Daniel Garnet e Peqnoh: passos de gigantes

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DANIEL GARNET e PEQNOH, rappers de Piracicaba/SP, são conhecidos por suas músicas que trazem discussões socias e debates ao redor da negritude. Dona do estúdio Toca dos Gigantes e da grife Pegada de Gigante, a dupla prepara uma série de lançamentos que contam com a reedição do DVD Com as próprias mãos, lançado em 2013, e um CD de inéditas, gravado em parceria com outros estúdios.

“Não toque neste meu cabelo” é o mais recente trabalho de Daniel Garnet e Peqnoh. O vídeo aborda o preconceito contra a estética negra e faz parte da campanha da Pegada de Gigante. O BF bateu aquele papo com a dupla para falar de rap, racismo, apropriação cultural e empreendedorismo. Leia abaixo trechos da entrevista.

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Peqnoh, rapper e empreendedor da cidade de Piracicaba (SP).

Bocada Forte: Vocês acham que os brancos ainda não se ligaram que o cabelo black vai além da estética, é uma questão de resistência e orgulho dos negros conscientes?

Peqnoh: Então mano, muita gente não tá ligada! Muita gente tem o costume de abraçar qualquer coisa que está “na moda” e esquecer dela facilmente quando ela passa. Vide as discussões sobre cotas, sobre racismo e sobre política. Enfim, tudo tem sua temporada para muita gente.

Mas quem está inserido e faz parte de uma cultura, sabe o quanto é importante frisar esses assuntos constantemente e com cautela para não cair no esquecimento. Acho que a questão estética dos cabelos afro estar “na moda” trás uma grande oportunidade para apontar a importância de valorizar o cabelo black e apontar uma direção para essas pessoas, para que elas saibam que vai além disso.

Geralmente as pessoas que se deixam levar pela onda e abraçam qualquer ideia por moda, acabam se sentindo perdidas nesse universo e partem para outra moda recorrente. As pessoas que abraçam de verdade e buscam o fundamento, permanecerão e farão sempre por onde, pra fortalecer e incentivar manter viva a cultura.

Bocada Forte: O que você sente quando vê ou ouve comentários sobre o suposto coitadismo dos negros, coisas como o racismo está na cabeça do racista apenas?
Peqnoh:  Raiva e dó! Raiva por ver que as pessoas insistem em não ver o que está na frente delas, ali debaixo do nariz delas e, ainda sim, fingem não ver e não aceitam que essa merda de racismo está impregnado na sociedade atual tanto quanto antigamente (ou pior). Só que é difícil entender a dor do outro, difícil entender o choro do outro é mais fácil dizer que quem chora é fraco. 

Ninguém quer sentir na pele o problema do outro, por isso eles dizem que é coisa nossa. E sinto dó pelos mesmos motivos. Uma coisa é fato, não existe mau que você faça que não retorne pra você.

Bocada Forte: É nessa hora que conseguimos perceber de fato o que significa a apropriação cultural. Pois no rap feito por quem não tem a vivência que os negros têm, não entram essas demandas e questionamentos? Querem o som negro, mas não ligam para questões negras?
Peqnoh: Mano! Os caras querem que os sons sejam convenientes para eles. Eles querem que a música esteja dentro dos padrões deles e que os clipes tenham a cara deles. É muito foda essa parada!
Porque tem muita gente bem intencionada e realmente interessada em fazer música negra como ela é, com a proposta de fazer que seja reconhecida e valorizada, o que é diferente de pessoas que tentam fazer uso dela para ser “novidade” no mercado.

Eu acho que quem não entende o propósito, não entenderá o motivo de fazer sempre com identidade e referência a cultura negra. Sempre vai achar que não tem nada a ver e que esse discurso está ultrapassado.  O que não pode é aqueles que acreditam e fazem com postura e identificação deixarem de fazer porque se sentem desvalorizados ou algo assim. Esses devem permanecer fazendo e agregando o real valor sempre!

