“O que a gente não pode é ficar só reclamando”

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Grupo da Baixada Fluminense conquista reconhecimento dando novos usos para a  fórmula arte+ativismo

Por: Fábio Emecê
Fotos: Divulgação

Mais uma entrevista na pista, desta vez de um grupo da Baixada Fluminense (RJ), mais precisamente de Nova Iguaçu. Oriundo do Movimento Enraizados, o #COMBOIO aparece na cena, no Rio e no Mundo fazendo aquele barulho, típico dos pretos em movimento. Dudu de Morro Agudo, Marcão Baixada e Léo da Treze são artistas que mesclam ativismo  e arte urbana. Confere aí o que os manos têm a dizer.

Bocada Forte: O #ComboIO traz a ideia de um grupo de pessoas com um objetivo comum. Dentro daquilo que vocês pensaram quando se juntaram pra fazer o que fazem, o que conseguiram até agora, superaram as expectativas? Marcão Baixada: Pra mim, [o grupo] superou as expectativas, porque o objetivo do #ComboIO era ser uma agência pra artistas com trabalho solo, e quando nos apresentássemos juntos, funcionaria como um showcase da agência, só que aí todos passaram a nos enxergar como um grupo, então se éramos um grupo novo, tínhamos que fazer nosso nome na cena local. Fizemos pouco mais de 3 shows e recebemos convites pra grandes eventos como a Rio+20 e o Favela Toma Conta, em São Paulo, ao lado de Dexter e Emicida. No passar desses anos de atuação e conquistas, nossa história diária tá sendo realmente de superação.

Dudu de Morro Agudo: Então cara, o #ComboIO nasceu de uma outra ideia, parte da ideia continuou na essência do grupo, que é que todos os integrantes têm carreira solo. O grupo não pesa, é um organismo vivo, se adapta a várias realidades e consegue ser ainda maior do que a soma de nossas partes, pois só utiliza o que cada um tem de melhor pra oferecer. Nesses três anos juntos conseguimos visibilidade e respeito que agregaram valor às nossas carreiras solo. Com essa viagem pra MIAMI, já são duas viagens internacionais do grupo, sendo que em 2014 nós quase não atuamos. Então a resposta é sim: Superou todas as minhas expectativas.

Leo da Treze: Eu sempre quis fazer parte de um grupo de rap, acho que pelo fato de um grupo somar energias e ideias totalmente diferentes. Quando o #ComboIO surgiu, eu não fazia ideia de como iria ser e como nós juntos iríamos atuar, a parte boa é que cada um dos integrantes já tinha trabalhos solo e muito bem executados. O #ComboIO se destaca por ser uma junção de gerações. Cada um leva uma mensagem particular dentro do grupo, quem ouve sabe identificar essa mistura. Às vezes parece que estamos apenas iniciando um trabalho novo, mas essa ideia de grupo já existe dentro de nós a anos. Acho que agora o grupo está pegando, pois fizemos e chegamos muito longe, e sei que daqui pra frente ou a galera se junta ou só assiste. Estamos focados numa parada que vai nos levar onde muitos gostariam de chegar, mas é necessário muito amor e respeito pelo trabalho.

Bocada Forte: Algum de vocês poderia dizer o que foram fazer especificamente na Europa e em Miami? O que vocês viram nesses lugares que a gente precisa aprender e o que podemos passar para cena desses lugares? Marcão Baixada: Na Europa, fizemos uma turnê pelo norte da França, mais precisamente na cidade de Nancy, passamos por dois festivais e uma casa de shows. Além disso, devido ao nosso trabalho com o Enraizados, fomos convidados a ministrar workshops em casas de cultura com crianças e adolescentes, e também visitamos escolas. Em Miami, fomos participar da final do Take Back the Mic, que foi uma “copa do mundo do Hip-Hop” promovida pela plataforma Amp.itUma das coisas que percebi na Europa, é que as questões de gênero são trabalhadas desde muito cedo. Em uma escola em que visitamos, os meninos e meninas fazem uso do mesmo banheiro, criando assim uma cultura de respeito e tolerância entre os sexos desde cedo, onde ambos possam ocupar e usufruir dos mesmos espaços sem nenhum tipo de desconforto, descontentamento ou maldade.

