Raphael Warlock comenta faixa por faixa do álbum ‘Versos Oníricos do Ontem’

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#RapBR #RapLGBT | Se em janeiro, Raphael Warlock buscou se inserir na cena com seu primeiro álbum solo – “Órfão Vilão de Vilania” – o MC agora fecha o ano botando pra fod*r.

Um dos nomes em ascensão na cena de Florianópolis, Warlock é cada vez mais reconhecido entre os LGBT’s da cena e apresentou agora para o público seu novo álbum “Versos Oníricos do Ontem“. Com uma escrita sempre ácida, irônica e afrontosa, o MC veio mostrando versatilidade em músicas que vão de críticas à homofobia e o racismo a sexsong/lovesong.

Em exclusividade para o Bocada ForteRaphael Warlock falou sobre a idealização e construção do álbum e comentou faixa por faixa. Então já dê o play e confira detalhes do álbum abaixo:

A IDEALIZAÇÃO DO ÁLBUM

A ideia principal do “Versos Oníricos do Ontem” (“VODO”) é juntar os assuntos que me tiram o sono, todos em um só lugar e, ao mesmo tempo, estender o meu primeiro disco, o “Vilão Órfão de Vilania” (“VODV“). Por outro lado, a intenção era deixar ele o mais versátil possível para que alcancasse um público maior que o VODV, que eu usei muito mais para fazer a minha introdução na cena. Até por isso o número maior de faixas, inclusive. Igual o seu antecessor, o VODO também tem origem nas histórias em quadrinhos, o nome vem de um conto do Neil Gaiman chamado “Contos Oníricos do Ontem“.

A CONSTRUÇÃO DO ÁLBUM

O meu processo de criação é 100% às cegas, pra começar. Então fui escrevendo e arrecadando beats simultaneamente, ia vendo qual letra casava com qual beat e assim foi. Os primeiros feats foram do Yami Salus e JuPat, que são duas pessoas cujo as quais eu queria muito no meu disco novo. O remix de “Bixa Preta” foi a primeiríssima música a ser idealizada e uma das últimas e entrar para o álbum porque eu ainda não tinha conseguido alguém para alterar o beat no verso do Siamese, por sorte (e insistência minha) o Rodrigo Zin topou ajudar. Eu listei todos os artistas que eu queria nesse disco e fui riscando de acordo com a disponibilidade e acessibilidade de cada um. No fim, os únicos convidados que não estavam nos planos foram o Elito e o Gabelegal, que entraram poucos dias antes do álbum ser lançado.

Com excessão dos feats, que são todos de diferentes cidades, toda a captação de voz foi feita no meu próprio home studio (também conhecido como meu quarto). A mixagem e masterização, que eu estou aprendendo ainda com o Rodrigo Zin, também foi por minha conta, exceto as vozes do Arma Xiss e Faustino, que ficou assinado por eles mesmos.

FAIXA A FAIXA

Talkei – Essa foi pensada depois de um almoço em família onde descobri que tenho parentes muito próximos que apoiam o presidente eleito. O discurso de ódio dele não pode ser relativizado em hipótese alguma, por isso quis trazer à tona. Se fez algum efeito na minha família eu ainda não sei porque não sou o mais procurado por eles.

Versão D’Omo (777) – É sequência direta da Versão D’Omo (666) com uma proposta de mostrar a minha evolução. Na primeira música, a (666), eu me apresento da forma mais direta e agressiva possível, mas ainda assim passo a noção de estar perdido. Já nessa, (777), é como se eu tivesse me encontrado, anunciando o meu retorno com um certo amadurecimento, tanto como mc quanto pessoa. E no segundo verso eu sintetizo algumas músicas que compõem o restante do disco.

Injúria – Injúria não foi composta originalmente para o álbum, era pra uma sessão do estúdio KTP REC aqui de Floripa, mas gostei tanto dela que pedi essa exclusividade. O primeiro verso e o nome da música é inspirado no caso da Alanne França, jovem carioca que foi atacada por uma idosa racista em um ônibus em São Paulo. A idosa foi acusada de injúria racial que, ao contrário de racismo, pode-se pagar fiança. Na época saiu uma matéria no UOL sobre o caso, onde relativizava todo o acontecido alegando insanidade mental à agressora. Felizmente, recententemente, a racista em questão foi acusada como culpada de todas as acusações.

