Elxs são a primeira Posse de periferia da cidade de São Paulo e talvez até do Brasil ou quem sabe da América Latina, a Aliança Negra Posse (ANP). Em 2020, mais precisamente no dia 28 de abril, a Posse completou 32 anos de existência.
Acho que dá pra entender o quanto isso é importante, não? Muitos que estão lendo talvez nem tenham isso de vida ou tenham a idade muito próxima disso. São mais de três décadas mantendo em atividade uma Posse que surgiu e ainda tem sua base em um dos bairros mais pobres da Cidade de São Paulo.
Ela surgiu e está até hoje na Cidade Tiradentes, extremo leste, periferia, quebrada, lugar onde muito DJ ou MC nunca nem pensou em se apresentar, a não ser se um dia o SESC construir uma unidade por lá. Não é apenas uma Posse legitima da periferia, é uma Posse formada apenas por pretxs.
Soube da existência da Posse no começo dos anos 90, mas nem sabia quem fazia parte, algum tempo depois soube de um integrante/fundador, Franílson, mas foi através da sua participação no primeiro disco do Potencial 3, em 1995 – ele toca berimbau na faixa de abertura do álbum. Passaram alguns anos e conheci pessoalmente o Panikinho, mas sem saber nada sobre a sua história no Hip Hop. E olha como nada é por acaso, ele era da ANP e também do grupo Fator Ético, do qual Franílson fazia parte.
Ouça a faixa do Potencial 3 “In 3 dução”, com Franílson no Berimbau
Durante muito tempo Panikinho foi o único integrante da ANP que eu tive contato pessoalmente, morávamos próximos, ele tinha se mudado de Tiradentes. No final de 2018, fui convidado pra ser DJ em um evento na quebrada e de repente vejo chegar um pessoal de camisetas e bonés pretos e dourados escrito ANP1988. Nesse evento haveria apresentação de Rap, mas de uns manos da zona oeste, Negruniversal, Tony Saga (Sanatório) e Preta Rê (Namas7ê), então estranhei ver o nome Aliança Negra, juro que eu achava que a Posse não existia mais, pois devido ao meu afastamento do BF e por conta disso de muitas atividades do Hip Hop também, não tive mais nenhuma notícia deles.
Nesse dia conversei com Mano Bomba, Simoni Santos, Affah e Nota-C, que me falaram sobre os 30 anos, que estavam até tentando alguma ajuda junto a secretaria de cultura para uma festa. Achei um absurdo não terem um tratamento melhor, a festa de 30 anos deles merecia a grandiosidade no mesmo nível da importância histórica da Posse! Mas esse é o retrato de secretários, assessores, curadorias/panelas sem um compromisso real com a Cultura Hip Hop. A ANP é um símbolo de resistência, bem como a Força Ativa – também de Tiradentes e ainda em atividade.
Fiquei indignado com a desvalorização por parte das Secretarias de Cultura, mas muito feliz em saber que eles continuam em atividade. Voltando pro BF não podia deixar de dar visibilidade e abrir espaço pra esses “monstros sagrados” da Cultura Hip Hop periférica. Uma parte da Cultura que é esquecida até por quem faz parte do Hip Hop – ou pelo menos diz fazer parte. A entrevista foi respondida pelos atuais membros da Posse, que hoje é presidida por Simoni. Também falei com o Franilson e ele também respondeu algumas questões, dando a sua visão e versão, o que enriqueceu a história sobre o começo de tudo.
Na entrevista tem detalhes sobre a fundação, os dias atuais, projetos e também sobre política. Esse último assunto aliás não poderia ficar de fora, pois se dependêssemos da Cidade Tiradentes o governo atual do nosso país seria outro.
Os eleitores da região, em sua maioria, votaram contra o retrocesso, a barbárie e as mais variadas formas de preconceito.
Como já foi citado, eles estão há 32 anos no extremo leste de São Paulo, se você não conhece, fique conhecendo e se puder pelo menos compartilhe na sua rede social para que mais pessoas tenham conhecimento de quem são, o que foram e o que representam xs manxs da Aliança Negra – A Primeira Posse de Periferia. Views, seguidores e jóinhas podem dar popularidade e até render um dinheiro pra uma galera, mas o respeito que o preto e dourado da #ANP1988 tem nos extremos da cidade, eles nunca vão ter.
