#RapBR #OrgulhoLGBT| Nessa segunda-feira (4) fomos surpreendidos com “Quebrada Queer“, a primeira cypher LGBT no Brasil e na América Latina. Lançada pela RapBox, a cypher conta com as participações de Guigo, Murillo Zyess, Harlley, Lucas Boombeat e Tchelo Gomez. À publicação dessa matéria, o som bateu 220 mil visualizações no Youtube e alcançou o topo da lista “As 50 Mais Virais” no Spotify.
Guigo, o primeiro MC que aparece na cypher, tem caminhada cada vez mais sólida rap. Com um EP lançado – “Medusa” – que conta com as participações de Linn da Quebrada e Murillo Zyess, o artista tem ganhado cada vez mais repercussão com trabalhos audaciosos e que trazem uma estética e musicalidade pop, sem perder a essência combativa e militante do rap. Em uma entrevista exclusiva para o Bocada Forte, Guigo falou sobre sua carreira, sobre a criação da cypher e sobre suas experiências enquanto MC de rap, gay, preto e periférico. Confira:
Bocada Forte: Como tem sido sua caminhada até o presente momento dentro do rap?
Guigo: Dizer que não foi fácil seria redundante. A verdade é que ser artista no nosso país cada dia mais se torna uma utopia. E sendo gay, preto, fazendo rap e da periferia torna tudo ainda mais utópico. Mas ainda assim eu comecei tocando numa banda de Hard Core dos 14 aos 17 e nesse meio tempo fui percebendo que junto da descoberta musical, minha descoberta enquanto indivíduo e gay iam caminhando juntas. Chegou um momento em que aquilo já não me correspondia mais e resolvi sair da banda. Comecei a descobrir as baladas gays e lugares onde sentia uma identificação. Pouco tempo depois estava fazendo arte Drag, o que fiz dos 17 aos 21 (sim comecei cedo rs), viajei por diversos estados com esse trabalho fazendo performances até que senti a necessidade de cantar minha realidade ao invés de dublar músicas de outros artistas como Drag Queen. O rap já falava comigo nessa época, foi então que resolvi tentar.
E não foi fácil, eu me lembro que procurei por pelo menos 40 produtores e beatmakers pra tentar fazer meu trampo e a maioria dizia que não associaria sua imagem a um gay. Resumindo: acabou que eu encontrei um produtor que foi respeitoso com meu trabalho e entendeu minha vivência. Comecei a produzir. De lá pra cá lancei meu primeiro Ep “Medusa” e hoje tamo ae.
BF: Como foi se perceber com essa vontade de estar no rap sendo gay? Para mim batia uma sensação de solidão, pelo menos até os primeiros trabalhos do Rico Dalasam. Como foi isso para você?
Guigo: Eu acredito que pela falta de referências a maioria das pessoas (gays) que conheço no rap se sentiam desestimuladas pra colocar a cara na rua, pra fazer seu som. Eu sabia que o que escrevia era rap mas não sabia como chegar nesse espaço, nesse lugar. Tenho que confessar que o que era feito não me comunicava, não me representava, eu não conseguia me identificar com o que era dito! Então as minhas referências vieram a partir das manas gays, do cenário rap, lá de fora. Artistas como Le1f, Todrick Hall, Cake The Killa e Mikky Blanko. Essas manas estavam fazendo um som que de alguma forma falava muito comigo e ainda fala na verdade, até hoje.
“não foi fácil, eu me lembro que procurei por pelo menos 40 produtores e beatmakers pra tentar fazer meu trampo e a maioria dizia que não associaria sua imagem a um gay”
BF: Em relação a isso, falando já sobre o “Quebrada Queer”, você acredita que a cypher terá o poder de mudar esse cenário tão heterossexual e cisgenero que é o rap e o movimento hip Hop?
Guigo: Eu acredito que acabamos de dar um passo. Passo importante, mas ele é ainda só o primeiro! É absurdo pra mim ouvir sempre as pessoas falarem sobre os fundamentos do rap e se chocarem ao ver 5 gays fazendo rap! Ou seja, a conta já não tá batendo a muito tempo e nós viemos pra cobrar. Se esse cenário vai mudar eu não sei, mas a nossa preocupação nunca foi com os cara, com os homofóbicos, intolerantes, hipócritas. A gente já fazia música muito antes dessa cypher e se virava sem o “apoio” dos caras. A nossa real preocupação e intuito era fazer com que as gays de todos os lugares pudessem nos enxergar, fazer com que elas vissem que não há mais necessidade de se esconder, que a gente pode e vai entrar em todos os lugares que também nos é de direito. Sem nenhuma necessidade de aprovação ou validação.
