Como blogueiro e escritor, Jeff Ferreira mostra os sons do Submundo

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É de Jaguariúna, que desde 2014, Jeff Ferreira, editor do blog Submundo do Som, manda reportagens, entrevistas, elabora podcasts e registra parte da história do Rap brasileiro e da cena underground da música nacional. Autor dos livros ‘Manguebit a Revolução da Lama’ (2012), ‘Submundo do Som Entrevistas – Ano Um’ (2017) e ‘30 Anos do Disco Hip Hop Cultura de Rua’ (2018), Jeff falou com o Bocada Forte sobre seu início na comunicação do Hip Hop e sua veia política.

“A minha casa, durante muitos anos, funcionou como um Centro Cultural descentralizado na cidade de Jaguariúna, na área periférica do bairro Cruzeiro do Sul, ali funcionava cursos de desenho, Graffiti, oficina de poesia, criação de beats, time de futebol, e um local de pesquisa, tinha muitos discos que não eram comuns, muitos CDR com MP3 e livros sobre política, tinha grupos de estudo e debate sobre diferentes temas. Che Guevara, Revolução Cubana, MST e as FARC-EP eram objetos de estudo e fascínio”, diz o escritor.

Leia a íntegra da ideia que Jeff mandou:

Livros de Jeff Ferreira, escritor e editor do Submundo do Som. (Foto: Divulgação)

Bocada Forte: Fale sobre seus livros?

Jeff Ferreira: Foram três livros: ‘Manguebit a Revolução da Lama’, de 2012, com segunda edição em 2019, livro documentário sobre a movimentação do mangue criado por Chico Science na primeira metade dos anos 90. ‘Submundo do Som Entrevistas – Ano Um’, de 2017, que reúne as primeiras entrevistas que fiz para o blog, entre 2014 e 2017. Por fim, o livro ’30 Anos do Disco Hip Hop Cultura de Rua’, que conta a história e bastidores desse que foi o primeiro LP de Hip Hop do Brasil. Para 2020, se tudo correr bem, vai sair uma biografia de um importante grupo do Rap nacional!

BF: Você aborda muita coisa além do rap e do hip hop. Qual sua formação cultural? Como tudo isso se deu?

Jeff: Minha formação acadêmica é em engenharia, me formei pelo PROUNI, em 2013. É um curso de exatas que foge dessa estética da música. Desde pequeno eu era ligado na cultura, em princípio com desenho, gostava muito de HQ e reproduzia os personagens dos quadrinhos, daí fui pro graffiti, mas pouco pintei em muros, era mais no papel. Na oitava série, veio o skate e junto o rap, punk rock e hardcore.

Antes curtia muito o rock nacional e a MPB, cresci apaixonado por Raul Seixas e sua poesia, tinha coleção de K7 do Raul. Quando veio essa fase do rap, conheci o programa Espaço Rap, e aí veio a paixão pelo rádio, e fui conhecendo outros programas também. Em casa tinha um [aparelho de som ] 3 em 1, e com um microfone, eu fazia meus “programas de rádio” – além de tentar gravar uns rap, com um grupo que nunca decolou, o Guerrilha Verbal, fazendo beat cortando as K7 na gilete pra fazer o loop (risos). Então toda essa vivência foi me construindo como uma pessoa ligada à música. Um detalhe, a minha casa, durante muitos anos, funcionou como um Centro Cultural descentralizado na cidade de Jaguariúna, na área periférica do bairro Cruzeiro do Sul, ali funcionava cursos de desenho, graffiti, oficina de poesia, criação de beats, time de futebol, e um local de pesquisa, tinha muitos discos que não eram comuns, muitos CDR com MP3 e livros sobre política, tinha grupos de estudo e debate sobre diferentes temas. Che Guevara, Revolução Cubana, MST e as FARC-EP eram objetos de estudo e fascínio.

BF: Então sua formação cultural se desenvolveu entre a metade da década 90 e os anos 2000?

Jeff: Exatamente, o desenho vem desde a infância, assim como a paixão pelo rock, mas a gente começa a fazer as conexões e saber o que realmente são as coisas e como elas se relacionam com a sociedade ali por volta de 2001/2002, no finalzinho do ensino fundamental. Em uma das minhas participações no Bocada Forte, na coluna “O Som É”, até conto um pouco dessa história. Na oitava série, uma professora de geografia pediu para levar CDs com músicas de temas sociais, e um colega levou o CD do Face da Morte, aquilo mexeu bastante comigo.