Dudu de Morro Agudo: Algumas coisas me chamaram muito a atenção quando estive na França. A primeira foi a maneira que o governo lidava com os cidadãos. Aqui no Brasil eu vivia (e vivo) um perrengue para manter o Enraizados, pois escrever um projeto e defender suas ideias e ideais se tornou uma profissão rentável destinada a poucos iluminados. E estranhei que lá, pelo menos na cidade onde visitei, os jovens, por exemplo, defendiam suas ideias oralmente para uma banca. Se a ideia fosse boa – e verdadeira – os caras obtinham os recursos necessários para seu projeto. Por um outro lado, aqui no Brasil as instituições e grupos organizados tem mais liberdade, são mais independentes, já lá eles dependem 100% do governo, inclusive no horário de funcionamento do espaço onde estão instalados. Em Miami, o que me chamou a atenção, mesmo que superficialmente, foi a qualidade dos equipamentos culturais.

Léo da Treze: Na França,  o que me chamou muito atenção foi a mistura de etnias, percebi que nas ruas esbarrávamos com africanos, muçulmanos, brasileiros e etc. Também percebi que a estrutura da cidade é bem valorizada pelo governo . As ruas de Nancy, que é considerada uma periferia, pareciam as da zona sul do Rio de Janeiro). Em Miami, o que me deixou bastante impressionado é a condição de vida que eles levam, parece que todo mundo é projetado pra gastar bem o dinheiro e ninguém é melhor que ninguém, até mesmo porque as condições sociais não abalam muito as pessoas, o lugar é magico demais, as pessoas são receptivas e o calor humano é igual daqui do brasil.

Bocada – Forte: Falem mais sobre o “Take Back The Mic”. Como foi essa experiência, e ainda ganhar o prêmio principal? Digam como foi todo esse processo e o que significa pra cada um esse prêmio?

Dudu de Morro Agudo: O Take Back The Mic é uma competição mundial de hip hop organizada por uma start up de tecnologia chamada Amp.It. Fiquei sabendo através de uma amiga, produtora cultural aqui do Rio de Janeiro, que me pediu ajuda para divulgar a competição. Comecei a olhar a plataforma e achei interessante, então falei com os outros componentes do grupo e a equipe da Hulle Brasil a respeito. Todo mundo topou participar, mas ninguém estava acreditando muito porque faltavam apenas três dias para terminarem as inscrições. Foi tudo muito rápido, a nossa música sendo ouvida no mundo todo e por conta disso entramos na lista dos 09 grupos que iriam disputar a semi-final. A equipe do Take Back The Mic veio aqui em Morro Agudo para gravar imagens da galera. Dias depois veio a notícia de que iríamos para Miami disputar a grande final. Aí começaram as correrias para renovar passaporte e tentar o visto. O tempo era muito curto e qualquer coisa que desse errado inviabilizaria a nossa viagem, mas graças a Deus deu tudo certo. Derrepente chega a notícia de que o DJ Maseo (De La Soul) seria o DJ do #ComboIO em Miami. Tudo acontecendo assim, as informações chegando aos poucos, mas cada uma delas era mais emocionante que a outra. Quando chegamos em Miami a nossa ideia era aproveitar ao máximo, trocar ideias, abrir portas. Não sabíamos dos outros critérios. Sendo assim relaxamos, curtimos e fizemos o show de forma extrovertida. Tenho que confessar que a competição não era nosso principal foco. Mas quando a notícia do primeiro lugar veio, fiquei muito feliz e não tinha ideia da tamanha repercussão que isso geraria no Brasil. Em vários setores da sociedade. Talvez se eu soubesse disso tudo antes de ganhar, minha reação fosse diferente durante o processo. Tenho certeza que esse foi o acontecimento mais importante da minha vida profissional.

Marcão Baixada: Cara, a experiência do Take Back the Mic foi algo que fluiu naturalmente, saca? A gente não viu como uma competição, até porque só tinha amigos participando nas fases classificatórias e, na final, ao chegarmos em Miami, fizemos amizade e nos identificamos com todos os outros artistas. O cara que criou a competição é o Derrick Ashong, um homem preto, de Gana que hoje vive nos EUA e já atuou em filme do Spielberg. Ashong produziu e apresentou programas na NBC e na HBO, tem vídeo da Oprah, entrevistando o cara. Poder conhecer um cara como ele é inspirador e motivacional pra mim. Me mostra novos horizontes para nós, homens e mulheres pretxs e isso resume justamente o que o prêmio significou pra mim: um novo horizonte, uma meta maior de poder realizar meus sonhos fazendo uma determinada coisa do jeito que eu acredito ser o certo pra mim.

