Especial Mídias do Hip Hop | Noticiário Periférico: ‘dialogar, conscientizar e entreter nossos iguais’

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Anderson Hebreu e Ana Rosa, editores do Noticiário Periférico. (Foto: Divulgação)

Criado em 2007, com o primeiro post publicado em 8 de agosto e uma logomarca criada pelo grafiteiro baiano Corexplosion, O Noticiário Periférico é um dos mais populares sites da cultura alternativa e do Hip Hop brasileiro. Atualmente, o veículo tem 164.290 curtidas e 175.225 seguidores em sua página no Facebook (dados coletados no dia 21 de junho de 2020).

Em entrevista ao Bocada Forte, seus editores, Anderson Hebreu e Ana Rosa, revelam que foi no elemento conhecimento, que encontraram lugar de fala e pertencimento para contribuir e participar efetivamente da Cultura Hip Hop, com ênfase na produção negra e periférica.

Vindos da geração que debatia sobre Rap no Orkut, Hebreu e Rosa enfrentam as dificuldades que toda mídia alternativa tem, mas não deixam de divulgar os projetos que, segundo eles, se encaixam em seus princípios.

Por sua militância periférica, o NP foi alvo de ataques em sua página, mas com a colaboração de seus seguidores, artistas e blogs parceiros, a dupla deu a volta por cima. Eles falam sobre isso e muito mais nas linhas abaixo.

Bocada Forte: Recentemente, o NP sofreu uma espécie de ataque com a avaliações negativas em sua página no Facebook. Poderiam falar sobre o ocorrido?

Anderson Hebreu: Desde que a gente entendeu a importância do Noticiário Periférico, na questão de se posicionar politicamente, tá ligado? A gente tem feito isso e não é de agora. Desde 2014, quando Bolsonaro, então deputado, disse que não estupraria Maria do Rosário pois ela não mereceria, a gente já fazia post com posicionamento contra ele. Na última eleição também. Recentemente, a gente compartilhou uma fala da página Pretitudes que era assim: ‘Bolsonaro é a segunda maior vergonha do Brasil, a primeira é você que o defende’.

Instantaneamente, as pessoas que gostam do Noticiário começaram a compartilhar. No princípio, foram só coisas positivas, com um número alto de compartilhamento. O bagulho fugiu do controle, mano! Daí muita gente que era amiga das pessoas também compartilhou, tá ligado? O bagulho deu 12 milhões de visualizações e mais de sete mil compartilhamentos.

Muita gente que não segue o Noticiário Periférico ia na postagem original pra xingar, postar memes e fazer todo tipo de atrocidade. Eles começaram a avaliar a página como ‘não recomendo’. Mano, foi muita gente. Não dá nem pra pra contar. A gente até tentou bloquear e não ficar discutindo com esse tipo de internauta. O Noticiário não sabia se isso iria prejudicar o alcance da página, por isso que a gente fez um apelo para as pessoas avaliarem bem nossa página. Nossa avaliação estava caindo muito. O Facebook, com os algoritmos dele, quando muitas pessoas ‘não recomendam’, pode ser que ele não entregue nosso conteúdo para um número X de seguidores e tal. Mas basicamente foi isso. Foi pelo nosso posicionamento. A gente concordou com o posicionamento da página Pretitudes.

BF: E houve solidariedade e colaboração das pessoas? Houve colaboração dos blogs? Fizeram algum post ou matéria? Os blogueiros compartilharam seus pedidos para mudar a situação?

Anderson Hebreu: A gente não fez um post na página. A Ana Fez uma publicação no perfil pessoal dela. E ela é influencer, tá ligado? Aí muita gente fortaleceu. Muitos amigos, DJs, MCs, blogueiros também. O Jeff, do Submundo do Som, o Bruno, do Rapevolusom, o Allisson, do Hip Hop Sem Maquiagem. O Kamau foi lá e recomendou, eu achei da hora. O Markão, do DMN também. Aí a página voltou a ter a avaliação média que ela tinha.