BF: E como foi a gravação do “Quebrada Queer”? Como foi gravar um som com várias LGBTI super talentosas?
Guigo: Hahahah. É maravilhoso estar com meus irmãos num trabalho tão significativo. A gente se fortalece muito sabe. E mais do que irmãos: são artistas dos quais sou muito fã! Aprendo muito todos os dias com eles. As gravações tanto do clipe quanto do som foram incríveis pra gente. A sintonia aconteceu desde o primeiro encontro pra esse projeto, e a gente sempre se preocupa em trabalhar com profissionais respeitosos. O Vibox por exemplo é um monstro das produções e consideramos ele um grande mestre, sentimos muita empatia vindo dele, e o Léo foi um verdadeiro cavalheiro conosco, ele é toda a equipe nos recebeu muito bem, as meninas do Casa 1 são umas maravilhosas e se preocuparam em nos receber super bem. Foi maravilhoso toda a recepção !
BF: No clipe que você lançou também esse ano, “F.A.K.E.” você traz uma estética e uma musicalidade bem diferente daquela do rap nacional tanto na vertente mais noventista/Gangsta quanto da mais atual/trap-boombap. Quando assisti me lembrou muito alguns clipes de LGBT’s gringas como a própria Todrick Hall que você citou. Isso me fez pensar sobre a recepção dos seus sons: hoje os seus fãs chegaram nos seus trabalhos por você ser MC de rap, por você produzir trabalhos com uma musicalidade diferente ou um pouco das duas coisas? Que balanço você faz disso?
Guigo: Eu acredito que meu trabalho me possibilita unir as duas coisas: a estética pop andrógina ao discurso! Mas eu entendo que até mesmo nisso o rap acabou criando feridas profundas das quais nós, rappers gays, temos tentado cicatrizar sabe. As manas (fãs) não se identificam com rap de nenhuma forma exatamente por todo o machismo que se criou ao longo da história. Isso criou afastamento, criou barreira, impedindo que elas se conectassem com o som. E meu trabalho tem sido primeiro desconstruir essa imagem, criando um terreno seguro pra elas – mais popular, mais fácil – e fazer isso de uma forma que elas consigam se sentir representadas. Então acaba que, sim, eu tenho total ciência de que meu rap é mais pop, animado, baladeiro e etc.
Mas, assim como eles (os fãs), eu cresci vendo Britney Spears segurando uma cobra e arrasando no palco, eu cresci vendo Lady Gaga dar aula de como arrasar num red carpet!
E também cresci vendo minha vizinha apanhando do marido, também cresci ouvindo piadas machistas e homofóbicas na rua e no trabalho formal, cresci vendo e ouvindo a mesma realidade que elas e tentando transformar essa realidade cinza num arco-íris da Dorothy (referência ao “Mágico de OZ”). Então minha música tenta sempre passar a mensagem cinza de uma forma mais colorida!
“tentando transformar essa realidade cinza num arco-íris da Dorothy (…). Então minha música tenta sempre passar a mensagem cinza de uma forma mais colorida!”
BF: Agora em Junho estamos comemorando o mês do orgulho LGBTI+ para não só celebrarmos nossa sobrevivência dentro do sistema mas também para repensarmos nossas lutas e militâncias. Para você, como gay preto periférico, quais pautas precisamos trabalhar mais ou melhor dentro da nossa militância LGBTI+?
Guigo: Eu confesso que ainda precisamos de muita reflexão em torno dessas siglas sabe,
Temos trabalhado demais apenas o G dessa bandeira, e vale ressaltar que ainda assim esse G tem diversos recortes de cor e classe. Mas na real eu acredito que devíamos voltar nesse momento os olhos pro T, pra pessoas trans, travestis: essas manas precisam de visibilidade urgentemente. Estamos diariamente repetindo que “ O Brasil é o país que mais mata travestis”, mas sinto que isso tá começando a virar discurso sem ação. Por isso eu acredito que mesmo sendo Gay, Negro e Periférico, existem assuntos ainda mais urgentes a serem tratados sabe. Falar disso aqui, numa entrevista, pra um veículo de comunicação é o mínimo que devo fazer e gostaria de poder fazer ainda mais. E sempre que me aparecer uma oportunidade vou tentar levar esse assunto a uma discussão.
