Tchelo Gomez: “A gente quer provar que existe espaço para todo mundo”

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*foto de capa por @luizbecherini

#RapBR #OrgulhoLGBT | Nascido em Osasco e criado em Jandira e Barueri, Tchelo Gomez é um aquariano de 26 anos muito criativo e que não poupa esforços na hora de fazer seu trabalho acontecer. Membro do coletivo Quebrada Queer, o artista lançou em 2017 seu EP de estréia, “Tchelo Gomez”, e tem uma longa caminhada na música.

A presente entrevista foi uma colaboração do Bocada Forte com Drika Moraes (blogueira do portal RND, hoje responsável pela coluna “Fala Memo Produção”). Conversamos com Tchelo sobre todos os seus corres, sua curiosa trajetória na música e sobre o Quebrada.

Ao contrário do que se pode achar, Tchelo não pensava que seu futuro estava na música. “Eu nasci em rodas de samba. Minha família inteira por parte de pai é do Samba, da Black Music. Todo mundo toca algum instrumento menos eu”. E mesmo gostando de cantar, não achava que tivesse nascido pra isso.

Com pais separados, conheceu a religião católica através da família de seu ex-padrasto e com 14 anos entrou na liturgia para conhecer pessoas. Tímido, dublava as músicas até que um dia foi cobrado e passou a cantar. Tchelo conta, rindo, que no começo sua voz era bem ruim até que, com treino e com o avanço da adolescência, logo foi se desenvolvendo e ficando cada vez mais afinada.

Depois da escola, tentou conciliar uma graduação em Publicidade com os estudos musicais na ETEC de Artes (onde ficava o presídio masculino do Carandiru), onde passou porque, como disse, “tinha que ser”. “Fui péssimo na primeira fase. Eram 90 lugares para a segunda fase e fiquei na colocação 80. Os que passassem para a segunda fase faziam um exame de aptidão. Eu fiz. No dia, descobri que precisava cantar o Hino da Bandeira – o qual eu nem sabia que existia. Na hora peguei um papel e caneta e aprendi. E na prova caíram coisas básicas. Um mês antes eu tinha entrado num curso gratuito da prefeitura de Barueri e peguei exatamente o que caiu na prova, que era o básico do básico ainda mais para quem tinha passado a vida toda cantando na Igreja. (…) Eu passei e amei o curso.”

Me empoderei! Se pedir, vou falar, Não vou mais me calar Pela honra de Mandela!
E a força de zumbi não me deixa cair
Me liberta dessa cela! (“me empoderei”)

Durante a faculdade acabou trancando o curso técnico de música, retomando logo após conquistar o diploma de publicitário e conheceu estudantes muito mais focados no trabalho musical: “Era uma outra galera. Todo mundo com som autoral, trampando, fazendo sarau, fazendo festival”. Decidido, passou a se apresentar com colegas de curso em saraus e apresentações.

Tendo sido selecionado e se apresentado no musical “Hair”, Tchelo decidiu se afastar do projeto acústico autoral que fazia na época e, como teste, lançou seu primeiro single – “Encaracolado”. Fez um estudo a partir do marketing e criou seu EP de estréia – “Tchelo Gomez”.

Seguindo um conceito versátil, mas com raíz na música negra, seu EP de 5 faixas passeia do R&B de “Encaracolado” ao hip hop batucado de “Me Empoderei” passando pelo funk de “E Agora, Netflix?”, pelo afropop de “Tum Ta” e pelo dancehall de “Good Vibe”.

Logo percebeu que seu EP teve um alcance bem variado em espaços diversificados. Tendo isso em mente, convidou os gêmeos dançarinos para performarem ao seu lado nos shows.

Tendo como meta para 2018 se aproximar mais do rap e do mundo da moda, Tchelo foi convidado por Dory de Oliveira e Luana Hansen para participar de uma cypher que também contaria com a participação de Danna Lisboa. 

O cantor passou então a mergulhar no universo das cypher e não descobriu nenhuma cypher gay, muito menos feita por gays e negros. Assim, convidou Harlley, Guigo, Murillo Zyess e Rico Dalasam para participarem de um projeto inovador: uma cypher gay e negra. Murillo sugeriu também a entrada de Lucas Boombeat que, por sua vez, envolveu o produtor Vibox. Com o desenrolar do projeto, Rico acabou se afastando. O grupo então conseguiu negociar o lançamento do som com videoclipe através do canal do RapBox. E assim nasceu o Quebrada Queer.

A gente esperava uma repercussão, mas não na proporção que foi. Esperávamos um boom e uma galera criticando, mas achamos que fosse meio a meio. (…) Recebemos ameaças e xingamentos, mas em uma parcela muito pequena comparando com a quantidade de pessoas se identificando e elogiando o trabalho”.

Além dos feedbacks positivos, perceberam que seus trabalhos individuais também cresceram com o lançamento da cypher. E tudo tomou uma proporção tão grande que hoje trabalham com uma produtora (Laura).

Tchelo também disse que o grupo tem como objetivo aumentar a inclusão de LGBT’s no rap e na música de uma maneira geral. Hoje estão se conectando com outras LGBT’s com o objetivo de se fortalecerem e revelarem novos talentos: “a gente quer provar que existe espaço para todo mundo”.