Ana Rosa: Nas últimas semanas, depois que as pessoas descobriram a importância do ativismo digital, como formação de opinião, tanto pro bem (as pessoas que usam isso para mobilizar, ajudar e tal), descobriram pro mal também (fake news e ataques para desmoralizar), a gente tem tido bastante visibilidade, principalmente nos posts que envolvem política.

Muita gente preta tem gostado de nossos conteúdos. Achamos bem legal isso.

(…) ser político é bem mais do que só criticar o sistema nas letras. Ser político é se divertir, é organizar um coletivo: um canta, um divulga, um produz, e nisso temos quatro, cinco moleques/minas artistas e com grandes chances de mudar a vida

BF: Nestes anos de existência do NP, novos estilos dentro do Rap e da música periférica foram criados, mas também a essência é manifestada por parte da cultura Hip Hop. Como veem essas transformações? Há muita despolitização na cena ou os que são militantes ainda fazem sua arte sem o destaque que gêneros ‘hypados’?

Ana Rosa: Olha, eu posso garantir que eu cresci muito com o blog. E parte da minha personalidade é por conta dos diálogos e trocas que o NP proporciona. Falando de trap, que é o gênero que eu acho ser o destaque já há algum tempo, eu odiava (risos).

Mas eu comecei a entender que ser político é bem mais do que só criticar o sistema nas letras. Ser político é se divertir, é organizar um coletivo: um canta, um divulga, um produz, e nisso temos quatro, cinco moleques/minas artistas e com grandes chances de mudar a vida.

Eu me incomodo sim com a linha de produção que parece fazer a mesma música e que pra algumas pessoas é suficiente, mas aprendi que não dá pra colocar um selo de que esse tipo de Rap não presta e acabou.

Então eu acabei gostando das transformações… e que tem gente produzindo música de tudo quanto é tipo, então se a gente se incomoda com o hype que coisas que não gostamos tem, devemos procurar o porque disso. Será que no mundo não tem ninguém que consome a mesma coisa que eu? Lógico que tem, então cabe a gente avaliar nossa forma de consumo e tentar ‘hypar’ os não ‘hypados’ (risos).

Anderson Hebreu: E completando, há muita gente que ainda faz som de cunho politizado. Com um discurso mais ameno e diluído, mas fazem. Tipo tem uma mina preta gaúcha, a Cristal, que vem levantando a bandeira que tem preto no sul e fazendo som no beat de trap conscientizando uma molecada preta do trap.

Ana Rosa, editora do Noticiário Periférico. (Foto: Divulgação)

BF: Por mais esforço que os blogueiros demonstrem entre trabalhar fora do Hip Hop para pagar suas contas e manter seus blogs e redes sociais atualizadas com destaques da cena que a grande mídia não vê, muitos artistas criticam os sites por falta de espaço e confundem o trabalho de veículos do NP com algum tipo de assessoria de imprensa. Como veem essa parada? É preciso paciência e algo mais (risos)?

Anderson Hebreu: A culpa, muitas vezes, foi nossa, com o papo “vamos fortalecer seu trampo”. Muitos acham que nosso papel na cena é fortalecê-la e que nós somos playboys brancos que temos a obrigação de cobrir tudo na cena porque somos muito bem remunerados por isso. Eles acham que as mídias de Rap são como um portal UOL, Globo etc. Eu já fiquei com muita raiva, em alguns casos, eu vou com a conta do NP confrontar, pois eles são folgados.

Ana Rosa: Nossa nem fala. Para além do lance do desrespeito com sua própria arte, que é você não preparar algo pra oferecer seu trampo pra alguém, eu acho que tem o lance da humildade do artista. Muitas vezes, eu percebo que preparam um puta material e energia para portais maiores, e pra gente, que tá tentando se organizar de maneira independente igual eles, eles mandam o link e fala “FORTALECE AÍ”. E quase sempre eu envio sugestões de como montar um release ou algo assim, e poucos me retornam de maneira positiva e agradecendo.

No NP, a gente prioriza os que já vem com informações, mas não descartamos os outros. E eu acho muito ridículo quem critica portal sem dar nome aos bois. Quando fazem elogios colocam o nome, mas nas críticas tem que pôr também, senão a gente entra num balaio que não é nosso.

