Rap, xadrez e Hip-Hop em novo ciclo de oficinas promovido pelo grupo Xemalami
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O distrito do Grajaú, no extremo sul de São Paulo, é hoje um dos maiores polos demográficos do país, com mais de 384 mil habitantes, número superior ao de 98% dos municípios brasileiros. É um território onde o Hip-Hop encontrou raízes profundas e, como em outros núcleos criativos dos fundões da cidade, a cultura de rua transformou a vida de parte de seus habitantes como ferramenta de crítica social, educação e organização popular.
Marcado por décadas de crescimento populacional desordenado, falta de saneamento, ausência do Estado e precariedade dos serviços públicos, moradores do distrito desenvolveram formas autônomas de produção cultural e sobrevivência econômica.
É nesse contexto que se destaca o circuito do rap, enquanto mercado popular e forma de comunicação comunitária, conceito trabalhado pelo MC, geógrafo e pesquisador Maurício Moysés, que estudou o Grajaú em profundidade, e discute como o rap no distrito opera constituindo-se num circuito fonográfico próprio, onde selos, produtores, estúdios e MCs constroem uma economia criativa voltada às dinâmicas locais.

Exemplo dessa articulação é o selo fonográfico independente Produto Bruto, localizado na região, que atua como espaço de produção, circulação e comercialização da música feita na quebrada, desafiando a lógica do mercado ao priorizar a autonomia, a coletividade e a estética própria das vivências urbanas periféricas. Em meio aos domínios das big techs e plataformas digitais, a luta é dura e nem um pouco romantizada.
Entre os coletivos mais ativos do distrito está o Xemalami (Xeque Mate La Misión,) que há mais de 20 anos promove atividades culturais de base com juventudes da região. Unindo o Rap ao xadrez, o grupo criou o projeto Xadrez Sem Muros, realizado em praças, escolas e espaços públicos do Grajaú.

De acordo com seus integrantes, a proposta é uma pedagogia crítica que usa o Rap como linguagem e o xadrez como ferramenta de raciocínio estratégico e afirmação cidadã. Como diz o lema do grupo: “os peões não podem recuar”, em referência tanto ao jogo quanto à luta cotidiana da população negra, pobre e periférica.
No dia 27 de julho de 2025, o grupo voltou a ocupar a Praça Anísio Barbosa, no Jardim Reimberg, com uma edição especial do projeto, reunindo DJs, MCs, B.boys, B.girls, grafiteiros e educadores num evento que abordou temas como território, ancestralidade e direitos sociais, marcando o início de um novo ciclo de atividades na região.

Segundo o MC e geógrafo Moysés, também conhecido na cena como Rasul88, o Xemalami representa uma das formas mais concretas de articulação entre cultura, pedagogia popular e economia solidária: Para ele, no Grajaú, o Rap não é apenas estética. A correria dos manos para a mobilização, consciência e formação de lideranças sociais vai além do que muitos entendem como Hip-Hop hoje.

Moysés, numa roda de conversa sobre cidadania e território que contou com a participação de Cortecertu, DJ, beatmaker e editor do Bocada Forte, levou sua experiência na cultura de rua e na academia e trocou ideias com o público presente na Praça Anísio Barbosa, que também participou ativamente, expondo seus pontos de vista sobre a situação atual das quebradas e a ausência do Estado. Juntos, abordaram o Hip-Hop como prática cidadã e territorial, discutindo sua relação com as dinâmicas urbanas, as disputas simbólicas e a construção de saberes periféricos.

“Participar do projeto Xadrez Sem Muros dos meus manos do Xemalami é vivenciar uma confluência de saberes construída ao longo de mais de 20 anos do corre dos manos. A cada encontro, se percebe a Cultura Hip-Hop em sua essência, valorizando os elementos fundantes. Ainda mais, tendo o Jardim Reimberg como a base dessa expressão artística-política para fazer valer os sentidos da vida”, .diz Moysés
Com o eixo temático ‘Extremo, Legado e Continuidade’, o evento terá continuidade até abril de 2027, e não se limita à música. O Xadrez sem Muros se desdobra em oficinas que articularão arte e política como forma de resistência ao processo histórico de marginalização do território. O projeto, de acordo com o Xemalami e todos os profissionais que trabalham com o grupo, vai chegar onde muitos não querem ir.

“É cada vez mais necessário estar ao lado das pessoas da quebrada e dos artistas em suas diferentes formas de manifestação. Assim como, o compartilhamento de ideias. Eu e Jair Cortecertu estivemos numa roda de conversa sobre Território, Hip-Hop e Cidadania como forma de reafirmar os rituais circulares de nossas ancestralidades e também debater ideias, experiências, percepções que só o cotidiano revela”, continua o MC e geógrafo.

Com registros do Coletivo Quebrada Views, Leandro Vaz e Ires Eloá e shows de grupos da região e de outras partes de São Paulo, o Xadrez sem Muros valoriza a circularidade dos saberes populares, os vínculos de vizinhança e a construção de autonomia. É o que Moysés chama de “economia política das quebradas”, onde a arte é tanto meio de expressão quanto de sobrevivência, mas sem cair nas armadilhas de políticos que já estão de olho no ano eleitoral de 2026.

No dia 27 de julho, o evento contou com discotecagens dos DJs Dandan, Tati Laser e do residente DJ Éffi, além de apresentações musicais de Gabi Killabi, O Beco, SabiSurf e Yara Kassandra. A apresentação e mediação ficaram por conta do MC e educador Guilherme Treeze, reconhecido por seu trabalho comunitário e sua atuação nas batalhas de rima.
As expressões culturais do hip hop também estiveram presentes na dança, com performances das bgirls Bibi e Thaisinha e dos bboy Pulga RTB, Bboy BB Bala, Bboy Xis (residente), entre outros, e no graffiti, com intervenções de Mafu, Pam Gomes, Frenesi, Recassio (coordenador), Ato e Mmoneis.

O xadrez, elemento central da proposta, foi representado por torneios interativos e pelo tradicional Xadrez Gigante, conduzidos por Dudu Santos Neto e pela equipe do coletivo Xemalami. As atividades proporcionaram aprendizado coletivo, raciocínio estratégico e a ocupação lúdica dos espaços públicos, com foco especial na juventude do território.
O Grajaú mostrou que o Hip-Hop não é modismo nem conteúdo superficial para carrossel do Instagram. Em tempos de neoliberalismo, numa cidade que nega direitos, os elementos da cultura de rua são prática social e resposta ao abandono do Estado. Como afirma Rasul88, “a Cultura Hip-Hop mantém suas raízes firmes em várias partes desse mundo, e ali, na praça Anísio Barbosa, em mais uma edição do Xadrez Sem Muros, se fortificou a continuidade e peso de sua transformação”.















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