Acervo Bocada Forte | Entrevista: Um pouco sobre DJ Raffa

Texto e entrevista por DJ Cortecertu, última edição em 24 de outubro de 2019

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“Qualquer artista espera ser compreendido pela sociedade onde vive. É uma vaidade sadia. Não acredito em quem escreve para guardar na gaveta. Se alguém escreve é porque tem algo a dizer, quer se comunicar com o outro e se essa mensagem atinge a sociedade, a gente se sente gratificado. Não pelo dinheiro, mas pelo o que pode significar o retorno em termos humanos”, disse o importante compositor amazonense, Cláudio Santoro. Mais conhecido fora do país , principalmente na Europa, compôs obras de grande destaque, sinfonias, músicas para piano, trios e quartetos.

Enquanto o maestro estava preocupado com os caminhos da música erudita no Brasil e a sociedade de consumo, seu filho, um garoto chamado Rafael, dançava Breaking nas ruas do Distrito Federal e iniciava sua participação no que depois seria chamado de “Movimento Hip-Hop”.

Claudio Raffaello Santoro, o DJ Raffa, personagem fundamental para o desenvolvimento do Rap nacional, principalmente em Brasília e na cidade de São Paulo. Engenheiro de som, técnico de gravação e produtor, estreou numa grande gravadora com o conjunto Magrelos (1991), mas foi um ano depois que, com a fórmula básica DJ + MC, mostrou a força do grupo Baseado nas Ruas, com as rimas do seu parceiro Marcão.

DJ Raffa, Japão, X e Marcão

Durante muito tempo foi um dos produtores mais requisitados da cena Rap. Trabalhou com os grupos Câmbio Negro, Comando DMC, PMC, GOG, Sistema Negro, Consciência Humana, Duck Jam e a Nação Hip-Hop, Produto da Rua, Ndee Naldinho, Cirurgia Moral, Filosofia de Rua, entre outros que foram destaque nos programas de rádio especializados da época.

Quem conheceu o Rap no meio da década de 1990, querendo ou não, foi influenciado pelo trabalho de Rafael Santoro. Em São Paulo, muitos jovens conheceram a arte do canto falado sobre as batidas através do programa do locutor e dono da equipe de baile Circuit Power, o amado e odiado Armando Martins.

Aquela molecada que curtia a trilha do Hip-Hop cresceu. Hoje alguns são DJs, outros MCs. Eles formam conjuntos que representam as várias faces do nosso Rap, são a continuidade e a transformação. Cada um no seu estilo, na sua dita escola, mas com o respeito merecido aos pioneiros e mestres da arte.

A seguir, algumas idéias do DJ Raffa, um produtor que segue o exemplo dado pelo maestro: uma visão ampla e muito trabalho.

Bocada-Forte: Hoje o Rap possui vários estilos. Você acha que a cena amadureceu? Existem pontos negativos nessa variedade de sons e mensagens?

Foto do encarte do CD ‘DJ Raffa 20 Anos de Hip Hop’ – Acervo BF

DJ Raffa: Graças a deus o Rap nacional evoluiu e amadureceu muito. Mas é claro que em qualquer movimento musical ou cultural quando se expande, fica maior a tendência de ter vários grupos ou pessoas envolvidas sem compromisso algum. Pára-quedistas de plantão, ou seja, aqueles que apenas querem visar lucros. Mas quem é do Hip-Hop de verdade permanece. Esses outros vêm e vão. Por estar ficando maior, existem cada vez mais grupos novos, fazendo coisas boas inovadoras, mas também coisas ruins, inocentes. Mas não por incompetência dos grupos e sim pela falta de informação e estrutura. Acho que o Hip-Hop Brasileiro não é igual a do gringo, apesar de muitos grupos ainda se espelharem em grupos gringos. Acho que o Rap Nacional já criou suas raízes e independe do mercado de fora. Tem seu estilo próprio e sua mensagem. O Hip-Hop tomou um rumo social importantíssimo em nosso país e com isso, em minha opinião, o Rap Nacional não está ligado a indústria do entretenimento como está o Rap americano, que atualmente não diz nada com nada. O Rap nacional, como dizia o saudoso Sabotage, não é viagem, mas sim compromisso. E isso graças a Deus predomina na maioria do pensamento de quem faz o verdadeiro Hip-Hop no Brasil.

B.F: O Rap americano continua influenciando os artistas brasileiros? Eles ainda ditam tendências?

DJ Raffa:
Infelizmente sim. Mas como eu já disse antes, mais pela falta de informação. Às vezes esse grupo americano usou um sample do Isaac Hayes, por exemplo, mas o grupo não sabe, ai eles tentam fazer igual ao do gringo em vez de tentar conseguir o original e tentar usar o mesmo sample, mas criar de uma forma diferente. Mas isso nem sempre é fácil. Tudo depende não só de estrutura, mas de pesquisa e informação, que nem sempre são fáceis para se conseguir. Depende do produtor também em auxiliar e mostrar o melhor caminho. Você pode se questionar e pensar que isso são meros problemas técnicos. Mas eu acho que não. No Hip-Hop a pesquisa musical é muito importante. Não só do que você vai usar, inspirar ou até retocar, mas também no que já foi feito. O respeito com quem já está há muito tempo na correria fazendo um trabalho sério, é importante. Na verdade são vários fatores. Mas acredito que com humildade, estudo e perseverança a gente chega lá!

