Representando o pesadelo da elite

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Estilo gangsta continua fazendo adeptos nos quatro cantos do país

Apesar da diversidade de estilos e do reconhecimento que o rap brasileiro conquistou, ainda vivemos um paradoxo nas periferias, berço de tantos talentos do canto falado que têm as ruas e as quebradas como temas principais (pelo menos em certa parte da cena). Não que o rap seja a solução para os problemas do subúrbio, mas, apesar da nossa situação política, o debate sobre a desigualdade caminha num plano inferior atualmente.

Sampleando, colando e citando Boaventura de Sousa Santos e César Rodrigues, “o paradoxo está em que, se por um lado hoje parece, mais do que nunca, reunidas as condições técnicas para cumprir as promessas da modernidade ocidental, como a promessa da liberdade, da igualdade, da solidariedade e da paz, por outro lado, é cada vez mais evidente que tais promessas nunca estiveram tão longe de ser cumpridas como hoje”.

A emancipação social dos que vivem no rodapé da pirâmide continua ameaçada. Os pobres continuam sendo policiados pela elite, uns por conseguirem entrar em lugares restritos aos grandes favorecidos do sistema, outros por não possuírem condições para ultrapassarem os muros que não foram criados por seus iguais. Para os abastados, tudo representa perigo.

É aí que o discurso marginal e contundente de grupos como Realidade Cruel, A286, Facção Central, Consciência Humana, Bang Loko, Trilha Sonora do Gueto e os rappers Gregory, Moysés e Eduardo, entre outros, representa o pesadelo da elite, uma ala da sociedade que manda vigiar e controlar os mais pobres, por medos reais, irreais e, principalmente, pra continuar no poder.

As rimas dos representantes do gangsta rap brasileiro – estilo que não é igual ao dos EUA –  vai ao encontro dos MCs mais politizados da cena, mas, além da fala militante de esquerda, também trazem o ponto de vista de quem cansou de esperar (ou de quem nunca esperou) mudanças radicais vindas de cima, dos ricos, do governo. Muitas letras retratam as reações de quem está no crime e cospe de volta o desprezo que a elite e seus cães despejaram nas periferias e nas favelas.

Nenhum “gangsta brazuca” diz que é santo, mas, entre rajadas e sirenes, não é difícil ouvir alerta: veja o que vocês criaram, veja o que estamos criando. Definitivamente…não é o estilo de rap que abre o sorriso para os nobres do nosso país.

“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer, faz o bang loko”, diz a banca Bang Loko, formada por Douglas, WGI, Lauren, Kid Nice, Bad, Dum Dum, Karate e DJ Luiz. O que é exibido nos programas sensacionalistas apresentados por Datena e Marcelo Resende é contado por quem está do outro lado, personagens em histórias rimadas que fazem qualquer playboy tremer.

O grupo Realidade Cruel, que lançou recentemente o disco A Resistência Permanece Resistindo, também manda ideia forte: “malabares, palhaços com fuzis em bancos / caixas eletrônicos. Bum! Sequestro relâmpago / Cê pagou pra ver a busca dos plaquê /e novamente nos plantões urgente das TVs / Avisa lá que ninguém tá de brincadeira”. O RC, como outros representantes do manifesto de periferia, canta a rua pela lente de habitantes que representam ameaça à ordem social.

A cada dia, jovens de todos os cantos do país recusam novas tendências do rap e escolhem fazer um rap periférico que relate a desigualdade sob a lente gangsta. Novos grupos alimentam a vertente de guerrilha urbana. Rimas e mais rimas que contribuem para a diversidade do rap sem fazer muitas concessões ao mercado. Por enquanto, é isso que seus discos mostram.

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