A caminhada de Fábio Emecê na religião de matriz africana e seu rap contra a alienação

Artista, ativista e professor apresenta o disco "Preto Velho Volume 2'

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Em “Preto Velho Volume 02”, lançado no primeiro semestre de 2023, Fábio Emecê celabra mais uma vez sua união com o produtor Dudu Foxx. O MC traz à tona uma reflexão sobre a religião de matriz africana e sua relação com a formação da identidade negra brasileira num ambiente de alianação e intolerância religiosa.

O trabalho busca explorar o sentido dado pelos Preto Velhos e entidades presentes nas crenças de matriz africana, que falam de forma cifrada, exigindo do ouvinte uma interpretação mínima para compreender suas mensagens. Emecê transporta esse mundo para sua experiência cotidiana como ativista, artista e professor.

Para o MC, os códigos e cifras dos pretos velhos representam uma contraposição aos tempos atuais, nos quais tudo é transparente e deve ser explicitado quase que de maneira infantil. O segredo e a dúvida são essenciais para a existência, uma vez que o conhecimento profundo só pode ser alcançado por aqueles que se esforçam para compreender.

A ancestralidade e sua ligação com a diáspora e a religiosidade estão presentes no trabalho do rapper desde o contato inicial com algumas manifestações por volta de 2015 e 2016.

Em seu mais recente trabalho, Fábio Emecê critica nossa democracia que permite que a violência contra a população favelada e negra continue existindo, não importa quantos discos seu artista famoso venda ao mostrar uma outra realidade. Em nossos celulares, os registros dos abusos e casos de racismo mostram a mesma dor do passado. Uma filosofia da matança, como alerta uma das reportagens sampleadas no álbum.

Embora não seja religioso, em seu rap, o artista busca compreender o sentido da palavra como objeto de vivência, especialmente nos terreiros, onde a palavra desempenha um papel central. A partir dessa experiência, seu trabalho foi se modificando gradualmente, culminando na forma atual, mas não perdeu sua veia politizada e seu olhar que mira a desigualdade social.

Foto: Ana Silva (Instagram do artista)

Para o rapper, essa busca de conhecimento é mais uma ampliação de repertório do que uma mudança em sua forma de trabalhar com o rap. Emecê reconhece e reafirma os fundamentos presentes nas religiões de matriz africana e destaca a importância do segredo, da dúvida e da palavra como condutores da vivência.

Durante conversa com o Bocada Forte, o rapper menciona que sua música exige uma bagagem por parte do ouvinte, uma vez que escreve poesia e procura ampliar o conhecimento por meio de suas letras. Aliás, conhecimento é uma palavra constante em seu discurso.

Sem nenhuma vaidade intelectual, o ativista e professor acredita que todas as pessoas deveriam ter repertório e critica a limitação do acesso ao conhecimento na sociedade atual.

RAP DE ADULTO

Questionado sobre a mudança de tom em suas músicas, o rapper concorda que está mais agressivo e incisivo, expressando sua insatisfação com certas abordagens e buscando denunciar o sequestro do inconsciente e dos desejos pela indústria cultural, que precisa despolitizar tudo para existir.

Emecê critica as grandes plataformas digitais e a influência do ideal de brancura, que beneficia apenas um grupo seleto de pessoas brancas bilionárias. O rapper destaca a importância de questionar esse ideal, que está ligado ao conservadorismo em detrimento às vivências negras. Denunciar esta espécie de sequestro e enfrentar a angústia provocada pelo ideal de brancura, a fim de transformar essa realidade, é um papel que ele assume com fervor.

Mas não se enganem, convidando os ouvintes a refletirem sobre o que é dito em cada estrofe, “Preto Velho Volume 2”, pode ser também entendido pela sua forma direta de tratar a realidade. Isso vai contra tudo o que foi falado até agora? É contraditório?

Aperte o play e tire suas dúvidas. Para mudar as coisas, precisamos ir além, sem subterfúgios ou autoengano. Como diz Emecê: “Não se usa band aid em fratura exposta”.

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