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O que ouvimos em 2025: ‘Musical Quente’, grupo Mesclado

O que ouvimos em 2025: ‘Musical Quente’, grupo Mesclado

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O acervo do Bocada Forte comprova. Da zona sul de SP, por mais de duas décadas, o grupo Mesclado vem apresentando uma sonoridade própria, ancorada nas tradições do samba de boteco, do rap de resistência e da Black Music produzida no Brasil. Com o disco “Musical Quente”, o projeto reafirma sua identidade musical  e propõe uma festa embebida em crítica social, memória coletiva e suingue. Afinal, os habitantes das quebradas vivem e enfrentam suas contradições, mas também buscam conforto e superação em meio à desigualdade. 

A história do disco começa como muitas histórias periféricas: entre encontros esparsos, sonhos adiados, discussões, músicas refeitas e  improviso. “Musical Quente” é o resultado de uma construção que vem desde os anos 2000, quando DJ Tony Di e seu grupo ainda circulava em bailes de quebrada e flertava com o samba bem antes da parada virar tendência no rap. 

Junto com Dudu Nascimento, a outra metade do Mesclado, Tony Di também atua como educador social. As letras que estão em Musical Quente são festivas, mas também foram construídas em sintonia com experiências no ensino de jovens e adultos, dialogando com a vida real da população marginalizada. O rap cede espaço para o R&B na voz de Nascimento. A sintonia entre a dupla na produção é surpreendente.

Um disco para o povo

Gravado entre os estúdios de Dudu e Tony, com equipamentos acessíveis e beats que nascem no improviso que anos de experiência na cena transformam em faixas sólidas, “Musical Quente” tem o DNA da favela. Os próprios integrantes produziram, mixaram e masterizaram o disco.. “Não adianta o estúdio ser gigante se não tiver verdade na música”, afirma Dudu. Verdade e groove são os principais ingredientes do disco.

Com 11 faixas cuidadosamente selecionadas entre mais de 20 gravadas, o disco caminha entre a alegria e a crítica, com letras que falam de sobrevivência urbana, rotina periférica, alegrias simples, maternidade, futebol, praia e flores que nascem no concreto. É um projeto que, ao fim, “acaba em flores” — uma metáfora sobre resistência, vida e beleza onde menos se espera.

Rap, samba e identidade

“Musical Quente” é uma colagem de estilos com marca própria. Não é pagode gourmetizado, nem samba jazz para agradar classe média. É samba remixado e suado de viela, com beats pesados e refrões cantados com coração. A faixa “Sou sobrevivente nessa selva de pedra” sintetiza essa proposta, fundindo lirismo com denúncia social.

Há também espaço para o romantismo, curtição e contemplação, como em “Vai da Praia”, que se recusa a objetificar mulheres e exalta o direito ao descanso. Já “Futebol é Arte” se encaixa na tradição do samba esportivo, sem perder o olhar crítico sobre a indústria da bola.

Planejamento e palco

Com shows em formato reduzido, o grupo vem se apresentando com beats, voz e percussão. A ideia é montar uma banda enxuta e manter a identidade ao vivo. A proposta de turnê nos ensaios das escolas de samba já está sendo discutida. Eles querem ocupar espaços populares com sua música, sem intermediários ou mediações elitistas.

Black music com sotaque brasileiro

Influenciado por Cassiano, Tim Maia e Lincoln Olivetti, entre outros, o grupo Mesclado faz uma Black Music nacionalizada, com batidas dançantes e letras conscientes. “Não é cópia do que vem de fora, é o nosso som”, dizem.

A ideia de “Musical Quente” é exatamente essa: confundir os sábios, aqueles que tentam enquadrar a arte negra e periférica em moldes predefinidos. Faz tempo que o Mesclado resiste, floresce e se reinventa. E segue fazendo música para quem dança, pensa e sobrevive, seja nas escolas, nas ruas e nas pistas.