Entrevista | ‘O rap que eu cresci ouvindo pregava a paz (…) Amor é revolução’, Rashid

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Foto: Tiago Rocha

POR BRUNA LOREDO
Colaboraram: James Lino, Bob RapLVNoise D

RASHID é um dos maiores talentos da cena rap brasileira em São Paulo. Nascido na zona norte da capital paulistana, em 21 de março de 1988, Michel Dias Costas (nome de nascença) começou no rap com o grupo Strondu – junto com Projota e Artigo. O nome Rashid, cunhou durante essa fase e significa “Justo” na língua árabe. Era a época das batalhas de rimas, como a do metrô Santa Cruz, Rinha dos MCs e Liga dos MCs, onde ganhou respeito e notoriedade na cena.

Recentemente, o artista lançou o trabalho intitulado “Crise“, com 10 faixas, que traz produções de Skeeter, Wzy, DJ Duh, Deryck Cabrera, Nave, além do próprio rapper, e participações de Luccas Carlos, Godô, Ellen Oléria e Camilo. O trampo é denso e traça um perfil do artista, como MC e como empresário.

Sempre na correria, o Bocada Forte aproveitou uma oportunidade, entre um show e outro, para trocar uma ideia com Rashid. Confira!

Bocada Forte (BF): Rashid, seu novo disco se chama “Crise”. Quais foram as referências para criar esse álbum? Por que exatamente esse nome?

A capa de “Crise”, por Elias Mast

Rashid: Tem uma ligação com o momento político do nosso país, mas não para aí, tem mais a ver com o quanto isso nos provoca crises pessoais, internas, colaborando pra esse momento em que temos recordes de números de adolescentes com crises de ansiedade e depressão. As músicas, embora tenham seus temas próprios, são ligadas também por uma variação de estado de espírito que permeia o disco, passando da autoconfiança pra total insegurança, felicidade, frustração, etc.

BF: Pra você chegar até aqui, ser “o” Rashid, quais foram as dificuldades que o Michel teve que enfrentar?

Rashid: As dificuldades vêm de vários lugares diferentes. Falta de dinheiro e falta de perspectiva, carência de informação sobre como e onde conseguir as coisas. Tudo isso atrapalha.

No começo tem aquele lance com a família, que preocupada com seu futuro, geralmente não aceita tão facilmente sua escolha de se tornar artista (ainda mais no nosso caso, no Rap). Por aí vai… A gente vai aprendendo a lidar com essas coisas.

Minha equipe, minha loja virtual, minha produtora/selo/editora, meu escritório, etc… Tudo isso surgiu da necessidade de fazer as coisas andarem, juntando mais gente pra ir atrás do conhecimento e ter acesso aos lugares. A maioria das coisas a gente descobre na hora que precisa fazer e a missão é se tornar excelente em cada nova empreitada.

BF: Após alguns anos e algumas boas experiências fora do Brasil, você acha mais difícil rodar a América Latina ou a Europa com seu show e por quê?

Rashid: Muitas das coisas no mundo da música têm a ver com contatos (além de um bom trabalho, claro). Acredito que um bom trabalho a gente já desenvolve há um bom tempo, mas não tínhamos estes contatos necessários porque acabamos nos fechando muito pra tentar manter as coisas sob controle.

Conseguimos ir para os EUA tocar, mas até então não havia rolado uma conversa séria para irmos pra Europa. Agora rolou, estaremos em Portugal em Julho/18 e estamos tentando mais coisas.

Na América Latina iniciamos umas conversas também, mas nada muito sólido. Quando eu falo de contatos, não me refiro à uma panela ou algo do tipo, é mais o lance de conhecer as pessoas que organizam as paradas. Aqui no Brasil, o cara manda um e-mail pra fechar um show, lá fora, não temos a mesma visibilidade, então é como começar de novo. Tem que ir atrás, tentar, conversar e convencer

Houve uma demonização junto com uma banalização do que é esquerda, comunismo, socialismo onde até parte do público do rap, que costumava ser informado sobre estes assuntos, ficou perdido.

Foto: Alexandre Barrenha

BF: Estamos vivendo no Brasil – e porque não dizer no mundo – tempos de extrema polarização política e de uma ascensão muito grande de ideias belicosas e intolerantes. Na sua opinião, qual o papel da música rap neste ambiente? Como o artista do rap/hip hop pode atuar para combater o radicalismo e abrir mentes?

