Novos Samples: Gabriel Marinho

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Por: Fábio Emecê

Músico, compositor, e produtor musical, GABRIEL MARINHO é um dos expoentes da diáspora baiana presente em todo o território brasileiro. Natural de Salvador, o soteropolitano se mudou na primeira infância para a cidade de Castro Alves, no recôncavo baiano, e de lá para o Rio de Janeiro. Baterista e percussionista autodidata, Gabriel começou a utilizar sua habilidade com os tambores para criar uma identidade fincada em suas raízes baianas e africanas. Trazendo essas influências para seus beats e demais produções.

Com Odaraya Mello, Kauã Vasconcelos, Vladimir Ventura e Viviane Laprovita fundou a produtora e selo Mondé Produções, onde aprofundou ainda mais seu envolvimento com a cultura preta e urbana. Na Mondé passou a atuar também com trilhas sonoras, produção de áudio e design de som em geral. Seu trabalho ganhou notoriedade com as trilhas e sound design dos filmes “Rumpi Mondé”, “O Que É a Rua Pra Você?” e “A Senhora Justiça” entre outros.

Acumula produções e colaborações com nomes como Wladimir Gasper, Lica Tito, Kyra De’Nae (EUA), Ramiro Mart, Sistah Mo Respect, Thiago Elninõ, entre outros.

Lançou em 2013 seu primeiro EP autoral, o instrumental “Rumpi Mondé”, acompanhado de um curta homônimo produzido pela Mondé Produções. O EP e o curta tiveram uma aceitação muito boa tanto no Brasil como no exterior, ganhando matérias de destaque em países como Kenya, África do Sul, EUA e México.

Atualmente Gabriel é responsável pela direção da Mondé Produções e do Selo Mondé, distribuindo artistas como o grupo de funk Os Descolados e o duo de rap Carta na Manga, além de artistas de catálogo como Tony Marinho e Jorge Amorim. Marinho atua também como percussionista de Folakemi Trio, projeto da cantora inglesa Folakemi, como percussionista de Severo e baterista da banda Laranjazz. Tivemos a oportunidade de trocar uma ideia com o mano, confere aí!

Bocada Forte: Primeira pergunta é básica. Como o Gabriel Marinho se define?
Gabriel Marinho: Gabriel é um jovem, brasileiro, preto, baiano criado no Rio de Janeiro.

Bocada Forte: O que é a Mondé?
Gabriel Marinho: A Mondé é um coletivo cultural na real, que atua como uma produtora que é Mondé Produções – Publicações, e como um selo musical que é o Selo Mondé. Foi fundada por mim em parceria à Odaraya Mello, Kauã Vasconcelos, Vladimir Ventura e Viviane Laprovita. Odaraya se desligou das atividades ordinárias do coletivo, então somo 4 e mais alguns agregados. A gente faz cultura urbana em diversas vertentes, cinema, design, música e fotografia, tudo isso sob a assinatura de “NOSSA CULTURA. NOSSO ESPAÇO.” que é um ideal que a gente acredita.

Bocada Forte: A cena do hip hop do Rio de Janeiro na primeira década do século XXI apresentou um espectro em que vozes de um estilo de vida voltado para o hedonismo teve bastante destaque, mas agora aparenta que existe uma outra uma galera contestando e mobilizando pessoas dentro dessa contestação. Como enxerga isso?
Gabriel Marinho: Bem, não vejo tanto esse pensamento hedonista na primeira década, acho que esse pensamento é mais contemporâneo, vem de uns 5 anos pra cá mais ou menos. Acho que essa temática hedonista ganhou força quando o rap no Rio de Janeiro acabou se popularizando dentro de uma galera de classe média alta, que acabou trazendo esse estilo de vida pras letras etc. Vejo uma cena forte de contestação crescendo e se expandindo dentro do movimento hip hop, temos artistas que combatem essa crise de identidade que o rap carioca vem passando há uns anos, eu acho que essa vertente é fundamental, o hip hop é uma cultura que vem de gueto, e sempre teve seus representantes muito bem figurados, e não podemos deixar isso se perder. Vejo artistas aqui no Rio como Antiéticos, Marcão Baixada, Carta na Manga, Nectar, você (Fábio Emecê) e outros que desconstroem esse discurso baseado na superficialidade e vem propondo um diálogo diferente.

