FGV: Especialistas do setor musical discutem estratégias de sustentabilidade financeira para artistas independentes
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A indústria musical vive uma era de transformações profundas. No webinar “De artista a empreendedor – Como construir audiência e monetizar sua música”, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), os convidados Carlos Mills (Mills Records/Merlin), José Celso Guida (Cultura Exchange) e Henrique Faris Leite (Vamos Music, ex-TikTok e Deezer) debateram os caminhos e obstáculos enfrentados por artistas que buscam profissionalizar suas carreiras e gerar receita em um ecossistema altamente competitivo e digitalizado.
A remuneração nas plataformas e seus limites
Boa parte da discussão girou em torno da remuneração dos artistas nas plataformas de streaming. Embora o modelo de assinatura tenha salvado a indústria do colapso da pirataria no início dos anos 2000, o repasse para os criadores ainda é visto como insatisfatório. Henrique Leite destacou que, apesar de o streaming ter devolvido liquidez ao mercado, ainda há um debate mal resolvido sobre como os artistas devem ser pagos: “A música é usada em tudo — em redes sociais, apps, vídeos — mas os modelos de remuneração não acompanharam essa multiplicidade de usos”, afirmou.
José Celso Guida complementou com dados alarmantes. Segundo ele, uma pesquisa feita no Reino Unido revelou que um compositor cuja música alcança 1 milhão de reproduções por mês — patamar atingido por apenas 0,026% das faixas — recebe cerca de 15 mil libras por ano, valor abaixo do salário mínimo em tempo integral naquele país. Ele apontou que “se toca muito e se recebe muito pouco”, destacando a necessidade de novas formas de remuneração mais justas.
Já Carlos Mills adotou uma postura crítica em relação à percepção geral sobre o streaming: “É frustrante ver planilhas com centavos por execução, mas o sistema atual é o mais democrático que já tivemos. Nunca foi tão fácil lançar música — e também nunca foi tão difícil se destacar.” Ele apontou que muitos artistas reclamam da baixa remuneração, mas não cuidam do básico: registro correto das obras, cadastramento em sociedades de gestão coletiva, e distribuição organizada.
Gestão é condição para monetização
Todos os convidados foram unânimes em afirmar que, sem gestão profissional, a remuneração justa não chega. Guida enfatizou que é preciso registrar as músicas, cuidar da documentação (ISRC, ISWC), trabalhar com sociedades arrecadadoras e investir em assessoria de imprensa. “Sem isso, a receita não chega até os criadores. Música sem gestão é só diversão”, disse.
Mills foi direto: “Muitos dos que reclamam de ganhos baixos sequer fazem o ‘beabá’. A música precisa estar registrada corretamente, com metadados completos e identidade visual coerente nas plataformas e redes. É uma disputa por atenção. Quem não se organiza, perde espaço e dinheiro.”
Contratos de adesão: armadilhas para os desavisados
Outro ponto abordado com preocupação foram os contratos digitais de distribuição, muitas vezes aceitos sem leitura. Carlos Mills alertou para os riscos de “plataformas que oferecem dinheiro adiantado ao artista, mas que, nas letras pequenas, garantem a cessão total dos direitos patrimoniais da gravação”. Ele destacou que muitos artistas não entendem que estão abrindo mão da propriedade de sua obra por valores irrisórios. “Se a música não acontece, tudo bem. Mas se vira um sucesso, o prejuízo é enorme e muitas vezes irreversível.”
Alternativas de receita: sincronização e inovação
José Celso Guida apresentou a sincronização musical como um caminho sólido de geração de receita. A prática, que consiste em licenciar músicas para uso em filmes, séries, publicidade e games, exige profissionalismo, conhecimento e relacionamento com supervisores musicais. Ele revelou que o Brasil já possui uma associação de supervisores e que as editoras estão cada vez mais atentas a esse mercado. “É um trabalho de longo prazo, mas é um caminho viável e profissional de remuneração para autores, intérpretes e produtores.”
Henrique Leite também apontou oportunidades em áreas menos óbvias, como plataformas de beats e vocais (ex: Splice) e o uso da música em aplicativos como Peloton. Ele lembrou ainda que “plataformas de conteúdo gerado por usuário, como TikTok, usam música o tempo inteiro, mas ainda carecem de um modelo transparente e justo de pagamento aos criadores”.
O artista como empresa: do talento à estratégia
No encerramento do encontro, os três convidados reforçaram que o artista de hoje precisa se comportar como um empreendedor da própria obra. Isso inclui planejamento de lançamentos, gestão de equipe, comunicação eficaz e, principalmente, conhecimento jurídico e de mercado. A desproporção entre investimento na gravação e na divulgação — como gastar R$ 20 mil em estúdio e R$ 200 em marketing — foi citada por Mills como um erro recorrente.
Além disso, o trio ressaltou a importância da educação formal para suprir a lacuna histórica do setor. Cursos como a formação executiva em music business da FGV foram citados como fundamentais para fortalecer a profissionalização. “Capacitação é a chave para longevidade e autonomia na carreira musical”, concluiu Carlos Mills.




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