Jeff Ferreira, escritor e editor do Submundo do Som. (Foto: Divulgação)

BF: E como surgiu a ideia de editar o Submundo do Som?

Jeff: Dois fatores foram cruciais, um foi um show do Charlie Brown Jr, que fui aqui pelo interior, Chorão cantou “Manguetown”, do Chico Science. Eu não conhecia a música e nem a banda. Isso me hipnotizou, assim que cheguei em casa fui, pesquisar sobre a Nação Zumbi, e fui apresentado a muitas informações, que comecei a organizar e aí nasceu o livro do Manguebit. Desse processo, também veio a entrevista com Gilmar Bolla 8, ex-percussionista da Nação, e um dos fundadores da banda.

Em paralelo, eu conhecia muitas bandas que meus amigos não conhecia, e queria que mais gente conhecesse para podermos falar delas. Tipo o F.UR.T.O., do Marcelo Yuka, que era conhecido pelo O Rappa, mas não por esse projeto. Para fazer mais pessoas conhecer, escrevi um texto sobre o disco dele, o “Sangueaudiência”, a ideia era mandar por e-mail para as pessoas, mas depois resolvi criar um site, sem conhecimento nenhum de web e nem de linhas editoriais, só queria postar esse texto e fazer outros. Assim como a entrevista com Bolla 8, que estava ali disponível, também a postei e fui atrás de outras.

Eu tinha como referências o Bocada Forte, Noticiário Periférico e o Zona Suburbana, sites que, mais tarde, tive a oportunidade de contribuir. O nome Submundo do Som vem dessa questão de trabalhar com álbuns desconhecidos do grande público, discos do underground, do submundo da música.

BF: O submundo aborda também o rap da América do Sul. Algo pouco explorado pelos blogs daqui. Fale um pouco sobre essa parada.

Jeff: Durante essa minha formação cultural, e principalmente por estudar a revolução cubana e a América Latina, lia muito material em espanhol, mesmo sem ser um perito no idioma. Nessa época, o grupo cubano Orishas estava acenando para o Brasil com alguns shows, me encantei com a musicalidade e discografia deles, mesmo sabendo que algumas letras eram críticas a Fidel, mas a mistura de salsa e rap achei muito da hora, fui buscar outros grupos pela internet e não achei quase nada, nem da Argentina, nem do Paraguai etc. O que tinha era um site das FARC que falava sobre a parte cultural dos guerrilheiros e tinha muitos MP3 para download de músicas feitas no acampamento.

Na época do MSN, tentei contato com vários latinos, mas não conseguia pesquisar sobre a música, sobretudo o rap em outros países, por falta de informações. Dez anos depois, resolvi juntar essas informações e publicá-las no Brasil, no Submundo. Hoje está um pouco mais fácil, já têm informações e pessoas que trabalham seriamente para preservar a música em seu país, mas, se comparado ao Brasil, países como Chile, Argentina ou México não têm uma variedade de blogs como aqui. Os brasileiros devem ficar felizes por termos Bocada Forte, RAPresentando, Noticiário Periférico, Hip Hop Sem Maquiagem e Oganpazan, por exemplo, que estão ajudando a contar a história do Hip Hop.

Jeff Ferreira, escritor e editor do Submundo do Som. (Foto: Divulgação)


BF: Além do Submundo do Som, você elabora podcast? Como é essa parada?

Jeff: Quando comecei o site, queria algo multimídia, a paixão pela rádio e algumas ideias fizeram nascer “O Pendrive do Jeffão”, uma cópia do quadro “O Baú do Hood”, que o Rappin Hood apresentava na 105 FM, ali eu queria apresentar músicas e falar sobre elas. Essa experiência derivou no “Consciência Brasileira”, mas também foi embrião para esse lance de podcast, que eu nem sabia o que era, mas os primeiros [planos] eram no sentido de trazer um convidado para falar de música e comentar algum som, o porque ele é especial para aquela pessoa.