Rexpeita – Essa música foi escrita depois de eu ter conseguido o beat, o qual eu considerava um desafio para se escrever em cima. Demorei alguns dias pra conseguir bolar algum flow que encaixasse legal, foi meio complicado no começo, mas depois fluiu naturalmente. Escrevi ela tão às cegas que só decidi o nome da faixa quando o álbum já estava pronto. É basicamente a minha música de autoafirmação enquanto gay no rap brasileiro, eu trabalho tanto quanto qualquer homem hétero cis da cena e ainda tenho alguns obstáculos a mais por conta da minha orientação sexual, acredite você ou não.

Feijoada – Eu queria muito trazer a JuPat para o lado sombrio da força de um jeito ou de outro, e essa foi a minha chance! Gosto de tirar os meus convidados da zona de conforto, acredito que esse tipo de desafio acrescenta positivamente como experiência. A JuPat tem o seu jeito aéreo de fazer arte, é único, é o que faz ela ser quem ela é. Já havia gente pedindo uma música nossa e por isso imaginei que todos eles tivessem esperando padronizado. O que foi mais um motivo pra nós dois chegarmos agressivos nessa faixa. O nome veio do meme “crime ocorre nada acontece feijoada” por conta dos últimos acontecimentos de agressão no rap que não foram e que, muito provavelmente, nunca serão cobrados.

Bixa Preta (Remix) – Esse remix tava nos meus planos desde que ouvi “Som do Grave” do Siamese. Foi uma grande novela na verdade. A ideia era descolar outro beat, mas com o mesmo sample da música original, porque eu tinha medo do spotify não aceitar. Eu não encontrava ninguém disposto a fazer, foi então que, em uma viagem pra Curitiba, eu pedi pro Rodrigo Zin pessoalmente e ele topou. Eu realmente gosto da versão original dessa música, lá do primeiro álbum, mas o que o Siamese fez nesse remix é indiscutivelmente de outro nível!

Brechó Gourmet – Nasceu a partir da necessidade de fazer algo diferente. E por diferente eu digo que passou pelas minhas mãos ritmos do jazz ao hardcore. No fim quem venceu foi o funk. A primeira versão dessa música tem aproximadamente 3 minutos, mas eu acabei achando muito longa pra um funk e fui atrás de outro beat. Essa versão maior ainda pode sair como um remix mais frente. A ideia era fazer algo dançante, mas sem sair desse discurso de militância LGBT+ que perpetua ao longo do álbum.

Protejam-se – Essa skit é a parte 2 do que seria a intro, achei ela tão divertida que optei por manter, até porque casa com faixa seguinte. Quem interpreta o repórter é o meu namorado, que estava bolando uma capa pro álbum totalmente diferente da versão final e que realmente conversava com essa skit. Mas acabamos mudando os planos no final.

Metflix/Azul é a cor mais quente – Você já ouviu “Coração Lotado” do Allure Dayo? Metflix é fruto dessa música. Assim que dei play nela eu só consegui pensar em chamar o Allure pra fazermos um som numa temática mais parecida o possível. Essa faixa pedia um refrão cantado, e eu não conhecia ainda ninguém melhor pra esse papel que o Rodrigo Zin, que aceitou o convite assim que ouviu a guia. Azul é a cor mais quente é a minha primeira lovesong, ironicamente junto da minha primeira sexsong. É dedicada totalmente ao meu namorado e tem esse nome porque nós dois pintamos os nossos cabelos de azul na época.

Versos Oníricos do Ontem – Incrivelmente, essa foi a última música a ser idealizada e a ficar pronta também. Originalmente teria, além do Gabelegal, o Yami Salus como feat, mas acabei optando por tirá-lo da faixa pra não ficar tão grande e pra ter uma coesão maior, uma vez que eu e Gabe somos gay e bi respectivamente.

Pedras – Aqui exponho alguns desejos e objetivos que tenho dentro do rap. Metas que quero atingir através do meu trabalho, sem nenhum medo de esconder os meios para tais. Sou totalmente contra esse discurso de que não é bonito fazer dinheiro com a música. Acho exatamente o contrário, não tem nada mais bonito que sair de uma situação precária pra conseguir se sustentar, e às vezes até mesmo empreender, atráves do rap.