Bocada Forte: O rap brasileiro reconhece a força dos batuques até que nível?
Gabriel Marinho: O rap brasileiro, no meu ponto de vista, precisa se aprofundar muito no Brasil e nas raízes deste país ainda, percebo muitas linhas que apenas tentam reproduzir o que é feito nos EUA, pra mim esse caminho é involutivo. Os caras lá criaram o boom bap, temos uma musicalidade riquíssima pra apenas tentar reproduzir um boom bap, um trap, ou algo assim sem colocar nossa identidade. Os músicos estrangeiros respeitam muito nossa música e cultura, o Madlib sampleia musica brasileira, J Dilla sampleou muita musica brasileira. Percebemos que o hip hop brasileiro consumido no exterior é o que tem mais identidade fincada nas raízes daqui, como é o caso do Criolo, Karol Conká e o próprio Marcelo D2, todos eles fizeram turnês na Europa etc. Esses que eu citei são exemplos bem sucedidos na utilização de uma estética mais afro-brasileira, mas claro, vejo uma outra galera com influência do tambor como o Amiri, Rincon Sapiência, tem A Filial, que sempre foi uma grande influência no meu som e pra mim é um dos grupos pioneiros em questões percussivas no rap brasileiro. Espero que o tambor tenha mais espaço dentro do rap que é produzido aqui. Tô aqui pra fazer minha parte.

Rumpi Mondé from Mondé Produções Publicações on Vimeo.

Bocada Forte: Até onde entender o afrobeat como referência sem conhecer “Vissungos”, “Os Tincoãs” e “Orquestra Afro-Brasileira” é válido?
Gabriel Marinho: O afrobeat aqui no Rio de Janeiro acabou virando uma tendência. A galera descobriu a África, descobriu a Nigéria e o Fela, todo mundo quer ser “africano” na parte glamorosa, ir em festinha que toca afrobeat, comprar camisa com estampa africana, ninguém quer ser preto pra tomar dura da polícia, sofrer um genocídio patrocinado pelo governo e sofrer racismo. O Vissungo é um grupo importantíssimo no cenário preto carioca, sempre com um discurso etno – político, Os Tincoãs e o Matheus Aleluia também foram mestres musicais, assim como a Orquestra Afro Brasileira, Moacir Santos, Pedro Santos e muitos outros que se inspiravam na nossa raiz. Acho que a galera nessa onda hype acaba distanciando o afrobeat do povo, se algo popular é transformado numa onda cult, a tendência é afastar o mesmo da cultura, no caso do afrobeat o povo preto que tem propriedade sobre a própria arte. Já vi rolar festa de afrobeat no morro e quase não ter preto curtindo. Acho que a galera antes de ir ouvir Fela Kuti, podia ouvir Ilê Ayê que faz “afrobeat” aqui no Brasil desde a década de 70, ouvir Malê Debalê, esses blocos afro da Bahia, que foram contemporâneos ao Tony Allen, Ebo Taylor, Segun Bucknor e Orquestre Poli-rithme du Cotonou. O músico ou ouvinte pode fazer esse paralelo, respeitando, pesquisando sobre esses mestres, a maioria está viva por aí, o Spirito Santu, Matheus Aleluia, Luiz Melodia, Gilberto Gil. Acho que esse é o caminho, pesquisar sobre os nossos mestres, e entender porque a música da diáspora é o que é. Seja juju music ou funk carioca.