Léo da Treze: Participar da Tack Back The Mic foi um avanço inesperado na nossa carreira. Acredito que nenhum de nós tinha noção da projeção que a parada tá nos dando. Chegando em Miami e tendo contato os outros competidores e também os organizadores do concurso eu vi que a parada é foda demais. Pela primeira vez eu vi união dentro do hip hop. Geral buscando se divertir, trocar informação, um ajudando o outro. Por vários momentos esquecemos que estávamos competindo. O Derrick é um cara que vou admirar pelo resto da minha vida, porque é muito foda no que faz e nos tratou como parte da família dele, deu rolé, ficou bem à vontade com a nossa presença, sempre sorrindo e buscando passar uma boa sensação de que tudo tava em ordem. A Tack Back The Mic mudou minha forma de pensar e quero continuar falando disso por bastante tempo. IMG_0380 Bocada Forte: Bom, conheço o Dudu e o Léo há um tempo, acompanhei o que vocês fizeram com o Enraizados. Talvez, o maior e significativa feito do Enraizados é o Marcão Baixada? Partindo desse prêmio que vocês ganharam em Miami, vocês têm uma avaliação do que o Enraizados representa na Baixada Fluminense?

Dudu de Morro Agudo: Não sei dizer se o Marcão Baixada é o maior feito do Enraizados, acho que o Enraizados tem uma função bem maior do que formar artistas e acho também que injusto atribuir ao Enraizados tudo o que ele conquistou e conquista até hoje. Isso é sem dúvidas fruto do trabalho, talento e insistência dele, pois a mesma oportunidade que ele teve na organização, outros caras também tiveram, alguns desistiram e outros ainda estão aí, trilhando caminhos de sucesso também. O Léo da XIII vejo pelo mesmo viés, assim como o Petter e vários outros, vai ser difícil ter outros iguais, mas cada um tem seu tempo de se descobrir e se desenvolver. Essa viagem para Miami serviu para mostrar a importância do Enraizados para a juventude. A visibilidade foi importante para o poder público municipal entender e reconhecer que tem uma joia como o Enraizados na cidade. Mas independente do apoio do poder público, o bonde continua andando, porque o que a gente faz é orgânico, quando o dinheiro entra apenas potencializa, amplifica. É tipo jogar gasolina na faísca.

Marcão Baixada: O Enraizados como movimento sempre teve grande força e aceitação por parte do público, não é à toa que temos adeptos em todos os estados brasileiros e quase 15 países. Enquanto instituição, dialogávamos muito com o Governo Federal e em outras gestões do município de Nova Iguaçu, mas nunca tivemos relação tão próxima com o governo do Estado e nosso diálogo com o governo municipal também não estava tão ativo. Essa viagem e a conquista do TBTM está representando pra nós uma oportunidade de manter o funcionamento pleno do Enraizados, chamar a atenção dos poderes público e privado que isso aqui tem uma importância, e que se a semente já foi plantada, precisamos regá-la pra que tantos outros como eu, Petter MC, o grafiteiro Babu, o DJ Léo, Einstein MC, possam ter a oportunidade de passar pela instituição e ter uma visão diferente de mundo, de si mesmo pra que passe pelo processo de revolução interna.