Depois virou o “Submundo do Som Entrevista”, bate-papos em áudio para falar da carreira e obra do entrevistado. Também surgiu o “Conexão Latina”, um programa pra tocar e falar de música da América Latina, e todo episódio trazia um convidado de fora do país para um salve, e um quadro comandado pelo Bob RapLV com dicas de cinema latino.

Um dia me deu um estalo, e em uma hora depois desde o nascimento da ideia, o “PUNKADA” tava no ar, um programa de meia hora, mais descontraído para falar do punk rock e afins, esse ganhou uma projeção bem rápida no meio da cena, pois muitos sentiam carente de algo assim. Nesse ano surgiu o “União 019”, um programa de rap para falar sobre os grupos e artistas da região de Campinas, mas com a pandemia, tudo se encontra em stand by, a não ser o “Consciência Brasileira” e eventualmente alguma entrevista para esse projeto em áudio do Submundo do Som.

Muitos acham que os blogueiros são “Sherlock” ou tem bola de cristal e sabem de todos lançamentos da cena, e aí vem os posts ofensivos do tipo: “fiz um puta som e as mídias de rap não divulgam, só gostam de fofoca”, quando na real as mídias de fofoca são uma minoria irrisória e as demais fazem um trabalho sério

BF: Com tantas atividades em prol da cena alternativa, como vc vê a falta de valorização dos artistas em relação aos blogs?

Jeff: É uma relação que muitas vezes é injusta com o árduo trabalho de quem está por trás dos blogs. Um blogueiro passa um tempinho pesquisando, escrevendo e editando material, quando lança a matéria o artista citado pouco se interessa, claro que isso não é um comportamento unânime, mas tem muito disso, agora quando o veículo é uma grande revista, muitas vezes até de fora do Hip Hop, os artistas se abrem.

É um jogo de interesses, mas quem está escrevendo, registrando a história do rap no Brasil são os blogs. Nesse exemplo citei artistas mais consagrados na cena, mas no underground também rola umas paradas, do tipo o cara vê a matéria dele e só dá um like, quando não nem isso, e não entende a importância de comentar e compartilhar aquilo, de seguir o perfil do blog, mas do mesmo modo ele pede essas coisas para o público dele, então se é importante para um artista é importante para um site.

Outro ponto importante é os artistas que não se profissionalizaram e não evoluíram no trato com a imprensa. Falo sobre elaborar um release e dividir com os blogs seus planos para o futuro. Muitos acham que os blogueiros são “Sherlock” ou tem bola de cristal e sabem de todos lançamentos da cena, e aí vem os posts ofensivos do tipo: “fiz um puta som e as mídias de rap não divulgam, só gostam de fofoca”, quando na real as mídias de fofoca são uma minoria irrisória e as demais fazem um trabalho sério. Então pensando nisso fiz um material para os artistas que estão começando, um e-book de como um artista pode se comunicar com os blogs, inclusive dando um overview de como se construir um release.

Jeff Ferreira, escritor e editor do Submundo do Som. (Foto: Divulgação)

BF: Recentemente, o Noticiário Periférico sofreu um ataque por causa de seu posicionamento político. Pela sua formação cultural e seus textos, sua posição vai ao encontro do NP. Na cena também existe uma ideia de que o rap não tem cor e que o hip hop não é nem de esquerda e nem de direita. Fale sobre todas essas paradas.

Jeff: Os manos do NP são incríveis, tanto o Hebreu como a Ana sempre foram referências. Em 2019, fizemos uma coletânea juntos: “RAPstência: Rap e Política Não Se Misturam”, esse subtítulo é uma ironia e veio por causa dos comentários que os sites recebiam, do tipo: “Gostava mais de vocês quando falavam só de rap e não misturavam com política”.

Infelizmente uma galera ouviu rap a vida toda, mas não absorveu as letras. Diferente de qualquer outro gênero atual, o rap é uma música de protesto e denúncia, mesmo o rap mais dançante. E o mais importante é que é elemento de uma cultura, essa é essencialmente negra, firmada pela música negra, como funk, soul, disco, blues e rock, apesar de ter origem na Jamaica e desenvolvimento nos EUA, suas raízes remetem ao continente africano.

