1984: No princípio era a dança… E a gente aprendeu olhando

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#MemóriaBF
“Break, break, break, legal / Break, break, break / Pra pular no carnaval / Vem cá, neguinho, mostra como é que é, que a gente se enrosca todo, da cabeça até o pé” (“Break, Break” – marchinha de Carvanal do apresentador de TV Chacrinha)

Cada um procura dar ao corpo uma aparência pastosa, como se fosse possível ficar de pé sem ossos. Quando se jogam no chão e apresentam novos passos, as evoluções assemelham-se à ginga da capoeira, mas sem a violência da prática afro-baiana. Às vezes, eles utilizam a mímica – e aí ficam muito engraçados – para mostrar que estão subindo escadas, pendurados em arames ou empurrando imaginários objetos.” Assim, o jornalista Antonio Mefra, do jornal O Globo, descreve alguns passos da dança que causa impacto nas ruas.

O ano é 1984, marco do desenvolvimento político do país e da cultura de rua. O regime militar está ruindo, a oposição, os artistas e grande parcela da população participam da Campanha Pelas Diretas Já. Nesse contexto, os sujeitos dessa história não atuam como especialistas em Hip-Hop, são pessoas que amam e música negra e a dança e, dessa forma, traçam as primeiras linhas do que chamamos de movimento.

O início da década de 80 marcou uma fase de transformações na música negra, os sons ritmados, os teclados e os timbres vindos de baterias eletrônicas como a Oberheim DMX e a Roland 808, invadiram as FMs, a manipulação de discos de vinil sobre um estilo diferente de funk começava a ser conhecida por uma grande parte dos jovens brasileiros.

DJ Zegon. Foto: Reprodução/Facebook

DJ Zegon, em entrevista ao BF, falou como era a produção musical da cultura Hip-Hop: “No começo, tudo era mais tocado e feito com teclados, os loops eram feitos com fita, quando surgiram os primeiros samplers, eles tinham poucos segundos (pouca memória), por isso os sons eram picotados, mais elementos com stabs (ataques) e horns, predominavam. Para se fazer um loop, se sampleava em vários pedaços e emendava”. Artistas como Kurtis Blow, Boogie Boys, Malcom McLaren, Whodini, Mantronix, entre outros, faziam parte dessa trilha. A nova estética não agradava os músicos mais conservadores, mas atingiu em cheio a juventude brasileira. A repetição sintetizada passou ser representada visualmente com a dança de rua, expressão que o Brasil conheceu entre 1983 e 1984.

Cada lugar um lugar
Considerado uma moda passageira, o break (assim denominado na época) invadiu as páginas dos jornais. Inspirados em vídeos de Michael Jackson, Lionel Ritchie, no filme “Flashdance” e na dança final de “Footloose”, jovens das periferias das metrópoles brasileiras entraram na onda break. Escolas, esquinas e quadras esportivas eram os espaços para a prática da nova dança.

Performances de grupos cariocas como o Revelation, vencedor de um concurso no programa do Chacrinha (TV Globo), dominavam salões de baile como o Casssino Bangu e o Bangu Atlético Clube, entre outros do Rio de Janeiro. No Distrito Federal, o governo promoveu um festival de “breake” (grafado dessa maneira na Gazeta Mercantil – julho de 1984). Segundo o jornal, os comerciantes do DF ressaltavam o fraco poder aquisitivo dos adeptos do break, apesar da dança ser uma febre entre os mais novos, mesmo assim, os dançarinos usavam a moda surfe como referência, a grife OP (Ocean Pacific) era a mais popular.

Em São Paulo, a dança ganhou força na rua. O break estava em diversas partes do país, a TV foi seu principal veículo de divulgação. “Treinei os primeiros passos em casa. Pensei que não seria capaz de dançar igual aos norte-americanos, porque achava que o que tinha visto na TV eram efeitos visuais. Mas eu sentia o drama da coisa: uma nova era da dança estava surgindo”, comentou Nelson Triunfo, em entrevista ao jornal o Globo (1984). Nelson estava há sete anos em São Paulo, conhecia bem o movimento black brasileiro (soul, samba, funk) e se apaixonou pelo break.

