Grupo Beco traz rap político e desmonta os mitos criados pela extrema direita
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O rap sempre foi construído assim: colaboração, troca, crítica interna
O Beco antecipou o lançamento de “Contrabando” , seu novo single, porque não havia clima para esperar o calendário das plataformas. A urgência não foi criada por estratégia de marketing. Os acontecimentos políticos do país tornaram suas rimas mais que necessárias. Durante a gravação, a letra se transformou em denúncia direta. Nomes são citados. Situações são expostas. Como o rap militante dos anos 1990, o incômodo não é suavizado.
Na conversa entre o grupo e a equipe do Bocada Forte, ficou claro que o processo criativo não se guiou pelo mercado. A fala dos MCs Mema Fita e Nugê, artista que participa do single, revelou atenção ao conteúdo antes de qualquer previsibilidade de alcance. Eles não queriam produzir um rap genérico sobre política. Não buscavam o senso comum. Pesquisaram, revisaram trechos, reescreveram partes para não cair na frase vazia de que “todos os políticos são iguais”. O objetivo era chamar responsabilidade e estabelecer direção.
Os representantes da extrema direita, do mercado financeiro e do fundamentalismo religioso, que tanto prejudicam as camadas mais pobres da população, estão na mira de “Contrabando”.
“Contrabando” é lançado em meio ao clima triste e tenso proporcionado pela operação policial no Rio de Janeiro e pela abordagens violentas e letais de agentes da segurança pública de São Paulo. A crueldade e indiferença de políticos de partidos de direita e de extrema direita escancara o apoio ao extermínio do povo preto e pobre como combate ao crime. O novo single do Beco tem também como pano de fundo as formas de construção dessa política sangrenta.
No estúdio, a criação foi conjunta. O beat foi reconstruído por Laz Beats para colocar a letra no centro. A discussão entre os artistas mostra que o processo importa tanto quanto o resultado. Eles observam que muitas produções de rap hoje seguem o roteiro do mercado digital. Compram um beat pronto, gravam duas horas no estúdio e postam. No Beco, o caminho foi outro. Eles dividiram referências, debateram ajuste de flow, reconstruíram a música a partir de um beat inicial que não entregava o peso da letra. A mudança só aconteceu porque havia escuta. O trabalho foi feito em colaboração, não em busca de um dono da ideia.
As histórias pessoais dos MCs aprofundam o sentido do trabalho. Mema Fita, peruano de família brasileira, mora na Zona Sul de São Paulo e é MC de apoio do rapper Eduardo Taddeo, acompanhando o artista em todas as apresentações. Nugê, de Porto Feliz, mudou-se para o Capão Redondo. A parceria em “Contrabando” tem referências de Facção Central, Racionais, Febem e ADL.
Durante a entrevista, os MCs destacam a estrutura que sustenta a cultura hip hop. A maioria das pessoas trabalha de forma voluntária. Essa prática se repete desde a origem da cultura e não é comum em outros gêneros musicais. No sertanejo e no pop, o objetivo é alcançar escala e retorno financeiro. No funk e no trap, a meta é ascensão social imediata. No rap político, a motivação é outra. Não existe a garantia de retorno e, mesmo assim, o trabalho acontece.
É nesse ponto que se revela a incoerência da ideia de “capitalismo ético”, que é replicada pelos neoliberais e que influencia o rap brasileiro. O sistema opera pela desigualdade. Para acumular, é preciso que alguém receba menos do que produz. A empresa pode adotar diversidade, inclusão, sustentabilidade, mas o objetivo segue sendo agradar acionistas. No caso do Beco, não há interesse em compatibilizar discurso e lógica de mercado. Não há cálculo para playlist. Não há ajuste para tornar o som menos incômodo.
O single é resultado de um processo que se recusa a negociar com o sistema. Nasce da experiência de quem vive a desigualdade, não de quem lucra com ela. O clipe de “Contrabando” mostra o contraste social na região de Paraisópolis.
CONTRABANDO
Letra: Mema Fita, Nugê
Produção musical: Laz Beats
Mix/Master: Noturno84, Laz Beats
Produção executiva: Manos da Música
Direção: Laz Beats / Mema Fita
Direção de Fotografia: Miguel Salvatore
Produção: Fábio Pimenta, Richard Miranda
Edição/Finalização: Laz Beats / Mema Fita
Elenco: Mema Fita, Nugê, Guito TRFZ, Laz Beats
Agradecimentos aos moradores do Paraisópolis.




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