Rashid em entrevista e ao vivo no programa ShowLivre

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Capa do novo disco de Rashid. Trabalho foi lançado em 18 de março. (Foto: Eric Ruiz Garcia. Arte: Felipe Barros)

RASHID lançou o CD “A CORAGEM DA LUZ”. Em entrevista ao BF, o rapper fala sobre seu mais recente álbum e manda uma ideia forte sobre negritude, política e racismo. Abaixo você escuta o álbum na íntegra, assiste ao videoclipe da música “A Cena” e confere a apresentação ao vivo do rapper no programa Estúdio ShowLivre.

Bocada Forte: Em entrevistas e nas redes sociais, você fala sobre as experimentações que estão em seu mais recente trabalho. Jazz, trap, zouk, mpb, entre outros estilos, formam seus raps. A sabedoria popular diz que só as pessoas mudam as pessoas. Em sua carreira, quais foram as pessoas que apresentaram esse universo cultural que compõe seu disco?
Rashid: Eu sempre escutei muitas coisas diferentes, até devido à influência familiar. Gospel, samba e bastante R&B pop americano com minha mãe, e na casa do meu pai se ouvia de tudo, de Queen à Tim Maia. Aprendi a gostar de várias coisas, mas quando conheci o rap, me isolei e só escutava rap. Acho que essa fase é comum, é a febre da descoberta.

Quando passei a entender o rap, voltei a escutar de tudo, por perceber a importância disso dentro da nossa cultura. 
Quando comecei a fazer o álbum, queria trazer isso à tona, mostrar as minhas influências de uma forma natural, sem perder o peso. E pessoas que conheci nessa jornada me ajudaram a encontrar esse caminho, pra não parecer um álbum “forçado”, mas sim musical como realmente o rap é.

Julio Mossil – que é o diretor musical do projeto junto comigo, e diretor artístico – é um excelente músico, foi essencial no processo. Alexandre Carlo, do Natiruts, é um grande parceiro que não poupa conselhos musicais e fez uma grande faixa pra nós. 
Max de Castro também é muito talentoso e não poupou esforços pra fazer um “músicão”. Mas tem uns parceiros que me aconselharam muito a seguir por esse caminho quando comecei a falar do álbum… Emicida e Criolo são caras que sempre querem apresentar sons e artistas novos, e até o próprio Mano Brown. Quando fui pro Texas ele disse: “Num vai só nos eventos de rap não, vai em outros lugares, onde tá a música dos preto!”

Obviamente, seguimos o conselho.

Dê o play abaixo e ouça o álbum na íntegra enquanto lê a entrevista:

Bocada Forte: Em seu novo CD, prevalece a força e a temática vinda do ponto de vista de um artista negro num país racista? Em algum momento da sua carreira percebeu que a mídia escolheu um local neutro para tratar da sua arte, ignorando sua origem?
Rashid: Minha música, independente da situação ou do tema, sempre vai refletir esse ponto de vista,  porque é fruto do ambiente em que vivo e no qual fui criado. Mesmo quando o tema é mais leve ou mais descontraído, a perspectiva ainda é essa. Sobre a mídia, no geral ela não tá ligando muito para as origens dos artistas, especialmente os artistas negros. Exceto em um programa (pauta) ou outro direcionado a esse assunto, ou alguns jornalistas/apresentadores que realmente são interessados em mostrar esse lado da arte. Essas pessoas existem e geralmente fazem a diferença onde passam. A vantagem do rap é que nossas origens geralmente estão claras nas letras, então a gente já larga na frente.

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                           Foto: Thiago Rocha

Bocada Forte: Em entrevista ao Mixme, você fala que o artista do rap é muito cobrado e que não é justo exigirem que os rappers falem apenas de questões sociais. Na entrevista, você fala de direito de escolha, de expressão. Qual sua escolha? Fazer um disco sem nenhum teor político é algo que seja possível para Rashid?
Rashid: Minha escolha é fazer uma música relevante e essencial. Eu escolhi falar sobre questões sociais e raciais no meu som, mas acredito muito no poder da decisão, senão os artistas de rap continuarão sendo mais cobrados do que os políticos.