Segundo o historiador Rosenverck Estrela Santos, nesse período, surgiram os primeiros grupos de break de São Luis do Maranhão, como o Spectro Break (Liberdade), Electro Dance (Monte Castelo), Dente de Sabre (Cohab) e Break Funk Street (Maiobão), a partir da união de jovens que freqüentavam as festas de miami bass e funk pelos bairros periféricos, nas quais tocavam quase que exclusivamente músicas americanas.

Def Yuri. Foto: Jorge Marinho

O poder da imagem
Def Yuri
, veterano integrante do movimento, relembra algumas cenas da época: “Os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 84, onde, na abertura, vários b-boys exibiram sua arte […] o Programa Amor, Circo do Carequinha, O Povo na TV e por aí vai – programas dos mais diferentes gêneros […] O grupo Break Machine tocava em várias rádios, rolava também Whodini, Boogie Boys, Afrorican, Kurtis Blow, só para citar alguns nomes, sem esquecer do maior sucesso, tocado até a exaustão, o grande Afrika Bambaataa”.

A febre do break proporcionou a criação de campeonatos de dança, alguns televisionados, como no programa do apresentador e radialista Barros de Alencar, na TV Record. Mas foi a estreia do filme “Beatstreet” (Na onda do Break), que trouxe mais informações sobre a cultura Hip-Hop para a maioria dos dançarinos. “Este foi o primeiro filme a elucidar dúvidas a respeito da cultura hip hop. Eu me lembro de que as sessões eram verdadeiras festas de b-boys”, afirma Yuri, que também relembra o fenômeno Black Juniors, grupo produzido por Mister Sam que emplacou a música “Mas Que Linda Estás”. Em setembro de 1984, o conjunto paulistano Eletric Boogies fez uma apresentação na pré-estreia de “Beatstreet”. O programa Fantástico, da Rede Globo, registrou um dos primeiros festivais de Break de São Paulo.

A TV, nos anos 1980, serviu de portal para o conhecimento da cultura de rua no Brasil, numa época onde não havia internet, MP3, telefones celulares. A abertura da novela “Partido Alto” exibe dançarinos de break evoluindo em meio ao som de “Enredo do Meu Samba”, música com a potente voz de Sandra de Sá. Em nossos dias, existe uma forte discussão sobre a importância da aparição de artistas do Rap e do Hip-Hop na televisão.

Na década de 80, os elementos do Hip-Hop não eram conhecidos pela maioria de seus adeptos. Hoje, a informação circula mais rápido, mesmo assim, a conexão entre os elementos é mais fraca, muitos MCs se afastaram da dança de rua. Em 1984, a ideia do “faça você mesmo” acolhia os jovens amantes da cultura de rua. São mais de vinte anos de vida. O tempo não para, o espaço muda, o Hip-Hop se transforma. No início dos 80, os dançarinos eram chamados pela mídia de breakers, breakmen, entre outros nomes. Com o passar do tempo, a dança de rua passou a possuir vertentes e estilos, o conhecimento sobre o Hip-Hop aumentou, o termo break foi rejeitado. Mudanças que serão abordadas em outra ocasião.

*Texto publicado originalmente em 25 de abril de 2010.

2 COMENTÁRIOS

  1. […] Todos chamavam essa parada de break. Foi assim que tudo chegou até mim. Eu não tinha ideia do que era o Hip Hop e seus elementos. Muitos caras da minha idade se apaixonaram por aquelas batidas eletrônicas e cheias de groove. Os mais velhos ainda preferiam os sons mais acústicos do funk e do soul. Eu nem sabia que “Basketball” era um Rap. Nem como esse tipo de música era feita. […]

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