Entrevista: ‘Rap de hoje tem mais musicalidade e menos conteúdo’, Renan Inquérito

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Grupo Inquérito. Foto: Diego Zacarias

POR NOISE D
Colaboração: James Lino

O grupo de rap da região metropolitana de Campinas/SP, INQUÉRITO pode ser considerado uma imensa ilha de positividade, combatividade e verdade no mar de futilidades que se tornou o rap brasileiro da atualidade. Em aproximadamente 20 anos de história, o grupo – capitaneado pelo poeta e MC Renan, juntamente com o backing vocal Pop Black e DJ Duh -, lançou seis álbums: “Mais Louco Que U Barato” (2005), “Um Segundo é Pouco” (2008), “Mudança” (2010), “Corpo e Alma” (2014), “Corpo e Alma Remix” (2016) e, a pouco tempo, “Tungstênio” (2018). Todos são obras que nos levam a muitas reflexões, com letras elaboradas, poéticas e com mensagens que pregam mudança, valorização da educação e literatura, luta pela igualdade e justiça. Estas são marcas do grupo.

Aproveitando o retorno do grupo à cena, com o recente lançamento de um novo trabalho, o Bocada Forte trocou uma ideia com Renan. Confira!

BF: Conte pra nós como tudo começou. Qual foi seu primeiro contato com o hip hop/rap e quais suas principais influências lá no início?

Renan/Inquérito: O primeiro rap que eu ouvi na vida foi Meu respeito eu não enrolo numa seda do Face da Morte, isso em 1996, na 6ª série, um mano levou no walkman, tinha Câmbio Negro também. Depois, numa festa na laje lá na Favela do Flamengo (Jd. Peri), ouvi o CD dos Racionais “Sobrevivendo no Inferno”, foi automático, peguei o CD emprestado e gravei numa fita K7, ouvi sem parar até decorar todas as letras, na sequência saí escrevendo as minhas.

A crítica ao rap era que faltava musicalidade, hoje ele tem muito mais musicalidade e muito menos conteúdo.

BF: Qual sua visão sobre a música rap brasileira atual? Você não acha que, de uns anos para cá, temos cada vez menos representados na música os valores e princípios que norteiam a cultura hip hop?

Renan/InquéritoSim, acho. A crítica ao rap era que faltava musicalidade, hoje ele tem muito mais musicalidade e muito menos conteúdo. Porém, sempre exigimos que o rap fosse considerado e respeitado como música, que ele fosse pareado com todos os outros estilos, hoje ele é, e sendo assim entra cada vez mais pra indústria da música, cuja maior preocupação é com o lucro e não com os princípios da nossa cultura. À medida que os moleques vão conhecendo o rap desvinculado do hip-hop, ou seja, a música separada da cultura, esse abismo aumenta, é como se eles comessem o chocolate e nem soubessem que vem do cacau.

Renan Inquérito. Foto: Márcio Salata

Rappers que não leem, ou que só leem rede social, são perfeitamente capazes de escrever, e escrevem… Letras tão duradouras quanto suas timelines.

BF: Atualmente rappers parecem nascer em árvores e a maioria deles não tem qualquer intimidade com a leitura. Como você avalia a importância da leitura na formação de um bom MC?

Renan/InquéritoA leitura é fundamental para quem quer escrever qualquer tipo de texto, seja rap, conto, romance ou comédia. Rappers que não leem, ou que só leem rede social, são perfeitamente capazes de escrever, e escrevem… Letras tão duradouras quanto suas timelines.

Grupo Inquérito. Foto: Diogo Zacarias

BF: Você é um dos rappers que mais trabalha o tema educação em suas letras. Qual a importância da educação na sua vida e como podemos pensar o Brasil para o futuro, com um governo que descarrega milhões de Reais em segurança e repressão, deixando a educação de lado?

Renan/InquéritoA educação me salvou de várias maneiras, foi fundamental na minha vida, mas eu fui educado mesmo no hip-hop, isso me deu coragem, indignação e sobretudo força, inclusive para lutar pela própria educação. Eu até escrevi sobre isso: “só vou desistir, abortar a missão, quando a educação virar ostentação”. A falência da educação pública é um grande negócio, porque uma escola de qualidade não daria espaço pro surgimento de tanta escola particular, que transforma a educação em mercadoria e consequentemente exclui quem não pode pagar por ela. Assim também fazem com a saúde, com a comunicação, etc. Se todo filho de político fosse obrigado a estudar em escola pública pode ter certeza que a educação seria tratada de forma diferente.