Rashid: Primeiro vem nosso papel como cidadãos, de tentarmos entender o outro, ter empatia. Se colocar no lugar da outra pessoa e buscar entender porque ela pensa aquilo antes de pensar em brigar ou em fazer um meme. Tudo vira briga e meme agora, especialmente sobre política.

Como artista do rap e do hip hop, acho que a iniciativa deve ser a mesma e quando houver lugar e oportunidade de fala, tentar passar uma visão bacana pro público de uma maneira que os faça pensar.

Acho que o público também não pode esquecer que os/as artistas não são políticos. Muitos estão se manifestando de suas próprias formas e não só nas redes sociais (onde a cobrança é maior), mas sim na rua, nos palcos, nos sons

É triste vermos todo artista que se posiciona ser apedrejado virtualmente. Chegamos nesse lugar nebuloso da política, em que tudo que se fala vira um portal pra uma discussão sem fim. Virou futebol: eu torço prum lado, você pro outro e já era, não se pode conversar sobre. Política não é isso… deveria ser justamente o contrário… O diálogo, o debate que leva a algum lugar, porque as consequências e os benefícios serão sentidos por todos.
Houve uma demonização junto com uma banalização do que é esquerda, comunismo, socialismo onde até parte do público do rap, que costumava ser informado sobre estes assuntos, ficou perdido.

Acho que o público também não pode esquecer que os/as artistas não são políticos. Muitos estão se manifestando de suas próprias formas e não só nas redes sociais (onde a cobrança é maior), mas sim na rua, nos palcos, nos sons, etc. Eu mesmo vou em algumas manifestações, faço alguns eventos voltados a causas, vou nas escolas dar palestras e geralmente encontro meus colegas de profissão fazendo o mesmo e não necessariamente postando fotos daquele momento. Porque aquilo ali não é pra gerar conteúdo, é pra gerar um resultado.

BF: Você é de uma geração mais recente da música rap brasileira e demonstra ter uma formação mais purista em termos de hip hop. Que valores você carrega contigo que, na sua opinião, são inseparáveis da cultura?

Rashid: Eu não sou do tipo que cobra as coisas dos artistas mais novos que eu, embora eu seja dos novos também, mas penso que algumas coisas deve ser perpetuadas. Acredito que a história deva ser estudada e passada adiante. Saber como a cultura começou, quem veio antes de você e quão dura foi a luta daqueles caras e daquelas minas na época. Isso é o básico.

Não sou radical nem tradicionalista, até porque talento e paixão não têm discussão. Se a pessoa ama a cultura e tem (ou pode vir a ter) algum talento, seja bem-vinda! Mas conhecer o passado é essencial pra construir o futuro.

BF: Rashid, com o passar do tempo, acredito que buscar inspiração fora do Rap é necessário também…se isso acontece, quem te inspira em outros estilos?

Rashid: De Bob Marley a Seu Jorge. Belchior, Claudia, Gal, Nina Simone, Miles Davis, Adoniran, Clara Nunes, Fela Kuti, Moacir Santos, Djavan, eita… hahaha Muita coisa, eu ouço bastante coisa.

O rap que eu cresci ouvindo pregava a paz, eu só to tentando dar continuidade. Amor é revolução.

BF: Com um público grande e uma cidade ainda maior, você acredita que conseguiu levar sua mensagem para todos os cantos? E se não, aonde ainda almeja ir?

Rashid: Ainda não, o Brasil é gigante, tem estados e muitas cidades em que ainda não fui. Gente pedindo o show em vários lugares. Fora do país também. Eu quero ir onde der e onde me quiserem… Sem medo de ser o Rashid. Do jeito que eu canto de graça num CEU ou numa Fábrica de Cultura na quebrada, eu colo lá na Globo e faço meu som, volto pra casa e vou comprar pão e depois vou fazer um show com o Martinho da Vila. Eu só quero fazer meu trabalho bem feito e parte disso é chegar nos lugares.

BF: No seu show você fala bastante sobre amor, em diversas áreas da vida. Você acha que essa visão é o que te diferencia dos demais rappers?

Rashid: Nada, amor é um tema recorrente no rap hoje. Eu nem tenho tantas músicas de amor, mas eu gosto de falar de amor de outras formas no show. Amor fraternal, irmandade, amizade, por aí vai. O rap que eu cresci ouvindo pregava a paz, eu só to tentando dar continuidade. Amor é revolução.

Ouça o álbum “Crise”: Spotify | Deezer | Apple Music | Google Play | Napster | Tidal

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