Claro que em meio a tantas coisas boas e com o desenvolvimento de seus projetos, tudo isso acarretou decisões difíceis. Desde o sucesso da cypher, o cantor disse refletir muito sobre a possibilidade de conciliar seu trabalho na música com seu trabalho enquanto publicitário em uma agência onde foi recém-contratado. “É muito foda, por que eu também tenho contas para pagar, aluguel e várias coisas. Mas vou investir, vou me arriscar. Até porque o Quebrada é um projeto meu então me dói muito não poder participar de tudo”. Decidido a arriscar tudo, Tchelo hoje saiu da agência e se dedica exclusivamente à música.

Bocada Forte: Muitos trechos de suas músicas grudam na cabeça assim que ouvimos, principalmente “Tum Tá” e o refrão de “Me Empoderei”. Fico pensando o quando sua formação em Publicidade reflete não apenas em suas composições como em outros aspectos do seu som. Como você enxerga isso?

Tchelo: Isso reflete bastante. Antes de fazer publicidade eu sempre pensei em como apresentar as coisas e como me apresentar: em como me vestir, como apresentar trabalhos na escola – isso sempre esteve muito injetado em mim. Depois da publicidade, com a música, eu queria tentar de alguma maneira unir tudo isso. Eu sempre pensei que tudo que aprendemos podemos usar em outros momentos da vida, em outros segmentos. Então isso de ser chiclete, de grudar na cabeça, não foi proposital inicialmente – fui compondo e depois só lapidando de forma bem natural. Mas óbvio que [hoje] eu penso nessas coisas. Então sim, acho que isso reflete bastante. Eu sou bem marketeiro, eu criei alguns bordões sim – porque eu percebi que meu nome era difícil de pronunciar – como o “T-C-H-E-L-O” [na cypher].

BF: Uma das coisas que me chama a atenção em seus shows, como na Bubu em Junho, é a animação. Você tem letras super alto astral e performances que fazem o público dançar até o chão! Como é, para você, criar rap dessa maneira, fugindo do usual?

Tchelo: Eu sempre pensei em falar nas músicas sobre vivências, mas com positividade. E o rap veio como uma oportunidade de falar sobre coisas que estavam engasgadas e que nos meus trabalhos solos eu não conseguiria transmitir com tanto conforto inicialmente. O rap então foi um escape para que eu pudesse me expressar, talvez de maneira mais agressiva.

BF: Em muitas letras você faz referências à dança e em seus shows, traz seu dançarino para performar. Para você, qual o papel da dança na sua vida e na sua carreira artística?

Tchelo: Eu sempre pensei nessa fusão de artes. A dança é algo que gosto, que tenho ainda muito que aprender, mas percebi que é também uma possibilidade a mais de entretenimento e de abrir oportunidades para outras pessoas. E é muito legal apresentar junto a um balé por preencher ainda mais o espetáculo. Sou suspeito para falar (risos).

Amor não é doença, é cura
Não é só close, é luta
Então vê se me escuta
Aceita, atura ou surta! (“Quebrada queer”)

BF: Hoje ao mesmo tempo em que vemos o crescimento do movimento LGBTI+, convivemos ainda com uma série de problemas em nossa comunidade. Para você, enquanto gay e negro, quais são as pautas que nosso movimento deve priorizar?

Tchelo: Tem que ter um equilíbrio nos movimentos dos quais a gente faz parte. No início eu sempre priorizei a questão racial batendo de frente contra o preconceito, o racismo e exaltando a beleza negra. Mas depois percebi que tinha um papel muito importante a cumprir a respeito da sexualidade. Eu acredito que a gente deve ter um equilíbrio e que ambos os movimentos devem andar juntos.

BF:Em todas as redes sociais, suas e dos meninos do Quebrada Queer, estamos vendo anúncios sobre a segunda parte da Cypher. Poderia nos dar spoilers do que vem por aí?

Tchelo: Não podemos dar grandes spoilers, mas o que posso adiantar é que pra quem duvidou vai ter QQ2 sim e será uma resposta para os haters do primeiro som (risos). Mas uma resposta bem classuda: pra mostrar que não nos abalaram em nada – pelo contrário, estamos vindo com mais força. E só é uma resposta, pois houveram questionamentos e muitas dúvidas

BF: Quais mensagens você gostaria de deixar para as pessoas que acompanham sua carreira tanto solo quanto no QQ?

Tchelo:  Primeiro, quero agradecer pelo carinho e  apoio de todos. Recebo centenas de mensagens diariamente e faço de tudo pra responder tudo e todos. Esses feedbacks são muito importantes pra mim, me ajudam a crescer e buscar sempre o melhor para minha arte.  Quero deixar a mensagem para não desistirem dos sonhos (pode até parecer clichê, mas real) é só pra quem acredita de verdade e corre atrás também. Trabalhem duro e não desistam jamais!

Confira, em breve, a segunda parte da entrevista no portal RND.

-> Lucas Boombeat: “Sou essa mistura de bicha com maloqueira “

-> Murillo Zyess fala sobre sua carreira e inspirações em entrevista exclusiva para o Bocada Forte

-> Guigo, do “Quebrada Queer”, fala sobre sua carreira, sobre ser MC LGBT e sobre as repercussões da cypher em entrevista exclusiva

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