Bocada Forte: Vem trampo novo aí? Terão a temática negra como norte?
Peqnoh: Vem trampo novo sim! Decidimos lançar o CD da dupla Daniel Garnet & PeqnoH, intitulado Serviço de Preto, que vem sendo pensado e estudado desde 2010. Resolvemos fazer o lançamento nesse ano de 2015, estamos em estúdio, trabalhando com alguns amigos e fazendo com carinho, temos um time de produtores que estão focados em realizar um bom trabalho, estamos com o DJ Duh (Inquérito), Short Beatmaker, Tiuzinho (NoDoze), e temos alguns beats nossos, do Gâmbia, do Dennis Odd. Nosso objetivo com o disco é realmente trazer um pouco dessa atmosfera de valorização da cultura negra, de resistência e também de autoestima.

Pretendemos lançar no segundo semestre, até lá iremos lançar mais alguns singles para mostrar um pouco do que é o projeto e sua versatilidade. Temos 17 faixas e iremos procurar trabalhar elas com todo o respeito que merecem.

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Daniel Garnet, parceiro do rapper Peqnoh. A dupla divide seus trabalhos entre a arte e a militância.

DANIEL GARNET
Bocada Forte: Como é o lance da loja? Vocês vão comercializar artigos que carregam a temática negra?
Daniel Garnet: Eu e o Peqnoh começamos a bolar e vender alguns produtos do nosso selo, inicialmente para a realização de arrecadações esporádicas a fim de realizar alguns eventos, como o aniversário da Batalha Central, entre outras coisas relativas ao rap que precisávamos realizar. A partir de então, percebemos que tínhamos uma gama de produtos de qualidade para oferecer pro nosso público, uma gama que poderia ser oferecida em período integral, independente da necessidade de investir nos eventos que promovemos em Piracicaba. Ao virar o ano, achamos que era o momento de dar um passo a mais, e fazer do nosso estilo de vida, o nosso trabalho também.

O nosso disco Serviço de Preto tem como carro chefe a temática negra, por conseqüências os produtos, como as camisetas Serviço de Preto e Não toque neste meu cabelo, mas teremos outras temáticas também, como Batalha Central uma possível parceria com “U seu crânio trinca”, entre outras roupas e acessórios que ainda só existem no papel.

Bocada Forte: Vocês tem estúdio próprio? 
Daniel Garnet: Temos sim, o Toca dos Gigantes. Embora seja o nosso recanto oficial, estamos gravando o disco em parceria com outros dois estúdios. O NO12 Studio e o Groove Arts são parceiros que estimamos muito, confiamos e gostamos muito do trabalho deles. Como já demoramos pra lançar algo neste sentido, preferirmos cancelar a mixtape e partir direto para o primeiro álbum oficial. Neste sentido, sentimos a necessidade de agregar outras pessoas de competência para somar com a gente nesse projeto, que também não deixa de ser uma empreitada (risos)

Fizemos nosso planejamento de 2015 na primeira semana do ano, e temos como principal meta o lançamento oficial do disco e um possível lançamento da segunda edição do nosso DVD lançado em 2013, intitulado Com as Próprias Mãos. Na nova edição, entraria os clipes novos e um possível documentário. Se sobrar tempo e fôlego, há uma terceira possibilidade de lançamento para 2015, mas ela ainda é apenas uma cogitação, a ideia é focar nossas energias nas duas primeiras, seguindo a ordem em que foram citadas.

Bocada Forte: Quais são as responsabilidades e o que significa ser um artista e empreendedor negro num país como o nosso?
Bocada Forte: Além da responsabilidade de exercer a criatividade e o bom senso, de forma que agrade e agregue ao público sem desrespeitá-lo, temos a responsabilidade de não perder o tino artístico e poético, ao mesmo tempo que temos que nos adequar a demandas de mercado, pois precisamos fazer arte e pagar nossas contas ao mesmo tempo.

Somos tudo que é complicado ser no nosso país de uma vez só: somos artistas, somos empreendedores e somos negros, temos que lidar com leis formais e informais o tempo todo, temos que lidar com impostos e imposições e ainda manter a mente sadia para fazer as contas para saber se vai dar ou não pra investir num determinado projeto, deixando um pouco de cabeça para terminar aquela letra, bolar aquele clipe, conduzir a Batalha Central etc. Ao mesmo tempo, é uma sensação muito boa quando conseguimos superar tudo isso , nos sentimos preparados para passos maiores, e ao mesmo tempo, sentimos que estamos inspirando outras artistas e empreendedores ao nosso redor. 

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