11196221_771813379599400_9000688877235535251_n Bocada Forte: Vocês rodam o Rio, o Brasil e, aos poucos, estão rodando o Mundo. O que vocês apontam como artistas interessantes no hip hop atual? Léo da Treze: Átomo; Kall Fator Baixada; Kapella; Einstein Mc; Sensato Du-Etos; WSO; Jamall Dubeco; Deco Rappista; Negra Rê; Papo Reto e por ai vai…

Marcão Baixada: Cara, tenho escutado pouco rap, na verdade música em geral, naquela vibe de parar, degustar e tal, comparado há uns tempos atrás. Muito pouco. Mas tem uma galera muito boa que sempre tiro tempo pra colocar na playlist ou ao vivo. Aqui no Rio tem os manos do Antiéticos, Nectar Gang e Carta Na Manga que estão quebrando tudo, em SP tem o EloyPolemico,  também tem o TAVN, do Espírito Santo, que tá fazendo um barulho maneiro. Nos EUA, tem meus manos do Famsquadilliana que não param, sempre lançado parada nova. E quem chamou minha atenção recentemente foi o Boogie, lá de Compton, que está explodindo com o single “Oh My”. Essa ascensão do Kendrick Lamar está colocando Compton novamente no mapa, então boto fé que virá uma rapaziada maneira daquela parte de Los Angeles.

Dudu de Morro Agudo: Ouço pouco rap, não sou tão antenado como o Marcão Baixada. Na minha playlist rola o disco do Einstein MC todos os dias. O disco ainda não foi lançado, está em uma negociação para ser lançado pela Hulle Brasil, mas acredito que é sucesso garantido, o moleque é muito bom. De restante ouço o de sempre: WSO, Dmauá, Kapella, Slow da BF. Da gringa ouço o Kendrick e agora a galera da Crew Peligrosos, da Colômbia, e a Italee, da Jamaica.

Bocada Forte: O Rio de Janeiro tem tido um movimento promissor com relação ao hip hop. Como enxergam isso e o que fazer para que as pessoas da cultura recebam o bônus disso e não ao contrário?
Léo da Treze:
Acredito que levamos nosso trabalho a sério, e isso faz com que o público se identifique, não é mais necessário lutar pra conseguir espaço, porque a parada está muito forte em vários lugares, tem a geração nova chegando e tem os antigos na resistência. Na minha opinião, não luto pelo movimento hip hop, estamos além disso, e por isso sempre surge o que há de melhor em cada um de nós, através da música ou através de qualquer outra função que o hip hop proporciona.

Dudu de Morro Agudo: Há muitos anos eu ouço dizer que esse é o ano do rap. Vi o rap se reinventar diversas vezes e percebi que existem diferentes vertentes dentro do próprio rap. Acompanho de longe a movimentação dos outros elementos nessa mesma linha. O grande problema é que se o hip hop acompanhar a evolução das outras expressões artísticas, corre o risco de encarar os mesmos problemas, que envolvem justamente a apropriação da cultura por oportunistas que não tem relação com esse movimento, mas tem articulação o suficiente para colocar o hip hop na TV, rádio, jornais, revistas, grandes casas de shows e eventos. Sua pergunta é difícil de responder. Não há uma solução única e precisa para que a cultura hip hop cresça mais, sem sofrer uma apropriação indevida “aos nossos olhos”. Faz parte do jogo. As pessoas do hip hop têm de estar preparadas para essa nova fase.

Marcão Baixada: Cara, apesar do rap no Rio de Janeiro passar por um momento promissor, ainda acredito que falta representatividade. E quando digo isso, falo de uma balança fodida que está em desequilíbrio. Como o Dudu disse, o grande risco é encarar os mesmos problemas de outras expressões, como a apropriação, mas o que a gente não pode é ficar sentado reclamando que quem é de fora está se apropriando da nossa própria cultura enquanto nós mesmos não damos valor. E falo enquanto fã de rap, enquanto adepto da cultura hip hop. Também acho que não há solução precisa. A meu ver, não adianta eu reclamar que os artistas que eu gosto não tocam no evento X se eu não pagaria 5, 10, 30 reais pra ir naquele evento vê-lo. Não investir naquela experiência e naquele artista que eu digo que “gosto” tanto, saca? Vou em eventos que custam um preço acessível em que vários que dizem ser seu amigo, fã, que diz que fortalece a correria do artista, mas se acha no direito de entrar no evento sem pagar nada. E aí pessoas de outras classes e condições sociais que as vezes nem são tão adeptas do hip hop, pagam duas ou três vezes mais pra ver um show desse mesmo artista em um outro evento…e curtem bem mais. Há um desequilíbrio, não há solução precisa como o DMA falou, entende? E aí nessas horas, acabo parafraseando o Neto, do Síntese: Dignifica tentar combater o efeito sendo a causa?

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