Anderson Hebreu: E outras mídias já foram cobrar junto, porque quando eles ficam famosos, nem lembram das mídias que os fortaleceram. Outra coisa: os que sempre reclamam não conhecem todas mídias de Rap. As críticas são: “os portais de rap só falam de fofoca”. Mas a maioria nem faz esse tipo de conteúdo. Só dois fazem! Mas eles tem medo de citar os dois portais de maior acesso no país.

BF: Mas muitos artistas valorizam os blogs. Como no caso do GOG que fez sua live em parceria com o BF e ainda citou outros veículos, como o NP? O que acham disso?

Anderson Hebreu: Muitos valorizam mesmo! O GOG está sempre no Instagram do NP, Rubia, Markão (DMN), Amiri e uma pah de DJ também! Eu, como uma fã de Rap e Hip Hop, fico feliz pra carai! Quando o King Nino Brown seguiu o Noticiário Periférico e comentou em vários posts, ficamos felizes. Os artistas que nos seguem são os que nos influenciaram.

Ana Rosa: Isso que faz a gente não largar mão (risos). Quando eu vi o GOG citando o NP, meus olhos marejaram. É mais do que um retorno de trabalho, é nosso trampo chegando em alguém que eu admiro. Quando eu vejo pessoas que construíram o BF, entre tantos outros portais, falando bem da gente, eu fico muito feliz também.

Essa aproximação do artista gera um respeito mútuo e não nego, que dá até mais prazer de noticiar as coisas, porque a gente sabe que é importante para o/a artista e, pensando como trabalho, tenho certeza que ele vai expor nosso trabalho falando da arte dele pra muito mais gente. E as pessoas que gostam dele vão acabar acompanhando a gente. É nessa rede que a gente vai se fortalecendo.

(…) além da obrigação de informar, quando a gente gosta de algo, a gente quer MUITO que as pessoas gostem também, por isso nossos textos tem esse diferencial, de parecer que a gente tá gritando no ouvido da pessoa

Anderson Hebreu, editor e fundador do Noticiário Periférico. (Foto: Divulgação)

BF: Cada blogueiro tem seu perfil na cena. Uns são mais técnicos, outros mais jornalistas, outros trazem mais reflexões. O NP, além de ser um dos maiores veículos informativos do cenário, parece que também tem esse perfil de fã que se envolve emocionalmente com a cultura. Estamos certos? Falem um pouco sobre isso.

Anderson Hebreu: Sim, bastante mano! O público no NP, seja no Instagram ou Facebook, é muito ativo e bem característico. O nome do site já é sugestivo também, né? Noticiário Periférico. Ele atrai muita gente de quebrada, preta e em sua maioria consciente. Por isso que publicações políticas, sociais ou que remetem à cultura Hip Hop, além do Rap, atraem mais comentários e engajamentos.

Ana Rosa: Ah… eu me considero essencialmente Hip Hop. Não tem um âmbito social, político, econômico, acadêmico, que eu não seja formada pelo Hip Hop. E ser blogueira vem depois, não antes. Não teria como escrever sobre algo se eu, minimamente, não me envolvesse ou me despertasse algo. Acho que talvez seja um diferencial nosso, além da obrigação de informar, quando a gente gosta de algo, a gente quer MUITO que as pessoas gostem também, por isso nossos textos tem esse diferencial, de parecer que a gente tá gritando no ouvido da pessoa (risos).

Anderson Hebreu: E tipo assim: o NP tem como missão conversar com gente igual a nós, saca? Nós não estamos nem aí em hype e colar ou puxar saco de ninguém. Só dialogar, conscientizar e entreter nossos iguais.

Ana Rosa: E isso aproxima muita gente também, não é um portal impossível de acessar, e muitas vezes os artistas se sentem confortáveis de dividir desde trabalhos até mesmo frustrações com a gente.

BF: Como é a semana de trabalho do NP? Como filtram o que vai entrar no site? Como discutem sobre os temas que vão escrever algo mais profundo?