A cobrança é tão forte que até mesmo antes de um(a) MC conseguir se erguer e tirar a corda do pescoço, já estão cobrando dele que ele ajude alguém. Sendo que, não importa quanto dinheiro ou tempo ele(a) invista num projeto social, seu maior trabalho social sempre será a sua arte. Essa cobrança, esse peso, eu acho injusto. Mas, na minha visão, também seria injusto eu crescer onde cresci, me tornar alguém na vida e não trazer nada de bom de volta pro meu bairro. Só que isso foi minha escolhaSobre fazer um disco sem nenhum teor político, talvez no dia em que não precisarmos mais falar sobre isso. Mas se esse dia chegar, o que é utópico, acho que ainda teremos outras questões pra resolver.

Bocada Forte: Artistas do mundo rap e pop dos EUA – que influenciam diretamente os artistas brasileiros – estão demonstrando em suas músicas a face da desigualdade racial naquele país. Acredita que não tem mais como ficar neutro e simplesmente fazer arte pela arte num momento como esse?
Rashid: É sempre possível fazer arte, porque a arte é isso. É o reflexo do que o artista pensa, sente, enxerga, escuta, etc… O que é difícil é a arte não refletir o que vem acontecendo. Essas apresentações do Kendrick – totalmente artísticas e cheias de “socos no estômago” – , a apresentação da Beyonce no Super Bowl (e o clipe), Common e John Legend com “Glory”, o próprio “Watch The Throne”, do Jay Z com o Kanye West, que também já vinha carregado de orgulho negro, e por aí vai… Isso falando de coisas que saltam aos olhos nos sites e blogs, sem falar do que acontece nas ruas e no underground. É tudo arte e tudo reflete a situação e a visão dos caras.

Uma vez na imigração, entrando em Atlanta (EUA), durante a entrevista, a agente federal que nos entrevistava perguntou o que eu fazia e, quando eu disse que fazia rap, ela se surpreendeu e até pediu pra eu rimar. Depois que eu rimei, ela, negra e ativista, me disse que seria legal a gente fazer um rap como esse “Glory” do Common, e eu respondi que o rap no Brasil é 90% voltado pra esse tipo de tema. Ela pirou. Acabei entregando um CD pra ela e ganhando uma fã, que alguns dias depois postou videos no Instagram cantando meu som. A questão é que os caras estão voltando, mas nós sempre estivemos aqui. Fazendo arte e diferença.

Bocada Forte: Vimos notícias de manifestações racistas em shows de Jorge Benjor, Seu Jorge, entre outros artistas negros. Artistas e profissionais globais negros também são frequentemente atacados quando assumem uma posição diante do racismo. Acha que os brancos racistas pensam: “estou pagando por entretenimento, parem de nos incomodar com sua história” ?
Rashid: Eu acho que você colocar a verdade na frente de uma pessoa que tá acostumada com a mentira incomoda mesmo. É uma brasa na ferida.
Acho que existem vários tipos de pensamentos da parte desses. Tem os que não ligam mesmo: “danem-se vocês, seus ancestrais e sua história”. Sem dúvida esses existem.

Existem os que vivem num mundo de sonhos e acreditam piamente que o racismo não existe, até porque não são eles que sofrem com isso. E tem a “nova” (velha) onda dos que jogam a culpa do racismo sobre nós, é o “vitimismo”, é o “não pode falar nada que é racismo”, etc. Essas pessoas normalmente não sabem nada sobre elas ou suas origens, e também não sabem o que é plantarem tanta dúvida na sua mente sobre você mesmo e o que você representa…que chega um ponto em que você quer, precisa e tem que saber tudo sobre sua história. Tanto pra bater de frente com elas e seus argumentos infundados, quanto pra bater de frente com suas próprias dúvidas.

