Os futuros jornalistas vão olhar para a história e ajudar a abordar o racismo no futebol de maneira séria?
Em maio de 1907 – 19 anos depois da abolição da escravatura e 13 anos após Charles Miller ter apresentado o futebol aos brasileiros – a Liga Metropolitana de Futebol do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade proibir o registro de atletas negros, chamados “cordialmente” de homens de cor.
Em dezembro de 1917, o Diário Oficial carioca divulgou a Lei do Amadorismo. Segue um trecho do texto: não poderão ser registrados “os que tirem os meios de subsistência de profissão braçal […] Aqueles que exerçam profissão humilhante que lhes permitam recebimento de gorjetas, os analfabetos e os que embora tendo profissão estejam, a juízo do Conselho Superior, abaixo do nível moral exigido”. Já da pra saber qual foi o grupo atingido pela Lei do Amadorismo.
De acordo com a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o clube Bangu foi o primeiro a escalar um jogador negro e enfrentar as leis racistas do futebol – Francisco Carregal, entre 1905 e 1909. Já o time da Ponte Preta, de Campinas (SP), também é considerado o primeiro time a ter escalado um futebolista negro, o jogador Migué do Carmo vestiu a camisa da Ponte em 1900, na data de sua fundação.
De 2001, voltemos dez anos. Em 1991, Baiano, atacante do São Paulo, afirma que jogadores negros têm menos chances que os brancos nos clubes do Campeonato Paulista. O depoimento foi publicado no jornal Diário Popular. Na época, como hoje, Baiano foi um dos poucos jogadores negros que falaram abertamente sobre o racismo.
“O racismo sempre existiu no Brasil e não é só no futebol […] mas isso pode ser sentido mais claramente nas categorias inferiores, onde os garotos negros têm menos oportunidades do que os brancos. Muitas vezes um garoto negro não tem dinheiro para comprar um material esportivo decente e vai ao clube participar das peneiras com um tênis velho e um calção rasgado, o que faz com que seja discriminado e tenha pouca chance de treinar”, respondeu Baiano durante entrevista ao periódico.
Na mesma publicação, Tereza Santos, uma das lideranças do movimento negro brasileiro, diz: “os dirigentes ficam tentando tapar o sol com a peneira e Pelé joga do outro lado. Não sabe que é negro, nunca deve ter se olhado no espelho e visto que é negro. Olha, as próprias escolinhas de futebol inventam peneiras para discriminar pobres e negros. Você só vê garotos brancos e de famílias ricas”.
Repetição?
Em 2014, o caso do goleiro Aranha, do Santos, trouxe todo o debate sobre o racismo novamente para a pauta da grande mídia, setor abastecido por uma grande maioria de jornalistas brancos que – tirando alguns profissionais sérios e conscientes – fazem de tudo para limitar o assunto e negar o preconceito. Muitos ignoram totalmente os fatos históricos e a construção da discriminação racial em nosso país.
Jovens estudantes de jornalismo entrarão no mercado de trabalho no ano que vem, muitos deles trabalharão e, quem sabe, cobrirão a área esportiva. Estes futuros profissionais vão olhar para a história e ajudar a abordar o racismo no futebol de maneira séria, diferente? Quantos destes serão negros?
São perguntas pertinentes. Já ouvi de estudante de jornalismo e amante do futebol – que já até posou para foto ao lado do jogador Neymar – que quando vai ao banheiro fazer o número dois, “simplesmente liberta o Robinho”. Não, ele não acha que foi, é ou será racista. Repetição?
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