O que ouvimos em 2025: ‘Filhos do Mesmo Caos’, de Alfão e pedrvso
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Alguns defendem o boom bap, o rap alternativo, o rap underground e suas vertentes como parte da arte feita por heróis que resistem e representam o verdadeiro hip hop. Fiz isso diversas vezes, quem sabe até continuo fazendo. O interessante é que, atualmente, até os antigos críticos, deslumbrados com os novos estilos e subgêneros que surgiram (e surgirão), agora produzem conteúdos sobre a suposta originalidade e superioridade do rap de raiz.
Raiz?
Notou como é superficial e confuso o parágrafo acima. Existe uma confusão de definições que acabam encobrindo questões que envolvem identidade, afinidade estética, posição no espectro político, territorial, racial, social, etário e de gênero, posição na cultura e na indústria e no mercado do rap. Mesmo assim, os “especialistas” seguem arrotando sua sabedoria. Os ventos das mídias sociais espalham o mau cheiro que entra pela minha janela e, em certas ocasiões, tem como ponto de partida a mesma janela.
Foda-se. Hoje estou ouvindo o disco “Filhos do Mesmo Caos”, do Alfão, artista baiano conhecido também por seus raps no Underismo. Tenho 54 anos. Minha idade não confirma nada sobre meu envolvimento afetivo, social e prático com as origens do rap, mas “veio um anjo safado, o chato d querubim. E decretou que eu tava predestinado a ser errado assim”.
Então, desde os primeiros raps feitos aqui em São Paulo, eu me apaixonei pela estética, pela tecnologia, pela técnica e pela força das rimas de jovens que tinham a mesma idade que a minha. Acompanhei a evolução do rap feito em grooveboxes, baterias eletronicas e vi a chegada dos samplers mais potentes que revolucionaram o rap. Aprendi a fazer beats já era digital, usando as DAWs da vida e sendo ensinado por um rapper que estava começando sua carreira nos anos 2000.
Recorro ao clichê para afirmar que tudo o que disse até agora é para apresentar um disco que me chamou atenção pelo peso e estética que mais me identifico. O beatmaker pedrvso é o grande culpado por trazer esse clima denso com linhas de baixo e samples que complementam e dão sustentação para Alfão mandar suas ideias sobre arte, vida, e os sentidos do trabalho. O mano ainda convida pra essa feitiçaria Galf AC, Matheus Coringa, Dragão Crioulo, Thalin, todos sobre o chamado do selo, gravadora, coletivo, produtora, sei lá que porra que é…o nome é Sujoground.
Já faz tempo que tenho apreço pelo conceito de sujeira, algo que subverte as regras do som mais pop e aceitável. Aqui não há julgamento de valor, “Filhos do Mesmo Caos” é o que precisa ser, as músicas botam pra fora o que Alfão e seus trutas precisam falar e, se forem rebeldes como imagino que sejam, que se danem os refinamentos e cortes de rebarbas para aceitação.
Desde que entrei no Bocada Forte, integrantes do rap e do hip hop de fora do eixo Rio-SP me ensinaram pelo companheirismo e pelo conflito de ideias que, parafraseando Milton Santos, o cidadão (artista) é um indivíduo em um território. Se não é possível viver nesses diferentes territórios, é obrigação tentar dialogar e entender o que vem destes locais.
Da Bahia vem Alfão que, entre trabalhos solo e com o Underismo, deixa sua marca no hip hop e no rap brasileiro. Em 2025, “Filhos do Mesmo Caos” é pra bater cabeça no estilo golden era.
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