Em algumas perguntas respondidas por Franílson e os atuais membros, pode haver divergências de nomes ou até nomes repetidos, mas aguardamos a ajuda deles para possíveis correções. Essa entrevista foi feita bem antes da pandemia e pelos mais variados motivos, acabou atrasando a publicação.
Bocada Forte: Pra começar, eu gostaria que vocês fizessem um resumo, sobre o começo da Posse. A data de fundação, fundadores, o motivo de criar uma Posse, se teve um estatuto, uma sede, etc… Por favor.
Aliança Negra: A Aliança Negra Posse surgiu no dia 28 de Abril de 1988, com o nome Atitude Negra, mas devido a já existir um grupo com o mesmo nome, foi trocado para Aliança Negra Posse. Ela foi criada com intuito de trazer a Cultura Hip Hop e transmitir informação para a juventude da periferia. Exigindo de nossos governos melhorias para nosso bairro, nas áreas de saúde, educação, cultura, lazer e segurança. Somos da Cohab Cidade Tiradentes, um dos maiores conjuntos habitacionais da América Latina, com os maiores índices de criminalidade e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) muito baixo. A Posse foi criada no bairro e por esse motivo é a primeira Posse de periferia. Foi criada por membros da Primeira Posse do Brasil, o Sindicato Negro, da Praça Roosevelt (centro de São Paulo).
Os fundadores são: Franilson, Alexandre (Micha), Augusto (membros do Conexão Break Rap), Rick Jay, Lecão (Embriões CT), Lucian Steci Jay, Boris (Criminal Máfia / Domínio Negro), Paco (Beat Cat / Estilo Natural), MKS Family Rap, Rick Brown (Leroy), Caveira (Street Masters), MC Bomba (African Rap MCs), Simoni Santos (Defesa de Rua), Claudio (Coquinho), Alexsander (Keké), Wanderson (Beat Cat), Carlos Eduardo (The Phanter MCs), Russinho, Pit, Ana Paula (The Girls), Alex, Eduardo Beiço, Miro.
Temos Estatuto e regimento interno que são seguidos a risca pelos membros da Posse. Nossa primeira sede era na Avenida dos Metalúrgicos, 1521 e a sede provisória está na Rua Luis Bordese, 94 sala 02/03.
Franílson: A origem foi através de encontros com vários B.boys, que na época frequentavam a São Bento e posteriormente a Praça Roosevelt, entre eles eu, Augusto, Alexandre (Conexão Break Rapper), Valmir (Mi), Robson, MKS, Junião B.boy e Grafiteiro (em memória), Doctor Jay dos Doctors MCs, Robson B.boys (em memória), Bat Cat, entre outros. Os encontros aconteciam na Escola Dr. José Augusto Cesar Salgado, localizada na Avenida dos Têxteis em Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, porque o deslocamento até o centro era muito demorado.
A escola tinha o pátio aberto, espaço adequado para a prática dos elementos do Hip Hop, era a prévia dos eventos que ocorriam a noite nos bailes. Na trajetória conhecemos vários grupos de Rap e a surpresa foi saber que alguns deles eram do nosso bairro. Então ocorreu naturalmente essa aproximação e foi crescendo cada vez mais o movimento na escola Salgado.
Cada grupo colaborava em levar equipamentos de som nas tardes de sábado, entre eles o Original Hip Hop, Street Master, Criminal Máfia (Domínio Negro), Código MCs, Family Rap, Periferia Rap, Comando de Rua, As Guinatas, The Girls, Força Radical Feminina (FRF), Niggaz, Mulheres de Atitude, Conexão Break Rappers (atual Fator Ético), LNA, African Rap, The Panthers MCs e Defesa de Rua. Esse coletivo foi ficando cada vez mais denso, e muitas pessoas que não eram ligadas ao Hip Hop começaram a acompanhar, surge à necessidade de identidade deste coletivo juntamente com a identidade do bairro, e qual seria esse nome que traria a tal identidade e pertencimento local?
