazer parte da Equipe do Bocada Forte, encontrei um espaço onde eu mesmo poderia contar essas histórias e deixá-las registradas, em princípio, apenas em textos, depois em fotos e, mais pra frente, em áudio e vídeo.

Contei e continuo contando algumas delas, na medida do possível, do jeito que dá. Fazendo recortes de tantas histórias e personagens, as mulheres são as mais esquecidas, invisibilizadas, ignoradas. Para os mais novos, é como se elas nunca tivessem existido.

Ouça a música “Prece”

Rimando com Jurassic Five no Indie Hip Hop 2005 – Acervo BF

Fico feliz e orgulhoso do trabalho do Bocada Forte, pois sempre foi natural pra nós incluir as mulheres, seja na equipe do site ou nas pautas, sempre com total liberdade para que elas decidam o que querem e como querem. Já conversamos entre nós sobre isso e, provavelmente, sem a colaboração que muitas delas nos deram, não tivéssemos conseguido manter o site atuante por quase 24 anos. Isso até se reflete na maneira que pautamos o conteúdo do site, aritstas machistas e misóginos, que em outros veículos são tratados como “ídolos”, quando descobrimos algum rastro, eles deixam de ser pauta pra nós.

Em relação às letras de músicas, não conseguimos filtrar tudo, mas letras atrasadas, ultrapassadas, que tratam as mulheres com desrespeito não fazem parte das nossas playlists. Infelizmente, se formos pesquisar, boa parte dos Raps e suas vertentes com milhões de plays tem letras desrespeitosas. A maioria dos veículos, que se diz especializada em Hip Hop, prefere o engajamento gerado por falar desses artistas. Assim, passam pano conscientemente.

Ouça a música “Feito nas coxas”

Com DJ Dandan (Cassiano Sena) na festa de 01 ano da Central Acústica, na Sala Real em SP – Acervo BF

O apagamento da história das mulheres no Hip Hop é universal, tenho conversado muito com meu parceiro DJ Cortecertu sobre as pesquisas que faço nesse sentido. A cada dia vou descobrindo novas histórias de mulheres em todos os elementos da cultura, na produção, administração de carreiras, assessorias e por ai vai. Para o dia de hoje, o plano era fazer uma matéria falando de algumas delas nas mais diversas áreas que hoje a Cultura Hip Hop está presente, mas não foi possível. Os corres da vida real adulta não estão fáceis, além de todas as nossas responsabilidades pessoais, temos um site pra manter vivo por pelo menos mais um ano.

Por acaso, no dia 07 de março, vi uma postagem no Instagram do Bocada Forte e foi o “gatilho” para conseguir um tempo para falar de ao menos uma delas, que com certeza todas que conhecem se sentirão representadas. Falo de Janaína Teodoro (dos Santos, eu deixo aqui entre parenteses, se estiver errado ela me corrija por favor), que ficou conhecida na Cultura Hip Hop como Nina Brown e hoje é uma sacerdotisa, pedagoga, poeta, ativista conhecida como Ìyálorisa Omilade . Nas redes sociais, também utiliza o nome Yemojazz. Já falamos sobre ela antes, citamos algumas vezes em postagens nas nossas redes e tocamos músicas suas em nossas lives.

Soul Sisters – Foto de Nair Benedicto, digitalizada do Acervo BF

Em 05 de julho de 2000, a jovem Janaína era uma das 4 mulheres, que com mais 4 homens, estreavam o reality show ‘MTV 20 e Poucos Anos’. Ela era a representante negra e periférica do programa e já fazia parte da Cultura Hip Hop, ela dançava e algumas apresentações eram com as Soul Sisters, grupo apenas com mulheres que foi formado na Casa do Hip Hop de Diadema. O programa tinha um formato dinâmico, onde os participantes eram filmados no seu dia-a-dia e em alguns momentos se reuniam pra trocar ideias, debater assuntos e confrontar suas realidades. Havia também os momentos de trocas de vivências, onde eles visitavam os territórios e ambientes que cada um vivia.

Ela participou da primeira temporada, na segunda, teve mais um representante do Hip Hop, Hébano, do Potencial 3 . Na terceira e última, tinha o DJ Will DB ou Will Deep, mas não me lembro de um participante que fosse do Hip Hop nessa edição.

