Kaseone e Who: um marco na cultura hip hop

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Que o disco “Hip Hop Cultura de Rua“, de 1988, marcou para sempre a história do rap no Brasil, disso a gente sabe bem. Considerada a primeira coletânea de rap nacional, a compilação reuniu grandes sons e grandes vozes do rap, como os então novatos Thaíde & DJ Hum, MC Jack, Código 13, e O CREDO, grupo do qual Ruberval Marcelo Oliveira, mais conhecido como WHO, e Fábio Aparecido da Motta, o KASEONEeram integrantes.

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Thaide e B-Boy Banks (Back Spin Crew)

Who foi um dos idealizadores do disco, que teve produção de Nasi e André Jung, ambos da banda Ira!, e tornou-se um marco musical definitivo. Anos depois, em 2011, Kaseone e Raul Dias conseguiram aprovar um projeto pelo VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) da Prefeitura de São Paulo, e colocaram pra rodar o livro ‘Hip Hop Cultura de Rua’, resgatando por imagens o contexto da época em que o disco homônimo foi lançado. Uma nova edição do livro sai agora em 2015.

Who e Kaseone participam nessa sexta, dia 21/08, do Rap Hour 100% Vinil, idealizado pelas DJs Ju Mineira e Nat Jakovac, e bateram um papo comigo e com Ju sobre o disco, o livro, e o cenário do rap de forma geral.

“Uma explosão de cores e energia contagiava a todos”

Perguntamos aos dois qual era o clima e a atmosfera do Hip Hop quando o lançamento do álbum Hip Hop Cultura de Rua rolou. Who começa contando como as coisas aconteciam. “É legal entender o momento. Naquela época existia uma hegemonia das equipes de bailes e das rádios nos cursos da cultura em geral e em especial da ‘cultura black’. Os grupos que fizeram parte do disco eram grupos que se encontravam ‘na rua’. Estações de metrô, praças, ruas do centro. Isso dava uma sensação de independência! E alguns raros artistas da época eram mesmo independentes das rádios e equipes de baile. Então, quando o disco cultura de rua foi aprovado pela direção da gravadora, que era de outro patamar da cena cultural, nos sentimos fortalecidos para reafirmar a independência. Isso era um pensamento meu e de outros poucos ,a maioria estava ávida em ser ‘aceita’ pelas equipes de baile. Era o mundo que eles queriam. Mas o mundo, sabemos, é bem maior.

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B-Boy Alan Beat (RJ) – foto por Kaseone

O lançamento do disco marcou a abertura de alguns caminhos. Artistas que formaram uma ‘resistência” às rádios e equipes que determinavam o caminho a ser trilhado, esse grupo que procurou as praças e ruas para continuar a ter sua arte em uma perspectiva crítica, transgressora e principalmente independente! E os outros que cederam à sedução da fama e dinheiro rápido oferecido pelas equipes e rádios. Hoje a cultura Hip Hop se espalhou pelas ruas, quebradas, pelo Brasil inteiro. A resistência deu certo. E serve até para quem deu as costas para a rua.“, conclui.

Kaseone ilustra bem como via essa época. “A energia sempre esteve no ar, algo muito bom sempre acontecia, as músicas nas rádios Band FM e a Pool FM nos faziam sonhar naquele momento, onde cabelos coloridos e agasalhos disputavam a mesma época, em que uma explosão de cores e energia contagiava a todos.

Só o fino do som inspirava os caras na época. De Kool Moe Dee, Miles Davis, Chic, Kool And Gang, Gap Band, O’Jays, Art Blakey, James Brown, a Charles Mingus, Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, Eumir Deodato, Skowa e a Máfia, Luiz Gonzaga. De INXS, Donna Summer, Cindy Lauper, The Police, Culture Club, Madonna, a David Bowie, Kurtis Blow, Africa Bambaataa… As referências musicais de ambos eram ricas, diversificadas, o que tornava a cabeça e o repertório muito mais abertos e fundamentados.

A memória do Hip Hop paulista e brasileiro

Sobre o livro ‘Hip Hop Cultura de Rua’, que resgata as memórias do Hip Hop nas fotografias de Raul Dias organizadas por Kaseone, e que terá nova edição lançada esse ano com sua participação, Who fala de suas impressões. “As fotos são do Kaseone. Fábio Motta, de codinome Kaseone, começou a fotografar ainda garoto. Tinha um ideal: uma câmera fotográfica. Conseguiu a máquina, que serviu para guardar outros sonhos através do tempo, para as novas e futuras gerações terem contato com as imagens da memória do Hip Hop paulista e brasileiro. A segunda edição que estamos construindo terá novas conexões e uma proposta de narrativa nova, inédita até.” Kaseone completa: “… O livro traz este

Gang Nação Zulu (foto Marcelo Venancio)
Gang Nação Zulu – foto Marcelo Venancio

nome pois eu quis fazer minha homenagem às pessoas que começaram este processo, as gangs e seus protagonistas no seu inicio da Cultura Hip Hop em São Paulo, e também contar um pouco sobre este grande processo da Cultura. Em 2015 estaremos lançando o Hip Hop Cultura de Rua – Eixo1, onde estaremos retratando São Paulo e mais 6 estados, aguardem!

“Gostaria que o disco inspirasse sonhos”

Para Who, o disco “Hip Hop Cultura de Rua” oferece algo muito único para quem começa hoje a ter seus primeiros contatos com o mundo do Hip Hop. “Gostaria que o disco inspirasse sonhos. Esse é a matéria de que foi feito. Persistência e Resiliência são os conceitos e valores que gostaria que se perpetuassem. O disco é o primeiro que traz a consciência de um movimento, o movimento Hip Hop, e da retomada de uma identidade pela juventude periférica pobre e em sua maioria negra. E como já disse, uma possibilidade de independência ideológica, principalmente.” Para Kaseone, o livro também traz uma perspectiva similar. “Acredito que o livro leva os leitores a uma viagem no tempo, para com isto entender como foi todo o processo e as dificuldades para nos organizar e manter a cultura viva até hoje. Acho também que a leitura superficial sobre nossa cultura neste primeiro volume, juntamente com as fotografias, levam o leitor a se aprofundar mais, viver e respeitar a cultura como um todo e seus elementos.

E porque o disco “Hip Hop Cultura de Rua” pode ser considerado um disco fundamental do cenário nacional de rap? “Este LP é o mais autêntico e original da cultura, pois todos os integrantes vieram das gangs de break e posses na época, com estios variados de músicas e posturas para uma época totalmente rígida, com uma sonoridade diferenciada de outras coletâneas. Surge um time de peso de grande participação com ilustres músicos e produtores que acreditaram na proposta inovadora da gravadora Eldorado, como o saxofonista Bocato, Nasi do grupo IRA, Dudu Marote, Dj Mad Zoo.“, fala Kaseone.

Ouça o álbum “Hip Hop Cultura de Rua” completo:

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