Karol de Souza: “faço parte da retomada”

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Dona de um estilo arrojado e cheia de personalidade, Karol de Souza marca posição na linha de frente do rap brasileiro. Após uma série de apresentações neste ano, uma delas na turnê de 25 anos dos Racionais MC’s, a MC deu uma pausa em seus trabalhos para conversar com o Bocada Forte. Machismo, religião e superficialidade dos artistas nas redes sociais foram os temas do bate-papo. É claro que não faltou rap nas ideias. Leia abaixo.

Bocada Forte: Pelo que podemos ver, o ano de 2014 está sendo movimentado no rap. Você acredita que também conseguiu colher bons frutos com seu trabalho? Como avalia sua atual fase?
Karol de Souza: Sim, acredito! Foi sem dúvida alguma o melhor ano da minha carreira.
Eu acho que muita gente espera pelos meus próximos trabalhos, e o fato de 2014 ter sido tão proveitoso pra mim confirma isso. Eu me sinto de fato uma MC estabilizada e estabelecida, esse ano foi primordial pra que eu sentisse isso.

Bocada Forte: Por falar em próximos trabalhos, como estão seus projetos? Tem mixtape, single, clipe, parcerias com outros artistas? Como será a Karol de 2015?
Karol de Souza: Tem tudo isso, e mais um pouco. Pretendo lançar um EP, aos cuidados do Nave Beatz, mas com colaboração de outros produtores amigos, mas acho que lançaremos um clipe antes, de uma música que está quase terminada.

Estou ainda escolhendo os convidados pra esse trampo, que está sendo desenvolvido com mais maturidade, já que tenho mais de 4 anos de experiência. Posso adiantar as participações de Chayco, da Família Madá, e Rico Dalasam.

Bocada Forte: Numa entrevista passada, você disse que o flow é uma espécie de identidade do MC. Como faz para desenvolver suas rimas? Qual sua maior inspiração no mundo do rap?
Karol de Souza: Todas as situações, vivências e exemplos acabam virando um verso. As minhas e as das pessoas que me rodeiam. No meu caso, quando isso vai pro papel, o meu flow é o diferencial na construção da música. É através dessa forma tão exclusiva de cantar que eu tento me diferenciar e dar uma autenticidade ao som.

Já minhas inspirações são poucas no rap. Tem uns MCs que eu gosto tanto, que até me cuido pra não enjoar, de tanto dar repeat. Fora disso, minha mãe, avó e irmão são as maiores inspirações. É tudo pensado neles antes.

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Bocada Forte: O que você acha das rappers estrangeiras que estão em destaque, como Iggy Azalea e Nick Minaj?
Karol de Souza: Acho legal. A Nick Minaj é incrível, tem conteúdo lírico, uma voz boa, e sabe jogar o jogo. Ela poderia ser facilmente a melhor no underground, mas diversificou, se moldou, fez porque quis. É um mercado completamente diferente do nosso. Lá funciona. A Iggy é boa MC, só.

Bocada Forte: Você recentemente fez um comentário num post de um amigo em comum no Facebook. Você questionou o jeito que as mulheres negras são tratadas nos videoclipes. Fale mais sobre isso. Como começar a mudar ou mostrar alternativas que reforcem o combate ao machismo no rap?
Karol de Souza: Putz, quando eu falo disso, não sou compreendida. O machismo é brasileiro, não desiste nunca. Eu não o sinto tanto, por uma questão de postura e até de inteligência da minha parte. Não levanto bandeiras, inclusive vejo que muitas mulheres no rap/hip hop exageram no vitimismo quando o assunto é esse. Quero sim, ver mulheres no topo, bem sucedidas e realizadas dentro e fora do rap, mas principalmente por merecimento do seu trabalho, e não por gênero apenas. É um assunto delicado, que tem que ser discutido, em prol de um País mais justo.

Bocada Forte: Nesta volta do Bocada Forte, dos quase 300 posts que fizemos, entre matérias, lançamentos, singles, clipes, entrevistas, creio que nem 20 são de trabalhos de mulheres no rap. Na literatura já foi constatado que as obras das mulheres são pouco lidas, resenhadas, discutidas, repercutidas. Você acha que, no caso dos blogs de rap, existe uma miopia dos blogueiros que os impede de enxergar o trabalho das minas?
Karol de Souza: Acho que no Rap são uns 20 MCs homens pra cada mulher MC . Isso explica uma parte. Talvez essa miopia exista sim, e isso justifique outra parte. Conheço MCs mulheres com quase 10, 15 anos de carreira mas com um resultado de realizações quase nulo pros padrões atuais, por N motivos: engravidaram, não tinham referências femininas, falta de dinheiro, falta de comprometimento, entre outras coisas, e isso explica outra fatia destes dados.