Por conta da sua paixão por James Brown e por ter conseguido subir no palco e dançar com ele no show de 1999, em São Paulo, a música “I feel good”, passou a ser conhecida como Nina Brown.

Já faz tempo que a artista não usa esse apelido, pois quando Nina teve mais informações sobre o ídolo e suas atitudes machistas e violentas, resolveu não mais usar. Esse posicionamento já diz muito sobre a ativista.

Nessa época, a Casa do Hip Hop de Diadema tinha muitas mulheres com posicões e atitudes firmes, já falei aqui sobre outras frequentadoras desse período, que inclusive são referências pra mim na comunicação (leia aqui).

Parte da folha com os grupos do Concurso RH2C – Acervo BF

Não foi apenas na dança que Nina Brown se destacou, ela foi uma das fundadoras da Zulu Nation Brasil e fez parte da RH2C (Rapaziada Hip Hop do Campanário). Eu já tive um grupo de Rap e participei de um concurso da RH2C, tenho o papel desse concurso até hoje, o registro  tem o contato de uma “Janaína”, nunca confirmei, mas acredito que seja Nina. Liguei muito pra esse número na época. Ela rimou no Produtto Paralelo e também em carreira solo, os registros que temos no Acervo estão no álbum ‘Bruce Slim Beats – Arte de Sampelar’ e também em uma coletânea do Projeto Hip Hop Mulher chamada ‘Realidades’ (2008). Se não bastasse tudo isso, ela também fez parte da Ala de Compositores de umas das Escolas de Samba mais tradicionais de São Paulo, a Camisa Verde e Branco.

Cartaz do Hip Hop no Monte III, evento do Bocada Forte, que as Soul Sisters participaram – Acervo BF

Esse é só um pequeno recorte sobre uma das mulheres relevantes para a história do Hip Hop brasileiro. Eu tive o privilégio de conhecer muitas delas, não apenas de São Paulo, algumas que inclusive não estão mais entre nós. No Bocada Forte, nós temos muitas ideias e pautas que infelizmente não conseguimos colocar em prática como gostaríamos, mas vamos fazendo na medida do possível. As músicas que citei e os episódios do programa estão neste post.  Vou deixar as redes sociais da Ìyálorisa Omilade e agradeço por nos autorizar a relembrar esse momento. Atualmente, Nina segue muito atuante na sua religião, na luta em defesa das religiões de matriz africanas, no feminismo, na luta antirracista e sempre atenta a pautas políticas, raciais e sociais.

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Aproveito para deixar aqui também um programa muito importante que foi transmitido nos canais do Bocada Forte durante a pandemia, que é sem dúvida um dos mais diversos, inclusivos e criativos de toda nossa história, o Programa Orunmilá. Ele foi idealizado, produzido e apresentado apenas por mulheres, são elas: Luciénè CortesÉrica Bastos e Gisele Moura, na criação da vinheta Gabriella Maciosek. Na linha de frente só ficaram mulheres, a arte utilizada foi feita por Breno Loeser e os homens do BF ficaram na transmissão, criação de flyers, divulgação. A música da vinheta foi produzida por Cortecertu.

Confira todas as edições do Orunmilá

Por último e também importante, criamos uma campanha para manter o site funcionando, recuperar e melhorar equipamentos, preservar e também digitalizar nosso acervo. Nesse momento não temos nenhum patrocínio, parceria ou apoio financeiro fixo e recorrente. Queremos continuar registrando e contando histórias com muito mais frequência, portanto se você puder colabore com a gente. Se não puder ajudar financeiramente, compartilhe os nossos links, siga nossos canais, acompanhe as lives e apresente o Bocada Forte para quem ainda não conhece. Com muita luta e resistência estamos desde 1999 no mesmo endereço e somos o único veículo de comunicação do Hip Hop com quase 24 anos em atividade, a serem completados em maio desse ano. As contribuições são mensais e podem ser de apenas R$ 1,00.

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Todas as imagens utilizadas fazem parte do ACERVO BF e as que não são nossas estão creditadas, mas foram digitalizadas de revistas ou jornais que também fazem parte do acervo material do Bocada Forte.

Quem tiver interesse, relembre ou conheça o ‘MTV 20 e Poucos Anos’

 

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