‘AmarElo’, novo disco do Emicida, cumpre o papel de um disco clássico de Rap

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O rapper Emicida do Cachoeira, representante do extremo norte de SP, começa seu mais novo disco com a participação das Pastoras do Rosário, Fabiana Cozza e Pastor Henrique Vieira. Tudo que nóis tem é nóis. É isso, mais do que nunca. Não tem propriedade, carro, roupas, móveis, nada. Só nóis.

Ele é da zona norte. As pastoras, senhoras negras, são da zona leste, da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França, resistência, raiz e existência africana. A abertura dá o tom da diversidade em que o menino Leandro escolheu mergulhar, a diversidade negada por boa parte do Rap, não apenas o do Brasil.

Assista ao vídeo de “Silêncio”, uma introdução ao disco

Nunca escrevi sobre nenhum disco do Emicida. A sua ascensão no Rap coincide com o meu afastamento das mídias alternativas. Mas ouvi todos os trabalhos. Acompanho a carreira dele, até antes do primeiro trabalho: a mixtape. Aliás, esse primeiro trabalho, fique sabendo pelo Kamau, um dia antes de ser lançado. Econtrei e ele disse: “Emicida vai lançar a mixtape dele amanhã, pra vender a R$ 2, no papel kraft com carimbo na capa”. Minha resposta: “Se é o que ele acredita, que tenha sucesso, mas ele merece muito mais do que um CD no papel kraft”. Deu no que deu e, ao lado do seu irmão, ele foi buscar o que merecia. Falei isto pro Kamau naquele dia por conta do talento do menino. MC diferenciado, anos luz à frente de qualquer outro naquele momento. Eu achava uma pena o nosso Rap ter um artista de tanto talento tendo que fazer sua carreira dessa forma. Ainda bem que vingou.

Assista ao vídeo de “Libre”

Pouco tempo depois o encontrei com seu irmão na Santa Efigênia (centro de venda de eletrônicos, áudio, vídeo, games e celular, no centro de São Paulo). Eles estavam fazendo uns corres pra comprar algum equipamento. Nosso último encontro foi no 3º Encontro Paulista de Hip Hop. Ele seria a atração principal. Hoje talvez ele nem lembre de mim. Está em outro patamar, mas nóis continua aqui, de olhos e ouvidos atentos ao menino da zona norte de São Paulo. Ele ganhou o mundo!

Clique na imagem e confira uma das primeiras entrevistas de Emicida, publicada em agosto de 2006

Ressalvas sobre algo em sua trajetória? Tenho, algumas… Mas elas pouco importam. Já tem gente demais para tacar pedra e criticar os legítimos representantes da periferia. A gente só quer falar de música e exaltar os nossos talentos.

Assista ao vídeo da música que dá título ao disco

Da sua mixtape no papel kraft até esse disco, são 10 anos. Em uma década foi construída a primeira grande empresa/ marca/ gravadora legitimamente do Rap brasileiro. Cada passo foi planejado, executado, filmado, colocado nas mídias sociais e todos acompanhamos vitórias sendo conquistadas. Este disco é o auge da maturidade do MC. Assisti algumas entrevistas sobre o disco. É outra pessoa. Dá orgulho! Aquele moleque de gorro, que de vez em quando trombava perto do metrô Parada Inglesa ou na Galeria Olido, com a camiseta “Na humilde crew” (Rincón e Nocivo eram seus parceiros de Crew), não se tornou apenas um homem, mas um Grande Homem de Respeito.

É mais um exemplo de que o ‘O RAP SALVA!’

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O disco não tem participações de nenhum outro MC. Entendam que falo de MC no sentido real que o termo tem na Cultura Hip Hop. Fernanda Montenegro, Pabllo Vittar, Marjur, Zeca Pagodinho, Thiago Ventura, MC Tha, Tokyo Ska Paradise Orquestra, Drik Barbosa, Larissa Luz, Dona Onete, Jé Santiago, Papillon, Ibeyi e até o Belchior posso considerar como participação. Lendo todos estes nomes fora de contexto você pode imaginar qualquer coisa, menos um disco de Rap. É um festival de diversidade. Não tenho conhecimento de nenhum disco de Rap que tenha feito algo sequer parecido. É diversidade musical, cultural, social, sexual, racial, religiosa, de timbres, de ritmos, de linguagem. Cê é loko, tiu! Foi além de todas as barreiras históricas impostas, sabe-se lá por quem. Elas, as barreiras, não deixaram e nem deixarão de existir tão cedo, mas está aberto o precedente.

Assista ao vídeo de “Eminência parda”

Geralmente recebemos no mínimo um release dos discos, com ficha técnica e mais detalhes para poder escrever sobre. Mas como os grandes nomes do Rap não tem mais enviado este tipo de material para as mídias especializadas, enviam apenas para as mídias convencionais. Assim, escrevemos sobre o que ouvimos. ‘AmarElo‘ cumpre o papel de um disco de Rap clássico. Sabe aquele disco que você ouve e vai atrás de cada referência, seja ela nas letras, títulos ou samples? É isso. Emicida consegue ser direto em muitos momentos, mas ao mesmo tempo usa e abusa das metáforas. A sua essência de MC de batalha de freestyle continua evidente.

Assista ai teaser do disco

Mesmo com todas as participações, não consigo enxergar nenhuma que tenha se sobressaído. Talvez o Zeca, por eu ser fã e o achar um dos melhores no samba, e a Fernanda Montenegro, pela leitura e interpretação do poema que inspirou o nome da melhor música do disco, Ismália. Poderia ser a música de trabalho. A voz doce e calma de Emicida rimando é o tom perfeito para a quantidade de verdades que são ditas.

Emicida PRINCIPIA fazendo A ORDEM NATURAL DAS COISAS falando sobre AS PEQUENAS ALEGRIAS DA VIDA ADULTA, uma delas presente em um ditado “QUEM TEM UM AMIGO, TEM TUDO”. A PAISAGEM do litoral de CANANÉIA, IGUAPE e ILHA COMPRIDA abre o caminho para quem, como estivesse com uma 9NHA, talvez inspirado por 2Pac e sua “namorada”, dispara flores, verdades e amor em ritmo de samba rock. Inspirado no poeta mineiro, ele faz a sua versão de ISMÁLIA, onde a voz mansa não disfarça a revolta que é escancarada em EMINÊNCIA PARDA. AMAR é o ELO para que cada um de nós seja LIBRE para pelo menos ser humano.

Finalizei essa minha reflexão sobre o disco após às 00h do dia 2/11/2019, ouvindo o disco e os toques e cantos para Exú, pois o terreiro vizinho de casa começava o livre exercício da sua religião. Que ele nos acompanhe, abra os caminhos e que a diversidade, seja ela qual for, seja respeitada!

Ouça o álbum completo

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