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B.F: Todos falam sobre o “verdadeiro Hip-Hop”. O que é isso? Você acha que sempre existirão armações?

DJ Raffa:
Para mim o verdadeiro Hip-Hop é aquele feito com sinceridade, com verdade e atitude. O que isso quer dizer? Quer dizer que são grupos que sabem passar a mensagem, que vivem o que cantam, não tem preocupações mercadológicas, tem estilo próprio, e contribuem com a sua comunidade de alguma forma e ações sociais. Ajudam outros grupos a lançarem os seus trabalhos. Para mim esse Hip-Hop é o Verdadeiro. O Hip-Hop de periferia.

B.F: Sabemos que no meio artístico existem panelas e cartéis. É necessário montar sua própria panela para sobreviver?

DJ Raffa:
Acho que aqueles que precisam de panelas e cartéis para sobreviver não merecem o devido respeito, porque só sobrevivem por causa disso e quando resolvem caminhar por conta própria ou por alguma razão são rejeitados dessa panela ou Cartel, sempre acabam se dando mal, porque não tem estrutura suficiente para se manterem vivos. Não sou contra o fato de você batalhar para montar a sua empresa dentro do Hip-Hop, fazer a sua correria honesta e ganhar o seu dinheiro. Contanto que seja sempre para somar e não prejudicar ou pisar nos outros. No mundo dos negócios sempre existem pessoas que tem mais tino comercial do que outros. Isso é normal. Mas existem aqueles que não precisam nem de panelas, nem de Cartéis. Esses são respeitados pelo que já fizeram, estão fazendo ou ainda vão fazer. O conceito que eles têm é que fala mais alto. São pessoas que representam.

B.F: Deve existir união entre os elementos do Hip-Hop?

DJ Raffa:
Sim, é claro, mas infelizmente isso não acontece. Na verdade a briga é mais pelo ego do que por ideais. Isso é uma pena, porque a união faz a força. E podíamos estar todos bem melhores se não fosse as pequenas picuinhas.

B.F: Quais são seus planos para este ano? Quem está produzindo?

DJ Raffa:
Espero conseguir fazer o volume dois da minha coletânea DJ Raffa 20 anos de Hip-Hop, que infelizmente não teve nenhuma matéria no site de vocês do volume um*. A Zâmbia está para lançar o Dino Black, produção que fiz ano passado em parceria com DJ Ariel. Terminar os CDs do Voz sem Medo, 3RG, Ameaça Urbana e A Entidade. Devo produzir o novo CD do De Menos Crime e do X (Câmbio Negro) e também o Stilo Radical de São Paulo. Estou de mudança para São Paulo, se Deus quiser esse ano também. Também estarei lançando alguns vinis de base e batidas e CDs instrumentais para os rappers poderem rimar em cima.

B.F: Como será o Rap nacional em 2004?

DJ Raffa:
Espero que menos gringo e mais nacional. Menos playboy e mais periferia. Menos besteirol e mais consciente.

B.F: Quais grupos serão destaque neste ano?

DJ Raffa:
E difícil dizer, mas com certeza um dos destaques será o Consciência Humana.

B.F: Qual a importância da Internet para o desenvolvimento do Rap? Existe um trabalho sério nos sites de Hip-Hop?

DJ Raffa:
Eu acredito que sim, apesar de que o computador ainda é em muitos casos um objeto de luxo. Principalmente na periferia. Primeiro o preço do computador, inviável. Depois ter uma linha telefônica, que possibilite o aceso a internet, mais difícil ainda. Mas as coisas estão melhorando aos poucos. Como escolas públicas que já possuem computadores ligados na Internet, ONGs que trabalham com jovens também possuem computadores e aí vai indo. Quem sabe um dia o computador e a internet serão mais democráticos no Brasil. Mas isso é indiferente do trabalho dos sites que existem hoje que falam sobre o Hip-Hop Brasileiro. O trabalho é muito importante como meio de comunicação e até manifestação dos jovens que acreditam no verdadeiro Hip-Hop. O trabalho dos sites tem sido excelente e fundamental na divulgação de artistas nacionais do gênero, mas também tudo que inclui esse movimento que são as discussões e informações necessárias para conscientização daqueles que consomem o Hip-Hop. Bem, é isso ai. Muito obrigado pela entrevista. Um salve!

*Nota do Editor: Em 20/03/2003 foi ao ar a resenha da coletânea “DJ Raffa 20 anos de Hip-Hop”. Clique aqui e leia a resenha.

Ouça as produções do DJ Rafa

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Cachorro Velho – Vale a pena conferir o blog deste tiozinho ranziza, o cara detona tudo.
http://cachorrovelho.blogspot.com/
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Instituto – Fui ao show do Instituto no dia 26 de março no Sesc Pompéia. Ragga, samba, jazz e freestyle, num show equilibrado e sem curvas para bocejos. Ainda rolou a participação do mc Pyroman.
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Labirinto – Todos nós temos um pouco das certezas de cada MC da coluna anterior (O labirinto e os MCs), precisamos reavaliar nossas ideias para tentar entender da forma mais ampla possível o que está se passando na cena rap. É possível definir qual caminho o rap nacional pode trilhar? Ainda procuro a resposta. Quem puder me ajudar…

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