Ponto de Vista – Baseada na música “Ensaio sobre a cegueira” do Subsolo, essa faixa é a minha faixa solo mais Teoria do Caos possível, onde eu brinco com um tema específico e mantenho ele durante a música inteira. Acredito inclusive que eu deveria ter chamado o Alexandre PS pra essa, ele com certeza teria gostado. A ideia era denunciar vários descasos usando essa temática de perspectiva.

É Verdade Esse Bilete – Só tenho a agradecer ao Elito e Jovem Doug! Escolheram justo o meu álbum pra se superarem, fico muito lisonjeado quanto a isso. Outra faixa oriunda de meme, “É Verdade Esse Bilete” expõe algumas mentiras minhas pessoais no meu verso, enquanto os outros dois abordam temas mais gerais e socialmente urgentes, ainda mais no momento sensível em que estamos vivendo no país.

(R)existo – Umas das primeiras músicas do álbum a serem criadas e gravadas, (R)existo é um desabafo bem pessoal, presente já em músicas do primeiro álbum como “Zona do Caos“. Eu cito algumas situações pelas quais passei que realmente não foram fáceis, mas não me arrependo de ter registrado-as no álbum. Como eu não queria ficar sozinho nessa, chamei ninguém menos que o Yami Salus, um dos meus compositores favoritos na cena inteira. Fico muito grato de ele ter topado compartilhar esse momento no meu disco. Curiosidade: Eu realmente fui atrás do Álvaro Mamute chorando após ter levado enquadro da PM com o meu irmão, onde eu estava em um grupo de 5 pessoas, contando comigo, cujo 3 tinham a pele mais clara que a minha e a do meu irmão e não foram revistado ou sequer questionados.

Flow Cruz e Souza – Minha homenagem ao poeta da ilha da magia e ao povo afro que aqui fez e ainda faz história. Temos os nossos orgulhos por aqui, apesar de o sul ser extremamente conservador e ter como branca a maior parte da população. As Margens é um duo, um dos principais nomes do rap e da representativadade afro de Florianópolis, formado por Will MC e Insano. Nessa faixa só participa o Will.

Sangue no Olho e Ouro na Boca – Versão agressiva de “Pedras“! Essa faixa é remanescente do VODV, assim como tantas outras, achei que não coube no primeiro disco e engavetei pro próximo. O Arma Xiss é meu amigo há anos já, aceitou o convite na hora e gravou o quanto antes. Já o Faustino Beats, eu sou fã assumido e foi uma honra inenarrável tê-lo nessa música. Por intermédio do Álvaro Mamute, consegui com que o convite chegasse à ele e, pra minha sorte, ele curtiu de primeira e topou.

A Jornada do Poeta – Lembra lá na “Brechó Gourmet” que eu comentei sobre arriscar coisas novas? Essa música aqui é exatamente sobre isso. Eu, Raphael Warlock, ainda não tenho um padrão de como fazer música, nem mesmo um tipo, e tampouco quero ter. Essa jornada, pra mim, precisa ser infinita pra que eu não caia na famosa mesmice.

Vai Se Foder – Minha xodó. Talvez o mais perto que eu consiga chegar de um “Tyler, the Creator type rap”. Aqui eu não poupo sujeira, miro em todo canto, em todo o mundo e mando ver. Escrevi na volta de uma viagem à São Paulo, onde dei um rolê de rap que apareceu a Drik Barbosa e Rincon Sapiência, sabe?! Quando que uma coisa dessas aconteceria em Florianópolis? Por isso voltei indignado com o tanto de mc foda que tem em SP e que não aproveita. Claro, eu sei que também não funciona assim, mas a música é pra casos específicos.

R.I.P. N2 (Outro) – O Álvaro Mamute abriu o meu primeiro disco, então nada mais justo que ele fechar o segundo. N2 é de Niggas Nerds, o antigo canal dele no youtube, foi lá onde toda a minha jornada terminou. Tenho o Mamute como uma espécie de mentor. Curiosidade: O Mamute abriu o primeiro disco, fechou o segundo e vai rimar no terceiro.

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