Sinceramente, penso e acredito que eu e tantas cantoras contemporâneas somos a mudança viva. Mesmo assim esse número é uma pena.

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Bocada Forte: Com tantos trabalhos mostrando estilos diferentes do rap daqui e o olhar que a mídia voltou a dar ao rap, tudo isso mostra uma fase positiva, muitos grupos dos 90 estão voltando a lançar trabalhos. Você acha que o trabalho dos mais novos nestes últimos dez anos sustentou uma cena que estava enfraquecida? Você acha que faz parte de uma geração da retomada?
Karol de Souza: Tenho certeza! É quase um círculo vicioso do bem. MCs das antigas foram base e referências pros MCs de uma nova geração – essa dos últimos 7 anos – que se estruturou, pra poder receber muitos dos grupos dos anos 90 e início dos anos 2000.

Sou certamente um componente dessa retomada, e estou trabalhando pra ter tudo de bom que a música rap pode dar. Fico feliz em ver caras como o Zé Brown e o Eli Efi, que tive o prazer de conhecer e dividir palco recentemente, voltarem a cena ainda tão enérgicos e produtivos.

Bocada Forte: Você acha que existe um maior entendimento sobre como manter a essência do hip hop e se relacionar com o mercado? Acha que os da sua geração lidaram com isso de uma melhor maneira?
Karol de Souza: Minha geração é muito vasta. Vai de meninos de menos de 20 anos, como o Primeiramente, tão politizados e modernos ao mesmo tempo, até caras que estão nas TVs e nos grandes sites, mas totalmente modulados e com apenas um resquício de essência de hip hop. Encontrar um equilíbrio saudável é o propósito da maioria de nós.

Eu mesma sofro por dispensar ser o padrão de beleza atual, ou modificar minha sonoridade, pra vender mais, aparecer. Enfim, cada um lida como consegue ou como decide.

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Bocada Forte: Como você lida com a nossa era de explosão da informação? Vejo artistas lançando singles, EPs, clipes sem parar. Parece que precisam estar sempre em evidencia, parece que temem ser esquecidos ou atropelados por outros artistas ou tendências. Pelo que vejo, você segue na contramão, seus trabalhos são mais cadenciados. Fale sobre isso.
Karol de Souza: Essa necessidade de ficar na crista da onda me irrita. Não funciona! Fazer um som é fácil, em uma tarde você faz. Fazer música de qualidade é outra coisa, envolve tempo, sentimento, dedicação, verdade. Eu, como não sou novinha no rap e também não sou dinossauro, fico no meio do caminho. Meu estilo é mais concentrado. Tenho 12 músicas lançadas em menos de 5 anos. Vejo gente lançando 12 por ano, enchendo linguiça.

São os resultados das facilidades de hoje, já que todos acham que são produtores ou MCs por terem um PC com o Fruity Loops instalado. Mas, na peneira, a maioria cai.

Bocada Forte: Você acredita que existe uma estatística da vaidade que envolve likes, views, que podem ser reais ou comprados, mas que não refletem muito na vida real do artista, não cria público, não leva pessoas e fãs aos shows? Sabendo que não se pode abandonar as redes sociais, como você lida com essas estatítiscas, elas influenciam seu jeito de trabalhar?
Karol de Souza: Super acredito! É gritante! Não costumo me apegar aos likes de forma nociva e desesperada – no caso de quem compra. Acho que é você mentindo pra você mesmo! Agora, é claro que eu gosto de muitos likes nas minhas fotos no Instagram, meu app preferido, pois curto fotografia. Eu sempre respondo os comentários, tenho fama de humilde por causa disso. Mas isso é por que quase ninguém responde os admiradores nas mídias sociais, e eu, de novo, sigo na contramão. Prefiro amigos do que fãs.

Bocada Forte: Qual sua relação com a religião, tem alguma? O quanto a religião pode ajudar e o quanto a religião pode atrapalhar as relações humanas?
Karol de Souza: Nossa, essa é a mais diferente das perguntas. Então, eu sou católica, mas vivenciei a Umbanda na infância. Sou sincrética, como tantas pessoas que eu conheço. Exercito o budismo quase que diariamente por Daimoku, além de estar melhorando aos poucos minha alimentação por questões espirituais.

As religiões costumam melhorar a vida das pessoas, mas, na dosagem errada, estraga! Prefiro o espiritual ao religioso. Mas sou uma guria de muita fé!

Fotos: Luan Batista, Estúdio Urbano

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