A resposta foi unânime – Posse! O primeiro nome adotado foi Atitude Negra através de eleição, utilizamos esse nome por um tempo, mas logo descobrimos que tinha um grupo de Rap com o mesmo nome, então em nova eleição foi adotada Aliança Negra Posse. Por conta disso, posteriormente houve equívocos em relação à data de fundação da Aliança Negra, fundada em 1988 e comemorada o aniversário em 1989, onde foi oficializado em definitivo Aliança Negra Posse. A função da Posse na época era difundir o Movimento Hip Hop na essência, mas também a necessidade de adquirir outros conhecimentos relacionados a identidade, formação política e social. Com a dimensão tomada pela ANP, formamos uma comissão para elaborar o estatuto de conduta dentro e fora da Posse, pois tínhamos compromissos sociais que os membros teriam que se “enquadrar” nessas normas e o não cumprimento ocasionaria até em expulsão, tudo que a ANP realizava tinha que estar exatamente dentro da Lei.
A aquisição da sede própria foi um dos exemplos, fomos até a Companhia de Habitação (Cohab), pleitear um espaço cultural na Cidade Tiradentes para servir de sede e trabalhos voltados para a comunidade, em especial a juventude negra. Foram vários anos de luta junto ao órgão pelo espaço, até que conseguimos a permissão de uso de duas salas no centro comercial, não invadimos espaços, não ocupamos nada, deveria estar tudo dentro da lei, conforme os valores que tínhamos no princípio e levávamos a sério.Bocada Forte: Atualmente qual é a formação da posse, a quantidade de integrantes, homens, mulheres e também LGBTQI, se tiver também… Se hoje tem uma sede ou algum lugar fixo para reuniões, ensaios, etc…
ANP: Atualmente somos 11 membros – Mano Bomba, Simoni Santos, Keflyn, Affah, Lecão, DJ MS, Notah-C Pretologia, Jero J Black, Duin Maloca (D’Quebrada), Andreia e DJ Rick Jay. No momento a posse não possui uma representatividade LGBTQI. Não temos uma sede atualmente, mas nos reunimos no espaço da ONG Colibri para reuniões ou agendamos um espaço na Casa de Cultura Hip Hop Leste, para reuniões e/ou ensaios.
BF: Atualmente você tem alguma ligação com a Posse, dá opiniões, participa de alguma forma?
Franilson: Meu vínculo com ANP hoje é apenas com a história, eventualmente se for consultado, dou meu parecer.
Bocada Forte: A ANP tem um presidente, um diretor, existe uma divisão de funções? Como vocês estão organizados?
ANP: Atualmente a nossa presidente é a Simoni Santos, eleita pelo grupo diretório. Hoje o grupo de trabalho da Aliança Negra consiste em tesoureiro, diretor artístico, conselheiros e temos uma pessoa que cuida do marketing, fechamento de shows e atividades do coletivo.
Bocada Forte: A Cidade Tiradentes há muito tempo tem uma representatividade muito grande na Cultura Hip Hop, com todos os elementos, principalmente grupos de Rap e também com duas das Posses mais atuantes, que são vocês e a Força Ativa. Sei que houve tempos de distanciamento entre as Posses, mas hoje estão mais próximas. Porque aconteceu esse distanciamento e também a aproximação?
ANP: No início dos anos 90 a Aliança Negra Posse ainda estava em busca do seu autoconhecimento. A pouca idade dos membros, na época, tornara os conflitos um pouco mais calorosos. Havia uma dificuldade de dialogar com várias frentes de organizações da época. Tendo em vista que nos anos 90 o movimento Hip Hop possuía um diálogo mais estreito com o movimento negro, do qual éramos levados a vários leques de discussões, e incluindo o Coletivo Força Ativa, que possui uma visão mais política e Marxista e a Aliança Negra Posse mantinha uma resistência por não apoiar nenhuma bandeira política, nem de esquerda e nem de direita, sempre com uma visão mais pan-africanista. Hoje a ANP compreende que a força coletiva de ambos os lados só vem contribuir com as lutas pretas e periféricas.
BF: Tenho acompanhado e vejo vocês muito atuantes com os grupos de Rap da ANP, mas sei que a ANP não é só isso. Atualmente quais são as principais atividades da Posse?