Bocada Forte: Acha que rola algo semelhante na cena rap? Acredita que rappers brancos respeitam a história negra e as raízes da cultura hip hop…ou muitos acham que esse papo é puro “mi mi mi”?
Rashid: Tem vários rappers brancos que estudam a fundo a história. Respeitam, propagam e levam isso em seus sons. Até porque vários deles tem raízes negras também, então trazem isso de casa. Mas não é preciso pensar muito pra perceber e ver que tem vários outros que também não ligam pra isso. Não sei o que eles pensam, só sei que não pensam nisso. Alguns não conhecem nem mesmo a história do hip hop, do rap. Faltaram nessa aula.

Bocada Forte: Seu novo trabalho tem participações de figuras influentes na cena da música preta, como Criolo, Alexandre Carlo, Max De Castro, Parteum, Mano Brown. O que significa para você trazer essa mescla? Achou que isso poderia acontecer um dia?
Rashid: Sonho com esse momento desde sempre, mas sinceramente, não sei se esperava que isso fosse acontecer tão rápido. São caras que respeito muito e me influenciam demais, cada um a sua maneira. Gênios. Acho que isso é lindo porque demonstra os elos unidos visando uma continuidade. Trabalho pra representar pra alguém no futuro o que esses caras representaram/representam pra mim e, sem dúvida, esse episódio é uma grande motivação.

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Acervo (2)

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Bocada Forte: Levar sua mensagem de esperança, principalmente para uma geração que o rap das antigas não consegue atingir. Sei que nenhum artista gosta de se sentir pressionado, mas você tem noção da sua responsa?

Rashid:  Às vezes a gente conversa sobre isso aqui entre nós da equipe, mas eu não penso nisso com frequência. Não quero ter isso em mente na hora de fazer música, quero apenas fazer minha música e colocar minhas ideias pra fora. Porque sei que foi assim que esses meus ídolos se tornaram o que são, sendo eles mesmos.

Bocada Forte: Os jovens estão mais politizados hoje? Como encara os últimos acontecimentos, como as ocupações nas escolas em São Paulo?
Rashid: Uma parte da molecada tem prestado mais atenção na política. Uns com uma visão meio torta das coisas ainda, outros buscando mais informações e enxergando de forma mais clara, mas no geral isso é positivo. As ocupações nas escolas merecem estar nos livros de história para as próximas gerações.

Sem falar no banho político que eles deram nos adultos né?! Ao passo que em tempos atrás as manifestações contra o aumento da passagem de ônibus foram totalmente redirecionadas à “coisa nenhuma” depois que a passagem abaixou, com cada um indo pras ruas com um cartaz defendendo sua própria causa. Os alunos se uniram , mesmo estando em pontos diferentes, falaram a mesma língua e resistiram até alcançarem o objetivo. Incrível.

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Criolo, Max de Castro e Mano Brown. Referências negras que participam do CD de Rashid.

Bocada Forte: O genocídio da juventude negra prossegue. Acha que os jovens negros têm noção que são o principal alvo da PM? No que o rap e o hip hop podem contribuir pra mudar essa parada?
Rashid: 
Acho que a coisa está dividida: boa parte sabe que é alvo, outra parte não se atentou a isso ainda. Uma questão difícil, quando você pensa que a opinião da juventude é formada de influências externas e experiências pessoais. Mas e quando a influência fala mais alto que a vivência? Você fica preso a um mundo que não é seu. Dependendo da influência, isso pode te botar pra baixo ou pra cima.

Tem gente que passa a vida toda sem perceber que sofreu racismo, assim como tem gente que passa a vida toda achando que é “moreninho”. Não se compreende, não se aceita, não se descobre. 
A tal da miscigenação no Brasil colaborou pra isso, muita gente não sabe o que é. Então como essa pessoa vai saber que ela também é um alvo?!!

O hip hop e o rap sempre tentaram propagar o conhecimento: de causa e de si próprio. Isso me ajudou muito e ajudou muita gente por aí também. Acho que essa é parte da nossa missão, além do alerta, é claro. 
O gigante acordou, dormiu de novo, roncou, se mexeu, mas nós estamos aqui. Porque nós somos o relógio, o despertador.

Assista ao videoclipe da música “A Cena”:

Assista a apresentação de Rashid no programa Estúdio ShowLivre:

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