Ana Rosa: Nós não temos um protocolo, apesar de sermos um blog antigo, essa questão de dividir com o trabalho remunerado fora da área, nos faz dar passinhos curtos na questão de profissionalização.

Tentamos nos reunir na segunda, colocar as pautas que seriam legais, ideias de textos para trabalhar e se tem que criticar algo (infelizmente sou chamada de Trump negra por ser rude). Mas, no geral, nós filtramos o e-mail, postamos lançamentos e novidades. No fim, nós temos um código de conduta, que sempre é discutido e ampliado. Não postamos música de gente que está na nossa lista de vacilos importantes, pode ser o som mais foda do mundo, não postamos. Não postamos som com frases racistas, machistas, homofóbicas ou que reforcem algo que vai contra nossos princípios pessoais. No geral, acaba sendo isso, quando temos dúvida, nós mandamos um pro outro e avaliamos melhor o caso especial.

Acho que essa dinâmica funciona extremamente bem pra duas pessoas diferentes, mas que têm um código moral e ético parecido (risos). É também por isso que temos tanto receio de abrir o NP para novos colaboradores, porque eu e o Hebreu nos conhecemos muito, e basicamente já sabemos o que vai desagradar o outro e fugir do escopo do NP: das periferias de São Paulo pras periferias do mundo.

BF: Com a realidade atual, artistas periféricos passam por situações muito difíceis. Como acham que os sites do Hip Hop podem ajudar nessa questão, sendo que também andam mal financeiramente?

Anderson Hebreu: Sinceramente, temos feito o que sempre fizemos: divulgar artistas independentes. Claro que nesse período difícil, por conta da pandemia, a demanda em nossos e-mails aumentaram, e nós temos tentado divulgar da melhor maneira, se não no site, mas direto na página mesmo no Facebook.

Ana Rosa: Divulgando produtos e afins. Incentivando o consumo em serviços de streaming e tudo mais. Queríamos ter mais pernas pra organizar ações como lives e festivais online. Mas, por enquanto, não conseguimos ajeitar nada.

Anderson Hebreu: Até porque isso afeta todos nós.

(…) os blogs tem um modo especial de tratar as coisas de modo mais pessoal e menos artificial. Também acho que muito artista não seria artista, porque, querendo ou não, blogs como o NP mostram o lado humano do artista para além da música ou dança… ou qualquer outra arte

Anderson Hebreu, editor e fundador do Noticiário Periférico. (Foto: Divulgação)

BF: Conseguem imaginar como seria a cena sem a atuação dos blogs?, Principalmente com o impacto das redes sociais, que fez o artista se comunicar diretamente com seu fã, sem depender dos veículos?

Ana Rosa: Existiria o de sempre. Artistas tendo a imagem trabalhada por quem não é do meio e um monte de gente no underground sem ter um mínimo de destaque. Fora que as estratégias apenas com as redes são horríveis, marcar todo mundo numa publicação ou depender de inbox (risos). As redes sociais funcionam para manter o público não para angariar fãs, esse papel é da mídia, se for alguém que consome Hip Hop, as mídias especializadas são essenciais.

E mais, os blogs tem um modo especial de tratar as coisas de modo mais pessoal e menos artificial. Também acho que muito artista não seria artista, porque, querendo ou não, blogs como o NP mostram o lado humano do artista para além da música ou dança… ou qualquer outra arte. E isso faz com que sonhos se movimentem, né? É possível que meu rosto esteja naquela notícia amanhã…

Anderson Hebreu: Olhando mais para trás, as mídias de Rap já tiveram muito mais importância que hoje. Porque não tinha tanta rede social, no máximo um Orkut. Então, artistas como Emicida, Projota, Costa a Costa, Karol Conká, Rashid e uma leva daquela safra de 2005 até 2008 dependiam muito dos sites de Rap. Geral ia direto nos sites para saber as novidades.

Ouso dizer que esses MCs citados demorariam mais tempo para ficarem famosos se não fosse o Bocada Forte, Per Raps e Rapevolusom. Atualmente, é algo um pouco mais fácil, porque muitos artistas tem mais seguidores que cinco ou seis mídias de rap juntas. Agora é algo diferente, eles atingiram um patamar que não dependem mais dos blogs de Rap. Não que as redes sociais mataram os blogs, mas tivemos que nos adaptar a esse novo cenário, onde as pessoas consomem só o que elas vêem nas redes sociais.