ANP: Hoje o coletivo ANP entende a necessidade de manter viva a história do Hip Hop e suas reais origens, entendendo que para os dias de hoje encontramos uma distorção e um distanciamento de suas origens – oriundas dos bairros pobres norte-americanos. Percebemos que o cenário do Hip Hop hoje está composto de um grande número de jovens não-pretos, que trazem a ideia de que o Rap não passa de mais uma cultura como outra qualquer.
Entendemos também que por esta razão o Rap vem sofrendo várias mutações, não muito construtivas e trazendo por mais uma vez o apagamento da história do Rap e de seus criadores. A ANP acredita que em poucos anos estaremos sofrendo mais uma apropriação cultural. Tema este que levou o coletivo a lançar um trabalho musical que fala sobre o tema APROPRIAÇÃO CULTURAL. O coletivo hoje busca trabalhar atividades sociais relevantes e eficazes para todas as comunidades. Seguimos participando de reuniões e debates, que venham de alguma forma contribuir e melhorar a vida de jovens pretos periféricos.
Confira a cypher da ANP, “Apropriação”
BF: As coisas sempre foram difíceis na periferia, principalmente para xs pretxs, que além de todas as outras dificuldades, ainda convivem com o racismo e a violência do braço armado do estado, a Polícia Militar. Vocês conseguem conscientizar as novas gerações, mesmo quem não é do Hip Hop, sobre essas questões?
ANP: Entendemos que com o passar dos anos esses diálogos com os jovens pretos e periféricos vem sendo esquecidos por esta nova geração do Movimento Hip Hop, que vem de forma sorrateira abandonando o compromisso que esta cultura traz. Porém o coletivo ainda aposta nas dinâmicas de encontros e palestras de conscientização. Por meio de escolas e de toda forma de espaço que podemos concentrar este público alvo. Ainda com toda a dificuldade de retomar o diálogo, sempre que possível a ANP chama pra esta discussão, ainda que de forma orgânica. Mas com o entendimento de que precisamos retomar esses diálogos de forma mais eficaz.
BF: A Cidade Tiradentes, assim como todas as outras periferias de SP, também tem os seus pancadões, os fluxos. A operação que aconteceu em Paraisópolis, a gente sabe que acontece todos os finais de semana em diversas quebradas de SP. O samba e o Rap também já sofreram repressão, mas diferente dos pancadões, sempre houve uma consciência política, social e racial por trás. Qual é a relação de vocês com os jovens, o público, existe alguma aproximação da parte de vocês para transmitir pra eles essa mesma consciência presente no samba e no Rap?
ANP: Como em todo bairro periférico, o sistema cria vários meios de perseguições para continuar justificando as várias formas de genocídio do povo pobre. A música funk de hoje em dia, tornou-se o alvo perfeito pra justificar a violência policial, que sempre existiu em nossas comunidades, com funk ou sem o funk. Baseado na perseguição histórica, que sempre ocorreu pelos mais diversos motivos, nós do coletivo ANP entendemos que trazer a molecada do funk para um diálogo é essencial para que entendam todo o processo de extermínio que este governo tem para acabar com as minorias.
Podem estar sendo fomentados pelos temas abordados em suas letras, por esta razão o coletivo ANP vem se esforçando para mesclar eventos de Rap com o funk, no intuito de provocar esta discussão, afim de trazer conhecimento e formação aos jovens adeptos dessa cultura.
BF: Da mesma forma, Tiradentes também tem muitos artistas que fazem as músicas que tocam nos pancadões, existe alguma aproximação com eles também? Pra conversar sobre o quanto é importante ter a consciência política, social, cultural e racial? Pois eles são na sua esmagadora maioria pretxs e pobres e vão sofrer repressão por conta disso e não pela música que fazem. Ou vocês acham que muitos, tanto público quanto artistas, estão aprendendo isso na prática e da pior forma possível, com violência, prisões e até mortes?
ANP: Entendemos e compreendemos que a perseguição de jovens pretos e periféricos não está vinculada a escolha do gênero musical, entendemos que o gênero musical “funk” não passa de pretexto para o genocídio de jovens pretos periféricos. A luta da ANP sempre será por todas as vidas pretas independente do gênero musical. O coletivo vem se organizando e pensando formas de dialogar de maneira mais efetiva com os jovens do funk, porém percebemos uma certa resistência de diálogo por parte deles, por existir também uma questão de mercado que consome esta cultura.