BF: Renan, você que já passou por alguns estados da federação… Qual deles tem a melhor qualidade de ensino e o que fez você ficar impressionado e chegar nessa conclusão?

Renan/InquéritoNão posso responder essa pergunta pois eu passei por vários estados enquanto artista, de forma rápida, não como professor, não tive essa vivência, então fica impossível de fazer tal avaliação.

BF: Se você encontrasse uma pessoa que já ouviu falar em você mas não conhece nada de hip hop/rap, poesia e slam poetry, qual álbum mixtape, EP, Doc, filme, Livro e/ou batalha você indicaria para esta pessoa e porque?

Renan/InquéritoA música Lição de Casa, que tá no disco novo, porque acho que ela quase que pega na mão da pessoa e diz: “olha só… vou te mostrar uma cultura transformadora, do bem, vem comigo, olha isso que bonito”…

BF: Vivemos um momento extremamente polarizado na nossa política, com ânimos muito acirrados e uma boa dose de intolerância e ideias fascistas florescendo com força. Recentemente tivemos até mesmo um brutal assassinato de uma vereadora engajada na luta pelos Diretos Humanos, no Rio de Janeiro. Como você acha que podemos vencer essa verdadeira avalanche de negatividade?

Renan/InquéritoContinuando a luta, sem abaixar a cabeça, não retrocedendo nossos direitos nem nossos deveres, sem esquecer quem somos, e sobretudo sem esquecer da nossa história para que os erros do passado não sejam repetidos no presente. Mataram Malcom, Marthin, Olga, Toninho, Marielle e tantos outros, mas nunca matarão nossos sonhos, nossa garra e nossa fé! É como diz uma poesia da Elisa Lucinda: “minha esperança é imortal, sei que não dá pra mudar o começo, mas nós vamos mudar o final”.

Capa do álbum ‘Tungstênio’

BF: A gente noticiou no BF o recente lançamento de “Tungstênio”, novo álbum do grupo Inquérito. Conte-nos um pouco das etapas de formulação desse álbum, as inspirações, dificuldades e aprendizados até o lançamento.

Renan/InquéritoÉ um álbum conceitual, como todos os outros, eu gosto disso, de amarrar as músicas, o título, o conteúdo, a capa. O disco começou despretensiosamente, primeiro era pra ser um single, depois um EP, e quando vimos já era um álbum completo. Comecei em Portugal, quando passei por lá em 2017, gravando com rappers africanos, misturando o rap com o fado português, depois continuei no Brasil, fazendo música com Zeca Baleiro, Mato Seco, Rashid, engrossando o caldo, amadurecendo o som, digerindo as ideias e gestando as músicas até o filho nascer.

BF: Quais os próximos passos do Renan e do Inquérito? Fala pra gente como andam seus projetos e também um pouco da agenda do grupo.

Renan/InquéritoEsse ano o plano é fazer clipes de todas as músicas deste disco. Em 2019, o Inquérito faz 20 anos, é simbólico, quero tentar fazer algo, um disco ao vivo, um DVD, ainda não sei. Mas eu também tenho vontade de falar de amor, fazer músicas de amor, fugir do estereótipo que carrego (risos), talvez eu faça algo em torno disso.

A agenda de shows tá assim: dia 21/04 estaremos em Campinas; 28/04 em Caieiras; 11/05 em Ribeirão Preto; em 09/06 na cidade de Sorocaba e em 12/07 em São José do Rio Preto.

Fora isso tem a Parada Poética, sarau que faço todo mês na minha cidade, Nova Odessa, e que também roda escolas e Fundação CASA. Em abril visitarei diversas escolas em Santa Catarina e em maio na Feira do Livro de Ribeirão Preto-SP. Em junho darei aulas num curso de verão em Portugal, passarei alguns dias por lá a convite do professor Boaventura de Sousa Santos.

Renan Inquérito. Foto: Márcio Salata

BF: Mande uma mensagem para os jovens MCs por todo o Brasil e também para todos os seus fãs.

Renan/InquéritoXóvensssss! A bolinha da ponta da caneta é de tungstênio!

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Ouça os álbuns anteriores do grupo Inquérito na íntegra:

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