BF: Para finalizar: o que você pensa essa polêmica do Bola8, DJ do Realidade Cruel ao dizer em seu perfil pessoal não achar correta a presença de gays no Hip Hop e comentando o “Quebrada Queer” de forma negativa?
Guigo: É claro que esperava por esse tipo de posicionamento, e mais claro ainda que ele seja parte de uma minoria que com certeza continuará resistente. Eu quero dizer, historicamente toda vez que uma frente avança, existe uma parcela de pessoas que tentam invalidar uma luta da qual não lhes diz respeito. O que Eu, Guigo, Guilherme Leone, gostaria de deixar claro é que:
1- Eu nunca fiz minha música ou meu verso no projeto Quebrada Queer, visando aprovação ou validação de nenhum cara do rap! Eu canto, rimo e escrevo para todas as Bichas que de alguma forma se sentiram oprimidas, rejeitadas ou que de alguma forma, como eu, se sentiram deslocadas num espaço que deveria ser de acolhimento. Todo e qualquer indivíduo disposto a praticar empatia com minha causa é bem vindo e será acolhido.
2- Sim! Rap é militância, e me pergunto, o que acham que eu estava fazendo no canal RapBox? Sim! Rap é atitude, e eu, e todas as minhas parceiras do QQ, tomamos providências pra que nunca mais um LGBTQ+ se sinta excluído nesse espaço e agimos com responsabilidade no discurso que passamos! Quer mais atitude que isso? Sim! Estamos sendo desrespeitados a décadas, aliás estamos sendo ultrajadas a décadas e ainda assim mantivemos respeito e empatia, sendo didáticas por vezes quando preciso! Desrespeito pra mim sempre foi ver um line Up cheio de machos, cantando o que se dizia ser “rap” sem nenhuma mina, Gay, Trans, Lésbicas nesse mesmo line Up. Isso pra mim é falta de compromisso com os tais “princípios” do rap. A propósito quem escreveu esse testamento?Sim! Rap é postura, a mesma postura que tivemos pra ser profissionais desde a primeira reunião com o RapBox pra tratar de negócios, como quando arrumamos uma equipe de stylists pra produzir os figurinos, quando fizemos o corre pra arrumar um maquiador, quando discutíamos o conceito desse clipe, nos preocupamos com todos os detalhes sabe, saiu da nossa conta, fruto do nosso suor, nós nos preocupamos com tudo pra não sermos desleixados e aparecer num canal que tanto nos respeitou como os animais que nos pintam diariamente. Isso pra mim é postura! Sim! Rap pra mim é música de resgate! E você já se perguntou quantas pessoas praticaram empatia com nossa causa mesmo não sendo LGBTQ? Eu te digo: MUITAS. Essas pessoas estão nos agradecendo nas redes sociais desde que o vídeo clipe saiu! E não obstante resgatamos a esperança de milhares de LGBTQs no Brasil que se sentiam oprimidos e não se identificavam com rap, apenas porque não havia representatividade!
Sim! Denunciamos milhares de homofóbicos, intolerantes, pessoas que praticam o ódio! Se tiverem dúvidas procure eles nos comentários do vídeo, a propósito, os denuncie também!
Rap é informação, rap é periferia sim. Ele é, e se você quer saber eu moro numa periferia de Guarulhos, num lugar sem asfalto, e pra resumir esse papo, eu tenho minhas contas pra pagar, uma avó com câncer pra cuidar, uma mãe pra ajudar nas despesas da casa, casa essa que ajudei a comprar com o seguro desemprego de 5 anos num telemarketing, vivendo uma vida desgraçada, e ainda tendo que me virar pra compor, produzir e fazer o som que eu faço hoje. Se isso não for rap! Assim como eu fiz até hoje, vou encontrar um espaço pra mim na música! Fique com seu Rap.
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