BF: As Posses em SP sempre tiveram esse caráter político, de mobilização, organizar manifestações, palestras, grupos de estudo, etc… Além da Força Ativa, existiram e ainda existem algumas outras Posses – Junac, Negroatividades, Posse Hausa, CEDECA Posse, Conceitos de Rua, Nação Hip Hop Brasil, DRR, o próprio MH2O, P.D.D, que considero uma Posse também e muitas outras – existe alguma articulação, um encontro, vocês se comunicam constantemente com outras Posses? Quais são as mais atuantes que vocês tem conhecimento?
ANP: Devido a desvalorização e a falta de reconhecimento que os coletivos e Posses sofreram ao longo dos anos, percebemos que as lutas habituais travadas nos anos 80, 90 foram esquecidas por alguns coletivos. Reconhecemos que dos coletivos remanescentes, a Força Ativa é um dos poucos coletivos que mantém um trabalho de base e militância. Porém temos boa comunicação com alguns dos coletivos citados acima: CEDECA Posse, DRR, MH2O e P.D.D.
BF: Pra mim, como morador de periferia e parte integrante da Cultura Hip Hop, reconheço a ANP como uma das Posses mais importantes do Brasil. Vocês sentem algum reconhecimento por parte dos grandes nomes do Rap, principalmente os mais antigos? E dos mais novos, vocês sentem que a maioria nem sabe o que a ANP representa ou há reconhecimento da parte deles?
ANP: Percebemos que com o passar dos anos os Coletivos de Hip Hop Organizados que tinham como principal função passar conhecimento político e racial foram sendo esquecidos por boa parte da Cultura Hip Hop, tanto da velha quanto da nova escola.
Porém percebemos que a retomada da ANP vem levantando estas questões que estavam no esquecimento e que de maneira ainda que lenta, vem trazendo estes debates à tona. Fazendo com que algumas figuras artísticas da velha escola voltem a repensar a importância dos coletivos da época. Quanto à nova escola, seguem desinformados referente a importância e a história destes coletivos, incluindo a Aliança Negra Posse.
BF: Sobre o atual desgoverno, nem preciso perguntar a opinião de vocês, pois tenho certeza que ela não é diferente da grande maioria, que entende que o Hip Hop como Cultura do Gueto, jamais pode apoiar uma política de extermínio de pobres e pretxs, seja pela polícia, pela saúde precária ou qualquer outra ferramenta que o estado possa usar contra os nossos. Mas no próximo ano teremos eleições municipais, vocês pensam alguma forma de mostrar para o povo da região de vocês que não dá mais para escolher políticos que não nos representam?
ANP: Nós somos um coletivo apartidário, porém temos um alinhamento político e sabemos distinguir o que é melhor para os nossos. Não nos vinculamos a nenhum partido político como Coletivo, porém como indivíduos temos nossos posicionamentos. Se fizer uma pesquisa, verá que se dependesse da Cidade Tiradentes teríamos outro Presidente.
BF: As Posses, assim como os grupos de Rap, mesmo tendo mulheres, sempre tiveram os homens à frente, falo do final dos 80 e anos 90. Hoje mudou muito, eu vejo as mulheres muito mais visíveis, se fazendo presentes, algumas muito mais do que os homens. Na ANP qual é o papel das mulheres hoje e se antes, no início, o papel delas era o mesmo, elas sempre tiveram vez e voz na Posse?
ANP: A aceitação de mulheres no Hip Hop na década de 80 era um tabu a ser quebrado e no Coletivo Aliança Negra Posse não foi diferente, porém o coletivo superou este tema rapidamente, uma vez que fomos orientados pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra, que contribuiu muito com a formação do Coletivo. Tanto que hoje a Posse é presidida por uma mulher, que com excelência nos representa em qualquer lugar.
BF: Existe uma Coletânea da Cash Box, que se chamaria ‘Som Nos Pratos’ e teve o nome alterado para ‘Aliança Negra’, devido ao sucesso dos grupos da Posse naquele momento, atualmente vocês não pensam em lançar um vinil ou até mesmo um disco nos formatos atuais, digital mesmo, apenas com os membros da Posse?