BF: Mas os blogs ainda influenciam a cena? Geram debates importantes além das demandas de divulgação dos artistas ?

Ana Rosa: Acho que já influenciou mais. Hoje em dia, creio que youtubers influenciam muito mais em números, mas ainda temos influências importantes na formação das pessoas e, de certa forma, isso influencia na cena também. Seja na formação dela – na forma de consumir e o que projetar ao sucesso-, ou mesmo influenciando os artistas e, consequentemente, seus trabalhos.

Lógico que criamos debates essenciais, e está aí uma enorme responsabilidade de como levamos nosso trabalho. Mediar esses debates, propor reflexões é mais amplo do que compartilhar manchetes o frases de efeito.

Anderson Hebreu: Youtubers formam mais hoje, bem lembrado. E querendo ou não é um público bem mais jovem. Eles acabam até educando.

Ana Rosa: Ou deseducando (risos). Mas é um diálogo bem mais dinâmico e rápido com o os jovens.

Anderson Hebreu : Mas Submundo do Som, RAPresentando, Black Pipe e Oganpazan… e posso até por o NP, sempre têm conteúdos além do lançamentos da semana. Os sites citados sempre têm algum texto refletindo, seja sobre a cena ou sobre algo ocorrido no Brasil e no mundo. Eu ainda acredito que os blogs têm Rap em sua maioria e tem contribuído bastante para a cultura Hip Hop. Não em todos os elementos, mas na medida do possível, sim.

Ana Rosa, editora do Noticiário Periférico. (Foto: Divulgação)

BF: Falem um pouco sobre a cobertura da cena lusófona.

Anderson Hebreu: Eu gosto muito do Rap africano lusófono. Acompanho até coisas de Angola, por exemplo, ou Moçambique. Eu descobri através do site Marginal Latino, que tinha uns Raps divididos por país lá. E com isso eu fui publicando. Aí, através do Google, angolanos, moçambicanos e pessoas de outros países descobriram o Noticiário Periférico.

Também publico materiais que rappers angolanos me mandam. Acabo cobrindo o trabalho dos MCs que eu acho relevante, que têm uma boa letra,
pois lá também tem imitação dos Estados Unidos, tá ligado? Então eu faço uma peneira… Eles conhecem muito do nosso Rap. Muito do Rap que eles fazem é inspirado no Rap brasileiro, com uma mistura dos Estados Unidos porque muitos deles acabam falando inglês… Em muitos aspectos é melhor que o Rap brasileiro… ou igual ao nosso Rap.

Ana Rosa: Eu amo, tenho uma relação muito romantizada com a gratidão e status de “desejo maior” do pessoal, principalmente da Angola de sair no NP. E eu aprendo muito também de tabela. Lembro uma vez que eu reclamei pro Hebreu que as músicas vinham em MP3 não subidas no YouTube. E ele me explicou que muitas pessoas não têm acesso a internet a ponto de subir um som, então gravavam e subiam no Mediafire só pra poder mandar pra outras pessoas e tal.

E isso me marcou muito, pois eu senti a dimensão que é sair num blog como o nosso. É muito coração eu acho, somado à técnica, isso é sensacional. Tem as questões culturais também que são diferentes, muito conteúdo tem pesos diferentes lá e aqui. E nisso nós vamos filtrando e crescendo. E eles acessam mesmo, temos grandes números de acessos no site, não no Facebook apenas.

Acho que o NP nasceu como uma vontade de se sentir inserido num movimento, mostrar que a gente sabe, que tem ideia pra trocar, mas acabou sendo algo muito maior, que transcende o noticiar coisas e de fato é Hip Hop

BF: Vamos para a última: olhando no retrovisor, como tudo isso começou? Como foi o surgimento do NP?