O branco no rap tem que chegar devagar e com respeito, baixar um pouco a bola e, acima de tudo, entender da história da música. O rap dos anos 90 falava de racismo, mas pregava a igualdade racial, isso foi importante, mas o discurso na década de 2010 foi mais contundente, de reparação histórica, de empoderamento negro. E ver os pretos assim incomoda muita gente, aí vem absurdos como o “racismo reverso” ou o “rap de direita”.

Na era em que vivemos, as pessoas mal se informam por memes, alguns criam fake news para desmoralizar o fascista na cadeira da presidência e a esquerda cai e sai compartilhando, sem checar a veracidade

BF: Como você encara essa época de pós-verdade e império das fake news que influenciam as pessoas e, como não poderia deixar de ser, também domina a mente de muitos integrantes do hip hop?

Jeff: Um vez tive uma surpresa, Black Alien me ligava sobre uma entrevista que ele viu no Submundo, ali o entrevistado falava da pessoa dele, porém de forma fantasiosa, a conversa foi bem bacana e dela aprendi a ser mais cauteloso e duvidar mais das fontes.

O trabalho dos blogs é falar de pessoas, na verdade da obra das pessoas, mas citamos muitos nomes e é de extrema importância que essas informações estejam corretas, isso falando o nome de um produtor ou de um instrumentista. No que se diz respeito a outras informações que podem influenciar na conduta e opinião das pessoas, temos uma responsabilidade imensa.

Na era em que vivemos, as pessoas mal se informam por memes, alguns criam fake news para desmoralizar o fascista na cadeira da presidência e a esquerda cai e sai compartilhando, sem checar a veracidade. Se caímos numa armadilha simples, o que dirá na arquitetura de um plano conciso para reaver princípios básicos de democracia?

O Hip Hop também precisa voltar para sua base, ler mais, deixar os memes apenas para o campo da descontração e fazermos autocrítica e questionar a tudo e todos. O “fenômeno” Bozo fez com que pensássemos que qualquer um é melhor que ele, e muitos manos repetiram discursos de pessoas de direita, que sempre se aliaram às elites e à classe mais abastada. Em resumo temos que saber fazer a leitura, o Brasil está vivendo uma distopia e todo dia vem uma notícia nova e esquecemos o debate sobre a anterior.

Os 39 kg de cocaína no avião da FAB é coisa do passado, já esquecemos, e não podemos esquecer, temos que cobrar, aconteceram casos lamentáveis como de George Floyd e do garoto Miguel recentemente, além do fascismo sendo instalado como um modus operandi, inclusive criminalizando antifas…o momento de revidar é agora, não podemos fazer esses casos caírem em esquecimento, como tudo que aconteceu antes. É se importar com o que realmente importa, e não perder tempo com as fake news e memes desinteressantes.

Seria importante artistas ajudarem os blogs, sejam com verba ou com uma vigília para que isso não aconteça. O fato é que percebemos que o desgoverno é mimado e vaidoso. Os sites falam de músicas de resistência, que criticam essas engrenagens, então esses dois pontos podem se cruzar

BF: O que você acha da crescente desvalorização dos veículos de comunicação e seus profissionais? Toda essa situação de descrédito pode prejudicar ainda mais a mídia alternativa?

Jeff: A mídia como um todo está desvalorizada, o atual governo só acredita em criadores de conteúdo que conhecem de perto, como na ditadura militar ou no livro 1984. Isso se traduz para a população que não confia nos noticiários, como vemos nessa situação da Covid-19, muitos são descrentes da doença e do vírus, mas compartilham as fake news de WhatsApp.

Indo para se mídias alternativas, vejo que censura pode rolar. Uma palavra chave tipo “antifa” pode ser usada em um algoritmo que pode buscar páginas com esse termo e derrubar o site, é o “AI-5 2.0”, nossos sites e blogs, creio eu, que não têm investimento em segurança digital, contra ataques dessa natureza, pois nunca imaginamos precisar disso, e muitos como eu não sabe nem como se precaver.

Seria importante artistas ajudarem os blogs, sejam com verba ou com uma vigília para que isso não aconteça. O fato é que percebemos que o desgoverno é mimado e vaidoso. Os sites falam de músicas de resistência, que criticam essas engrenagens, então esses dois pontos podem se cruzar e devemos estar preparados, pois se os sites independentes caem, quem resgistrará a história do hip hop como viemos fazendo esses anos?

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