Que apoiadores de medidas antidemocráticas parem de se definir como “conservadores”, ou “liberais”; é do extremo do espectro político que estamos falando
Por Alceu Luís Castilho (via Outraspalavras.net)
Foquemos na palavra da vez: “coerção”. Do ponto de vista jurídico, significa o poder do Estado de reprimir, usar a força para valer o direito. O Estado impondo-se sobre o indivíduo. Pode ser legal ou ilegal. A condução coercitiva de Lula foi – segundo acadêmicos, advogados, um ministro do STF – completamente abusiva. Mesmo assim não é difícil ver liberais (supostamente temerosos em relação ao poder excessivo do Estado) empolgadíssimos com a decisão da justiça paranaense. Ou mesmo anarquistas indiferentes.
Que caiam as máscaras, portanto. Quem apoia explicitamente esse tipo de ação (não só contra Lula, mas contra trabalhadores, povos indígenas, moradores de periferia) não pode apenas ser considerado um “conservador”. E está longe de ser um legalista – pois ser legalista implica apego ao espírito das leis, e não adesão incondicional a ações do Estado, ao governo e juiz de plantão. Essas ações podem ser tresloucadas, abusivas. Se é o Judiciário que as promove, os demais poderes precisam se manifestar. E também a sociedade civil.
O que tivemos nesta sexta-feira – com o aval de vários veículos jornalísticos – foi mais uma manifestação de torcida, de uma massa de milhões de brasileiros “do bem” que não está nem aí para a legalidade. Que não se importa com políticas de exceção, autoritárias. Movida a espasmos e ódios, vaias e aplausos (aplausos a justiceiros que coloquem sua face para bater, mas nos outros), pela troca de argumentos por ofensas e bate-bocas, pela adesão incondicional à ideia de que os fins – a efetivação de seus desejos imediatistas – justifiquem os meios.
E toda essa constatação nada tem a ver com a defesa das políticas de Lula, dos governos dele e (este, desastroso) de Dilma Rousseff. Tem a ver com a defesa do indivíduo Lula, sim, porque significa a defesa de cada um de nós (eu, você, a moradora da favela), que não pode estar à mercê de atropelos pseudolegalistas. E tem a ver com a defesa do Estado Democrático de Direito – esse que temos, esse repleto de defeitos, esse que já permite violações diárias de direitos elementares (pensemos nos povos indígenas, nos presídios), esse arquipélago que não pode ser ainda mais reduzido.
A queda das máscaras significa que esses senhores e senhoras que aceitam esse espetáculo das coerções seletivas parem se definir como despolitizados ou apenas de direita. Não são: são todos de extrema direita. Querem ver o circo pegar fogo. Podem ter sido de esquerda algum dia, mas, movidos por rancores ou outros motivos, passaram não apenas para o outro lado – e sim para o extremo do outro lado. Outros podem até se achar revolucionários ou anarquistas, mas ao serem coniventes com a extrema direita a ela estão servindo. Até serem engolidos.
E tudo isso significa bem mais que um ultraje. O país amanhece neste sábado nu, Roger Moreira, e com as mãos do Bolsonaro.