Anderson Hebreu: Mano aconteceu uma fita bem engraçada. Não sei se é obra do destino, tá ligado. Mas, na semana passada, eu estava pesquisando alguma coisa que eu tinha publicado anteriormente, de um determinado artista. Daí apareceu a primeira publicação do blog. Eu não lembrava a data do primeiro post do Noticiário, foi em 8 de agosto de 2007. É uma publicação sobre o Snoop Dogg.

Eu sempre quis me inserir na cultura Hip Hop, eu cresci com o Rap na rua. Meus primos dançavam nas quermesses. Eu era criança, via as rodas de B.boys, também tinha o escola da família, que tinha oficina de DJ. Sempre quis fazer parte, mas eu não era bom nessas fitas.

Com a chegada da internet em casa, com o Orkut e as comunidades do Hip Hop de downloads… Tinha uma chamada ‘Hip Hop Debates’. Através da comunidade de download, um mano me chamou pra publicar downloads no site ‘Portal Hip Hop’. Pouco tempo depois, ele resolveu descontinuar o site. Mas eu gostei daquele negócio, então criei o Noticiário Periférico, que naquele momento se chamava ‘Hip Hop Rap News’, porque eu gostava da revista Rap News. É um nome ruim, mas fazia sentido pra mim na época.

Como eu não estava publicando mais nada internacional, pois fiquei mais focado no Rap nacional e não estava mais publicando download. Eu pensei em comprar um domínio e dar um nome português. Eu pensei em Noticiário do Rap, mas o nome não soava bem e já tinha o Jornal do Rap. Aí pensei, sou de periferia, gosto de noticiar a periferia. Nasceu o Noticiário Periférico.

Junto com o lançamento do domínio, além de ter um template novo, um parceiro meu chamado Corexplosion, um grafiteiro da Bahia, fez o logo pra mim de graça. Eu estava disposto a pagar, mas ele disse que eu já tinha ajudado bastante na divulgação do trabalho dele no site.

Com o tempo, o NP foi ganhando uma identidade e, inspirado em dois sites que eu gostava muito, Bocada Forte e Rapevolusom, que tinham muita coisa que ia além do Rap, formei o veículo que é hoje: algo ideológico, algo para entreter, às vezes engraçado, às vezes sério, tá ligado.

A parte em que a Ana chega, ela conta, tá ligado? Acho que foi sete anos depois.

Ana Rosa: Eu sempre me senti deslocada do Hip Hop porque falhei em todos os quatro elementos (risos). Até que em um momento da minha vida eu conheço o KRS-One, que me fala que o conhecimento é essencial e estrutural, senão o Hip Hop não acontece. Eu achei esse lugar de fala dentro do movimento. Então minha vida era esperar dar meia noite ou fim de semana, e usar a internet discada do meu computador velho para entrar em blog, discutir no Orkut sobre várias coisas e fui me aproximando desse mundo de debates online e tudo mais.

Quando as redes migraram pro Facebook eu já conhecia o Hebreu, e a gente já se aproximava em muitas questões além de Hip Hop. Principalmente a questão de negritude. Aí veio a amizade, e eu ficava mandando alguns textos pra ele publicar no blog.

Faz pouco tempo do total do blog que eu fui convidada pra entrar no time, mas na caminhada já acompanho o NP faz tempo. E com certeza eu não sou a mesma pessoa convidada por ele, cresci muito e amadureci muito, e incentivo várias pessoas a criarem seus espaços para compartilhar questões diversas.

É muito gostoso saber que eu da minha casa, às vezes, ajudei alguém do outro lado do Brasil. Já nos envolvemos em casos específicos que nos marcaram muito, de inspiração até mesmo questões policiais que conseguimos ajudar.

Acho que o NP nasceu como uma vontade de se sentir inserido num movimento, mostrar que a gente sabe, que tem ideia pra trocar, mas acabou sendo algo muito maior, que transcende o noticiar coisas e de fato é Hip Hop. Caindo no release (risos) hoje nossa vontade é ser esse espaço social, político e cultural que trabalha com todos esses sentimentos que um periférico sente. Nós não somos só revolta, embora tenhamos motivo para tal, nós pensamos, produzimos, nos divertimos, erramos e tudo mais.

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