ANP: O projeto de uma nova coletânea vem sendo pensado pelo coletivo, mas entendemos que a confecção desse projeto deve ter o peso histórico e político que a ANP representa!
BF: Como foi o processo pra essa coletânea acontecer?
Franilson: A equipe Cash Box fazia baile Black no Clube Poliesportivo André Vital e na época promoveu um concurso de Rap onde os oito primeiros grupos gravariam uma faixa no disco coletânea “Som dos Pratos”, devido a grande visibilidade da ANP, a equipe Cash Box nos consultou se poderia utilizar o nome da Posse, já que a maioria que está na coletânea pertence a mesma.
Os que eram da ANP são: The Panthers MC, Comando de Rua, Conexão Break Rappers, Street Master e Domínio Negro.
BF: Como está a participação de vocês no Fórum de Hip Hop de SP e o que vocês tem a dizer sobre a atual relação entre o Fórum e os governos municipais e estaduais? Quais as outras Posses ou Coletivos que participam do Fórum?
ANP: Respeitamos e reconhecemos todas as lutas travadas pelo Fórum Hip Hop SP, no entanto não fazemos parte do Fórum.
BF: Muita gente não sabe, mas vocês fizeram muitos projetos. Inclusive nos anos 90, devido a grande quantidade de meninas engravidando precocemente e também de soropositivos na Cidade Tiradentes – na época a região tinha as taxas mais altas da cidade de São Paulo – vocês fizeram o projeto ‘Jovem no Farol’. Distribuam camisinhas ou vale-camisinhas, pois não era como hoje, e também conscientizavam os jovens. Atualmente, o que vocês consideram os maiores problemas da Cidade Tiradentes e em que vocês tentam colaborar para melhorar?
ANP: Em meados de 80 a COHAB Cidade Tiradentes, considerada a maior COHAB da América latina, foi projetada pra ser apenas um bairro dormitório. Sem cultura, lazer e esporte, sem saúde e sem segurança. Na época sentimos a necessidade de fazer algo pelo bairro, uma vez que o poder público não se fazia presente. Percebemos que deveríamos fazer bem mais que subir nos palcos e cantar e assim foram surgindo alguns projetos sociais, priorizando os assuntos mais urgentes do nosso bairro. Pra época, a ANP conseguiu de maneira significativa diminuir o sofrimento de alguns jovens do nosso bairro e de outros bairros também! E hoje o coletivo discute o excessivo uso de drogas em nosso bairro, no momento estamos considerando que o número de jovens dependentes de drogas do nosso bairro vem crescendo de maneira alarmante.
Franilson: O diferencial na formação da ANP foi a parceria com o movimento negro em especial o Geledés (instituto da Mulher Negra), que contribuiu muito na formação de base da Posse e no desenvolvimento de projetos, como o “Jovem no Farol pela preservação e valorização da vida”, que consistia na distribuição de folhetos informativos e preservativos em alguns pontos da Cidade Tiradentes, em escolas Fernando Pessoa e Osvaldo Aranha Bandeira de Mello; UBS da avenida dos têxteis; Clube Poliesportivo André Vital e no principal farol da Cidade Tiradentes. Junto com o material de divulgação eram oferecidas oficinas de sexualidade e saúde, métodos conceptíveis e contra conceptíveis de DSTS e AIDS. Os membros que participaram passaram por formação. No meu ponto de vista o “Projeto Hip Hop no Ar” deve ser retomado pela propositiva das manifestações da essência do Hip Hop (Movimento de Rua) e quem estava à frente fazia com maestria, “Na Rima Produções da ANP”, que promovia encontros periódicos dos elementos na quebrada, vinham grupos e pessoas de várias cidades e Estados do Brasil.
