Rimando uma época de aprendizado e conflito

TEXTO/MATÉRIA ESCRITA POR DJ CORTECERTU

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Kamau e Emicida

Ao resgatar clássicos do Rap nacional, Kamau e Emicida remetem ao período embrionário do Hip-Hop brasileiro, onde vários estilos do canto falado se desenvolviam, com a tecnologia da época (groovebox, deck-de-rolo, régua de edição, sampler, vinil) e um discurso sobre negritude e política que crescia entre os bailes e as ruas. As equipes de baile de São Paulo lançaram artistas como Pepeu, Doctors MCs, Racionais MCs, entre outros. As pistas de dança eram o local de encontro, conhecimento e relacionamento afetivo do público do Rap.

No Brasil, parte dos artistas do Rap assimilou a ordem ditada pela vivência dos artistas norte-americanos, fato que não é exclusividade do nosso canto falado. No início da década de 90, o discurso sobre a questão racial era mais freqüente nas letras de Rap. Nós brasileiros fomos influenciados por grupos como Public Enemy, X-Clan, entre outros, e por filmes como “Faça a Coisa Certa” (1989), de Spike Lee. Assim, transportamos e adaptamos toda a informação “americana/negro/gueto” para a nossa realidade “brazuca/negra/periférica” e a incorporamos ao nosso discurso. Esse é um fator que não pode ser ignorado e representa uma parte da história da chamada geração Hip-Hop brasileira.

No final dos anos 1980, a linguagem e a postura das gangues de rua já estavam presentes nos discos de artistas como Ice-T e N.W.A, mas ainda não eram seguidas pela grande maioria dos grupos, artistas ou militantes do Rap no Brasil.

Capa de uma coletânea do Racionais

Grupos nacionais como Racionais MCs, Força Negra Radical, DMN, Thaide e DJ Hum, Face Negra, Filosofia de Rua e Câmbio Negro abordaram a questão racial em suas músicas. Com o passar do tempo, o debate foi direcionado para as questões sociais e para os problemas da periferia, como o crime, o alcoolismo, violência, drogas etc. Desta vez a interferência externa veio através do Gangsta Rap e de um dos melhores trabalhos do estilo: “The Chronic” (1992), álbum do rapper Dr. Dre que também apresentou Snoop Dogg ao mundo.

Este disco ditou o estilo de produção do canto falado brasileiro, mas o discurso dos grupos, artistas ou militantes do Rap daqui foi bem diferente, com raras exceções, o som daqui não celebrava a violência e as armas, elementos presentes de maneira intensa nas letras gringas.

Filmes como “Boyz n the Hood”, do diretor John Singleton (1991) e “Ameaça a sociedade” (1993), dos irmãos Albert e Allen Hughes passaram a fazer parte do imaginário dos rappers brasileiros e isso provocou uma mudança nas letras de Rap.

A ideia de modernidade/atualidade e de busca por novidades dos grupos, artistas ou militantes do Rap também colaborou para as transformações deste estilo de música aqui no Brasil. Vejamos, numa época temos Public Enemy e o discurso sobre a questão racial, em outra o Gangsta Rap adaptado à realidade das periferias brasileiras.

Em meio ao turbilhão de tranformações (saída dos rappers das equipes de baile, criação de selos dos DJs e MCs), os artistas que faziam músicas na linha mais pop – sons para a pista, músicas românticas ou com letras que abordavam outros aspectos da realidade e sons que misturavam Jazz, Reggae, Ragga e outros ritmos – se viraram para sobreviver num mercado que estava se estruturando sobre a temática do Rap de protesto. Muitos foram obrigados, depois de muitas lutas e tentativas, a parar de cantar. O discurso nervoso e periférico passou a chamar a atenção dos intelectuais e da grande mídia, o que piorou a situação dos que não faziam o que era noticiado ou estudado pelos “de fora”.

Xandão, articulista e editor de um dos blogs do Radar Urbano, fala sobre o período: “Houve uma época, em São Paulo, que Rap internacional dos anos 80, Raggamuffin e Hip-Hop, reggae americano tocavam muito nos bailes. Quem gostava eram as meninas e os ‘largatixas’, manos de periferias que usavam calça boca de sino, cabeça raspada, óculos na testa, e faziam vários passinhos no palco e pista, eram a bola da vez nas festas com seus bonezinhos escritos sempre ‘alguma coisa’ boys, exemplo: sensuais boys, gueto boys e por aí foi. Foi aí que o ragga foi associado aos ‘largatixas’, todos na época falavam que Ragga era coisa de ‘largatixas’ e vários DJs da época, que hoje são obrigados a tocar Ragga, discriminavam o ritmo.”

A história nos mostrou o que a hegemonia do discurso e a ditadura do estilo podem fazer com a arte e com o desenvolvimento econômico da cena. O Hip-Hop e o Rap brasileiro foi edificado com tijolos de acertos e erros. Hoje, a discussão sobre a diversidade no canto falado é maior e temos melhores condições de articular várias ideias, desde as formas políticas e culturais de resistência, até os sons pros bailes e comerciais.

O que – no futuro – se falará dos clássicos de hoje? Não sabemos.

Fontes: Blog do Xandão, Radar Urbano
[+] Leia a matéria “Clássicos do Hip-Hop: voltando ao começo”

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