O que ouvimos em 2025: Ravi Lobo ‘Shakespeare do Gueto II’
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Em “Shakespeare do Gueto II”, Ravi Lobo traz a perfeição possível em meio ao cenário que se repete no culto à celebridade, que contamina os guetos… que precisam de uma nova era
O Rap tem esse dom de apresentar ruas, quebradas e lugares que estão ao alcance dos nossos olhos e ouvidos, mas também traz histórias de bairros distantes, de outros relevos, sejam eles medidos por quilômetros ou sentidos na estética que nos convida a prestar atenção no que é dito para acertar os ponteiros, ajustar o metrônomo e iniciar nossas gravações cotidianas e seguir a linha do tempo com o peito renovado com raiva, esperança e todas incertezas trazidas em pequenas transformações, algumas são vitórias, outras exalam o fracasso. O que sobra é aprendizado, pois insistimos em viver.
Qualquer IA ou texto jornalístico que pretende se passar por publicidade instagramável começaria suas linhas dizendo que o disco ‘Shakespeare do Gueto II’, do rapper baiano Ravi Lobo, consolida sua trajetória no Rap brasileiro como um artista que transforma vivências pessoais e coletivas em arte potente. Afirmar isso é parada comum na cena, não diz muita coisa. Vivências pessoais e coletivas estão presentes no Rap. A verdade é que alguns artistas conseguem, outros enganam e, na real, a maioria nem chega perto dessa tal arte potente que enriquece os releases que recebemos.
De Salvador, Ravi apresenta um trabalho que ecoa as dores, as lutas e os sonhos da periferia, enquanto reafirma o papel do Hip-Hop como ferramenta de transformação social (e isso importa). Composto por 13 faixas, o álbum mistura predominância de drill com influências de trap e música baiana (definição limitada do autor do texto, afinal, o Rap de Ravi é música baiana). Não importa. Não brisem com minha confusão. Este álbum, lançado no primeiro semestre de 2025, proporciona uma experiência sonora plural.
Se essa diversidade reflete a busca de Ravi por autenticidade, não posso afirmar, apenas ouço, sinto e entendo como o artista mantém uma coesão estética por meio de colaborações com beatmakers como Raonir Braz, JLZ e EduBeatz.
(Saiba mais sobre ‘Shakespeare do Gueto’, o EP que iniciou essa correria solo em 2022)
O discurso presente em ‘Shakespeare do Gueto II’ evidencia uma combinação entre resistência, denúncia social e expressão poética. As letras de Ravi Lobo são marcadas por uma visão crítica da realidade em Salvador e das periferias do Brasil. Ele aborda o racismo estrutural, a violência policial, o genocídio negro e as condições de precariedade que assolam a população periférica. Trechos como “Salvador que tu ferve 40 graus aqui na sua alma mexe […] a polícia covarde é amiga te engana com foto bonita” trazem um tom de indignação ao mesmo tempo em que denunciam a falsa segurança e a violência institucionalizada.
Em faixas como “Cantando pra Lua”, Ravi denuncia o autoextermínio imposto ao povo negro, enquanto cita influências culturais como “Hey Joe”, de Jimi Hendrix, e O Rappa, para reforçar a mensagem – “Esse é o segredo. Eu não tava sozinho”.
O disco também trata das regras implícitas e leis das quebradas sem glamourização, mas com o olhar crítico e reflexivo de quem sabe o que vive e transmite. Na faixa “Cultive”, que conta com a participação de Galo de Luta, Ravi – também conhecido pelo seu trabalho com o grupo Rap Nova Era – aborda a necessidade de resistir às opressões com autenticidade e coragem. Galo de Luta é o elemento que soma não só com ideias fortes, mas com um flow que surpreende muitas pessoas que ainda não sabem de onde o ativista veio.
Raízes e legados, temas que são exaustivamente tratados no cenário Rap como se fossem parte de um pacote de legitimidade e, por isso, estão num canteiro de obras abandonado e cheio de poeira com frases de efeito. No álbum de Ravi, a diferença é que essa dimensão se desdobra em músicas como “Herança de quilombo”, onde a participação de Lazzo Matumbi cria uma ponte entre gerações.
O álbum ainda é enriquecido por colaborações que erguem paredes firmes no castelo do rapper. Destaque para a faixa “Fogo e disciplina”, que conta com a presença de Edi Rock (Racionais MCs). Muitos comunicadores do Hip-Hop interpretam essa parceria como um marco na carreira de Ravi e na história do Rap baiano. Em “Fascínio”, Ravi e Majur exploram o amor com maturidade e cumplicidade, tentando buscar distância dos clichês frequentes em músicas do gênero.
Embora o disco seja permeado por uma crítica cortante, Ravi conduz sua mixagem em momentos de afeto e celebração da comunidade. Referências à família, além de falar dos seus, colocam em primeiro plano sua visão coletiva e o papel central das relações comunitárias em sua trajetória.
Em “Shakespeare do Gueto II”, Ravi Lobo traz a perfeição possível em meio ao cenário que se repete no culto à celebridade, que contamina os guetos… que precisam de uma nova era.
Ravi se apresenta em São Paulo dia 03/07 (quinta-feira) em show gratuito no Sesc Pompéia, clique aqui para saber mais!
Ouçam o álbum
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