BF: Hoje todos sabemos que os grandes nomes do Rap estão distantes das periferias, pelo menos em SP, as suas agendas não contemplam os bairros mais afastados, a não ser que sejam eventos bancados pelo governo, SESCs ou qualquer entidade ou empresa que banque os cachês. Com isso, existem pessoas de fora de SP, que acham que o Hip Hop em SP é apenas o que está na internet, nós que estamos aqui e temos contato com as ruas, sabemos que os verdadeiros, como vocês, continuam em atividade, sem se preocupar com os números virtuais. Como vocês conseguiram e conseguem manter a Posse atuante, com eventos, projetos, produção audiovisual, etc. e o que pensam sobre os grandes nomes do Rap, vocês concordam que eles se afastaram das periferias, tem algo a dizer sobre isso? (claro que há exceções)
ANP: Percebemos o distanciamento das quebradas por parte da maioria dos artistas do Hip Hop que mantem uma certa estabilidade em suas carreiras. Acreditamos que este resultado faz parte do abandono dos antigos encontros de conscientização que o Hip Hop promovia em outras épocas. E com a chegada das políticas públicas para o Hip Hop, muitos desses artistas abandonaram o sentido de ser um rapper. Perceberam que podem seguir de maneira solo e sem compromissos com aquilo que cantam em suas músicas. Ainda não tomaram consciência, que ainda somos frágeis perante a opinião pública. A grande maioria desses artistas se mantém através das políticas públicas conquistadas por grupos e coletivos que ainda faz este enfrentamento e que infelizmente continuam no anonimato. O coletivo ANP hoje se mantém com o projeto #ANP1988, que trata do resgate histórico e da importância coletiva da época. Quando ocorre a contratação do projeto, os valores são destinados para compra de camisetas e outras demandas dos artistas do coletivo, voltados apenas para reforçar seus trabalhos nas carreiras solos.
BF: A primeira pessoa que conheci da ANP foi o Panikinho, na época ele era seu parceiro no Fator Ético, mas antes disso lembro bem da sua participação tocando berimbau na abertura do disco do P3, ou seja, você era atuante na militância e também na música. O quanto todo esse envolvimento acrescentou na sua formação pessoal e profissional?
Franilson: O Hip Hop proporcionou a busca pelo conhecimento da nossa história, negligenciei bastante o lado musical na época, para dar maior ênfase a militância e organização da ANP. Fiquei muito feliz em participar no disco dos meus irmãos P3, foi uma experiência bacana. Com a mudança de membros do Conexão Break Rappers para outra cidade, desestruturou um pouco o grupo, que estava no período de transição para Fator Ético. Fui buscar formação acadêmica voltada para educação.
BF: O que você pensa sobre a cena atual e as posições tão difusas dentro da própria Cultura Hip Hop? Como chegamos nesse ponto do oprimido apoiar o opressor? Eu não me lembro disso acontecer nos anos 90, existiam diferenças, mas a luta de todo mundo era a mesma, se o momento atual fosse colocado no cenário dos anos 90, acredito muito que haveria uma unidade.
Franilson: As novas tecnologias e suas ferramentas de produção musical trouxeram avanços significativos para novas gerações, por outro lado, o excesso de informações recebidas a todo o momento de diversas mídias, faz com que não tenhamos tempo hábil para absorver e entender as estratégias de mercado e o propósito do Hip Hop. A massificação de mercado exclui a essência do Hip Hop diluindo os quatro elementos, dissociando-os da própria cultura, não estou dizendo que sou contra a “tal” evolução que eventualmente ocorre no Hip Hop, mas a descaracterização do mesmo e da proposta original do Hip Hop não pode ser perdida. A propagação de notícias falsas nas redes sociais é um instrumento de manipulação da grande massa. Nos anos 90, por exemplo, o contato com o público era bem mais próximo, o discurso e a luta eram contundentes, havia preocupação na transmissão de informações, as pessoas que faziam Rap tinham essa preocupação.
BF: Deixem um salve, os contatos e o que mais quiserem falar.
ANP: O coletivo Aliança Negra Posse é um coletivo que ainda acredita na força histórica e política do Hip Hop, ainda acreditamos que o Hip Hop é e sempre será uma ferramenta de Luta e voz do povo preto e pobre. Agradecemos a equipe Bocada Forte por nos procurar e por manter a preservação histórica do Hip Hop. Não só do nosso coletivo, mas também de tantos outros que contribuíram com o fortalecimento de nossa Cultura.
Franilson: Agradeço a você pelo carinho e apreço, ao Marcelo DJ SK8, ao Keké do Original Hip Hop da ANP, estamos sempre na sintonia.
Contato: fatoreticorap@gmail.com
Fran (11) 97396.1214 | Keké (11) 97018.6912 | SK8 (11) 96510.6328
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