Bocada Forte: Como foi a concepção do curta e trilha sonora do “Rumpi Mondé”? Por que produzi-lo?
Gabriel Marinho: O Rumpi Mondé foi um processo meio espiritual. Na época, eu e a galera da Mondé estávamos muito presentes nas ruas do RJ, circulando entre meios diversos, correndo atrás de trabalho. Eu acabei compondo quatro músicas que dialogavam entre si. Surgiu a ideia de fazer um EP e ainda por cima de fazer um curta somente com essas músicas de background. Apresentei a ideia pro Vladimir e pro Kauã, e a gente viveu ainda mais as ruas do Rio de Janeiro pra conseguir passar a ideia do curta. Convidamos o Gabriel Brands pra interpretar o jovem Zumé (nome de uma divindade indígena). Queríamos sintetizar o jovem brasileiro urbano, preto, índio, branco, que vive no meio de uma crise entre o mundo que o cerca e sua raiz. O nome do projeto é Rumpi, justamente porque o rumpi é o tambor médio do candomblé, o tambor do meio e o Zumé sintetiza o jovem preto, que é bombardeado de informação e de interação pelas ruas do Rio, mas na própria rua é onde ele se encontra consigo mesmo, tem sua espiritualidade revelada. Foi um processo natural pra todo mundo que trabalhou no curta e no EP, vivemos aquilo ali e no reconhecemos na rua. Queríamos levar essa experiência pro jovem, pra nossa geração, a rua leva ao movimento e a interação, e a rua é viva.

Bocada Forte: Há uma mercado para arte preta no Brasil?
Gabriel Marinho: Há um mercado sendo criado, que está em expansão, mas vivendo da filosofia do “nós por nós” mesmo. O que eu acabo vendo é muita apropriação cultural de diversos lados em diversas expressões. O funk e o rap vêm sofrendo com isso, o samba passou por isso. Cabe a nós que estamos produzindo a cultura preta hodierna sermos os representantes da mesma e levar esse pensamento pro nossos e pras próximas gerações. Ajudar a criar um mercado consciente, não dar mole pra apropriação. Só assim creio que esse mercado de cultura preta vai favorecer os próprios pretos.

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Bocada Forte: O que o Gabriel Marinho anda produzindo?

Gabriel Marinho: Produzo muita gente (risos). Lancei meu single intitulado “Kabiecilé”, no último dia 13. Devo trabalhar em mais algumas músicas nessa estética durante 2015. Estou envolvido em alguns projetos nesse momento, estamos terminando o álbum “365 Carnaval”, do Carta na Manga, que é um duo de rap daqui do Rio, que eu produzo. Tenho um projeto em parceria com o rapper nigeriano Ayó da Poet, o nome do projeto é Afrocentric,  vamos lançar um single em breve. O Selo Mondé vai dominar o mundo em 2015!

Bocada Forte: Fique à vontade para falar o que quiser pros leitores do Bocada Forte.
Gabriel Marinho: Queria agradecer pela oportunidade de conceder essa entrevista, eu acompanho o Bocada Forte há muitos anos, e pra mim é uma honra poder dividir um pouco do que eu penso com essa galera. Queria falar pra molecada pesquisar mais sobre a história do hip hop como movimento cultural e procurar mais sobre suas próprias origens. O Brasil é um caldeirão sóciocultural, então saber de onde se vem é uma boa lanterna pra não se perder no meio de tanta informação. Somos bombardeados de mídia o tempo todo, TV, Facebook, Whats App e, no meio de tanta “vida” virtual, acho que precisamos estar mais presentes em meios físicos como a rua, sua própria comunidade e tudo mais. O hip hop é uma cultura de rua, mas o Brasil não é os EUA, por isso defendo tanto a busca pelas raízes, represento um hip hop daqui feito aqui, entenda seu meio e território e sua raiz. E é isso, descobrir sua origem, invadir a rua e ganhar seu espaço através da sua cultura!

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